27/2024, de 03.10.2024

Número do Parecer
27/2024, de 03.10.2024
Data do Parecer
03-10-2024
Número de sessões
1
Tipo de Parecer
Parecer
Votação
Unanimidade
Iniciativa
PGR
Entidade
Procurador(a)-Geral da República
Relator
Eduardo André Folque da Costa Ferreira
Votantes / Tipo de Voto / Declaração

Carlos Adérito da Silva Teixeira

Votou em conformidade


Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou em conformidade


João Conde Correia dos Santos

Votou em conformidade


José Joaquim Arrepia Ferreira

Votou em conformidade


Carlos Alberto Correia de Oliveira

Votou em conformidade


Ricardo Lopes Dinis Pedro

Votou em conformidade


Helena Isabel Ribeiro Carmelo Dias Bolieiro

Votou em conformidade


Maria Carolina Durão Pereira

Votou em conformidade

Descritores
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
CARTA ROGATÓRIA
AUDIÇÃO
TESTEMUNHA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
RESERVA DE PROCESSO CRIMINAL
FUNÇÃO JURISDICIONAL
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES
INEXISTÊNCIA JURÍDICA 
Conclusões
X.
Considerando o que precedentemente expusemos e com vista a melhor satisfazer ao solicitado, formulam-se as conclusões seguidamente enunciadas:
              1.ª — O exercício pelas comissões parlamentares de inquérito de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais não permite qualificar tais órgãos parlamentares como tribunais ou sequer participantes da função jurisdicional ou da organização judiciária.
              2.ª — O inquérito parlamentar não constitui, nem pode constituir um processo penal, pois, ainda que do relatório conclusivo apresentado ao Plenário da Assembleia da República decorram sérios indícios de factos criminalmente relevantes, a sua participação dará lugar, necessariamente, à abertura, pelo Ministério Público, de um inquérito penal.
              3.ª — A descoberta da verdade no inquérito parlamentar tem por fundamento e limite a responsabilidade política do Governo e dos seus membros perante a Assembleia da República, ao passo que no direito processual penal está em causa a administração da justiça e a repressão das atividades criminosas, por via da aplicação das sanções mais aflitivas que a nossa ordem jurídica prevê: as penas privativas da liberdade.
              4.ª — Ao inquérito parlamentar falta uma estrutura processual que diferencie os sujeitos e intervenientes e que ofereça as exigentes garantias que a Constituição impõe à ação penal, à função jurisdicional e, de modo particular, à aplicação da lei penal e da lei processual penal.
              5.ª — Aliás, os juízos políticos que o inquérito parlamentar proporciona não obedecem a um parâmetro previamente determinado, ao contrário do que sucede com a aplicação do direito, uma vez que está em causa apreciar do mérito e oportunidade dos atos do Governo e da Administração Pública e conhecer da moralidade cívica dos titulares de cargos políticos que respondem perante a Assembleia da República e tenham praticado ou permitido a prática desses atos.
              6.ª — Além de o inquérito parlamentar poder versar factos já averiguados ou em averiguação criminal, há razões históricas no constitucionalismo britânico que influenciaram significativamente o nosso direito parlamentar, diretamente, ou por reflexo da Constituição italiana de 1947 e da Lei Fundamental de Bona, de 1949.
              7.ª — Em grande medida, a atribuição de poderes de investigação próprios do juiz às comissões parlamentares de inquérito deve-se à completa falta de poderes coercivos dos parlamentos, uma vez que na conceção europeia continental da separação de poderes, o exercício da sua competência se concretizaria, estritamente na aprovação de leis e nos atos de confiança ou de censura à atividade dos governos.
              8.ª — A relevância comunitária do crime e da sua perseguição, em especial, a criminalidade organizada que tira proveito das limitações territoriais de aplicação da lei penal, levaram os Estados a tecer formas bilaterais e multilaterais de cooperação judiciária em matéria penal, que, todavia, não estenderam às investigações parlamentares nem a outras formas de fiscalização política dos atos do Governo e da Administração Pública.
              9.ª — Entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil não vigora nenhuma convenção internacional, bilateral ou multilateral, que preveja a extensão dos instrumentos de cooperação judiciária aos inquéritos parlamentares e aos poderes de investigação das comissões que os levam a cabo.
              10.ª — Assim, a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na Cidade da Praia, em 23 de novembro de 2005, de que ambos são signatários e Partes Contratantes, só prevê a convocação de testemunhas para depoimento a prestar em processo penal ou, pelo menos, em processo sancionatório com características similares.
              11.ª — E, ainda assim, nos termos do seu artigo 12.º, n.os 2 e 3, determina o expurgo de toda e qualquer cominação sancionatória, de modo a convolar qualquer possível intimação para depor no exercício de uma faculdade para o notificando.
              12.ª — Mesmo que, por hipótese, tal Convenção fosse de aplicar aos depoimentos em inquérito parlamentar sempre teria de satisfazer a requisitos de identificação dos sujeitos e do seu paradeiro que a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Administração pelo Serviço Nacional de Saúde do Fármaco Zolgensma a Duas Crianças Luso-brasileiras não fornece.
              13.ª — E ainda que, também por hipótese, o referido tratado consentisse equiparar os poderes de investigação e a própria Comissão às autoridades de natureza judiciária, não poderia a Procuradoria-Geral da República, enquanto autoridade central da República Portuguesa, substituir-se na elaboração ou aperfeiçoamento de cartas rogatórias, pois as funções que nessa qualidade lhe incumbem são de uso facultativo pelas autoridades judiciárias das Partes Contratantes, visto ter Portugal declarado, com o depósito do instrumento de ratificação, aceitar a comunicação direta entre autoridades competentes, sem prejuízo de reconhecer a comunicação entre estas e a autoridade central ou entre autoridades centrais (Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.º 181/2011, de 12 de agosto, e artigo 2.º do Decreto do Presidente da República n.º 64/2008, de 12 de setembro).
              14.ª — O reconhecimento de poderes judiciais às comissões parlamentares de inquérito não produz efeitos na ordem jurídica internacional, não obstante tal atributo decorrer do artigo 178.º, n.º 5, da Constituição.
              15.ª — Como tal, não pode a Procuradoria-Geral da República opor no plano jurídico-internacional que se encontra obrigada a prestar às comissões parlamentares de inquérito coadjuvação semelhante à que deve prestar aos tribunais, por força do artigo 13.º, n.º 2, da Lei n.º 5/93, de 1 de março.
              16.ª — Se não é permitido a um Estado subtrair-se ao cumprimento de uma convenção internacional à qual se vinculou, objetando com norma ou princípio de direito interno (artigo 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969), de igual modo não pode invocar o direito interno para estender a aplicação de um instrumento de auxílio judiciário internacional em matéria penal aos inquéritos parlamentares ou a quaisquer outros meios de fiscalização política.
              17.ª — De resto, a própria Convenção da Cidade da Praia, de 23 de novembro de 2005, pretendeu, de modo claro e inequívoco, deixar à margem do seu âmbito toda e qualquer infração «de natureza política ou com ela conexa» [artigo 3.º, n.º 1, alínea a)].
              18.ª — Mas também o direito interno português circunscreveu a jurisdição das comissões parlamentares de inquérito ao território nacional, porquanto, a Lei n.º 5/93, de 1 de março, no seu artigo 16.º, n.º 6, remete a convocação para depor, segundo qualquer uma das formas previstas no Código de Processo Penal, a efetuar «para qualquer ponto do território». Não, por conseguinte, através de carta rogatória, para fora do território nacional.
              19.ª — Limitação que bate certo com a legitimidade democrática dos Deputados à Assembleia da República, eleitos pelo povo português, de tal sorte que apenas os estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal têm um dever geral de colaboração com a atividade parlamentar, ora por força da equiparação consignada pelo artigo 15.º, n.º 1, da Constituição, ora pela capacidade eleitoral ativa e passiva que o n.º 3 do mesmo artigo atribui aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal, nos termos da lei e em condições de reciprocidade.
              20.ª — E que bate certo, de igual modo, com o objeto da fiscalização política, em geral, e do inquérito parlamentar, em especial, cujo sentido e alcance se encontram indelevelmente vinculados ao povo português e não aos estrangeiros, pelo menos, aos que permaneçam fora de Portugal.
              21.ª — Pelas razões já expendidas, deve entender-se que um pedido de auxílio judiciário internacional em matéria penal, oriundo de um órgão da função política e legislativa do Estado, não preenche os requisitos mínimos de qualificação como ato processual.
              22.ª — É, como tal, juridicamente inexistente, o que significa não possuir sequer condições para ser inválido, encontrando-se as autoridades públicas eximidas de qualquer dever de lhes conceder sequência ou dar cumprimento.
              23.ª — E, por ser assim, a Procuradoria-Geral da República, apesar da função meramente instrumental que a Convenção da Cidade da Praia, de 23 de novembro de 2005, lhe confere como autoridade central, e não obstante a coadjuvação que lhe cumpre prestar às comissões parlamentares de inquérito, nos termos do artigo 13.º, n.º 2, da Lei n.º 5/93, de 1 de março, não pode expedir como cartas rogatórias nem sob outra forma de cooperação judiciária internacional, as convocações que lhe fez chegar a Assembleia da República, em 11‑09-2024, a fim de as autoridades judiciárias brasileiras notificarem dois cidadãos brasileiros para deporem num inquérito parlamentar.
              24.ª — Apenas o estreitamento das relações de cooperação interparlamentar, por via de tratados ou de acordos internacionais, constitui meio idóneo para conferir às investigações parlamentares o alcance extraterritorial que se mostre legítimo e necessário, num mundo em que a mobilidade das pessoas e da informação tanto produz dispersão, como concita o emprego facilitado de comunicações à distância, de som e imagem, em tempo real.
 
Texto Integral
N.º 27/2024
Proc.º 25/24
AF
 
 
 
                                                                   Senhora Conselheira
                                                                   Procuradora-Geral da República,

                                                                    Excelência,

 
 
 
 
Dignou-se Vossa Excelência submeter a este corpo consultivo um conjunto de questões relativas à coadjuvação a prestar pela Procuradoria-Geral da República, enquanto autoridade central de cooperação judiciária internacional em matéria penal, às comissões parlamentares de inquérito[1].
Questões suscitadas, em concreto, por ter a Comissão Parlamentar de Inquérito, constituída nos termos do Despacho n.º 18/XVI, de 9 de maio (Crianças Tratadas com o Medicamento Zolgensma no Serviço Nacional de Saúde), instado a Procuradoria-Geral da República a providenciar pelo auxílio das autoridades judiciárias da República Federativa do Brasil.
Cumpre-nos emitir parecer, com caráter de urgência, conforme determinação de Vossa Excelência, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do artigo 44.º e no n.º 2 do artigo 46.º do Estatuto do Ministério Público[2].
 
I.
É pedida à Procuradoria-Geral da República a expedição de cartas rogatórias ou o uso de outros meios de cooperação judiciária internacional, em matéria penal, de modo a notificar o Sr. Samir Assad Filho e a Sra. D. Juliana Durmond — presumimos que, ambos, brasileiros — a fim de prestarem depoimento perante a referida Comissão Parlamentar de Inquérito, presencialmente ou por meios telemáticos (de som e imagem, em direto, à distância).
A título principal, releva saber se à Procuradoria-Geral da República é lícito solicitar auxílio judiciário às autoridades da República Federativa do Brasil para convocar como testemunhas dois cidadãos brasileiros, não para deporem perante autoridade judiciária, num concreto processo de natureza judicial, mas para responderem às perguntas que os Senhores Deputados queiram formular, de modo a carrear informação considerada útil ao Inquérito Parlamentar n.º 4/XVI/1.ª

Sem prejuízo dos poderes de investigação próprios das comissões parlamentares de inquérito serem aferidos pelos poderes de investigação das autoridades judiciais (n.º 5 do artigo 178.º da Constituição[3]), cumpre ao Ministério Público prestar-lhes coadjuvação, nos termos do n.º 2 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares[4], ao que acresce competirem à Procuradoria-Geral da República as funções de autoridade central para a cooperação judiciária em matéria penal, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal[5] e da alínea a) do n.º 2 do artigo 54.º do Estatuto do Ministério Público[6].

Como melhor se verá, decorre do teor dos ofícios veiculados pelo Senhor Chefe do Gabinete de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, em 11-09-2024, ser invocada a coadjuvação prevista no citado preceito legal e, por outro lado, a menção ao artigo 16.º, do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, tem em vista, certamente, o n.º 6, em cujo teor se remete para o Código de Processo Penal[7] a forma das convocatórias.
Daí, por conseguinte, a razão de ser da cooperação judiciária internacional em matéria penal.
A consulta sugerida pelo Gabinete de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República[8], em articulação com a Exma. Senhora Diretora do Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais, especifica as questões que passamos a transcrever:
              «i. Atentas a natureza e a finalidade das comissões parlamentares de inquérito, podem, no âmbito de inquéritos parlamentares, ser expedidos pedidos de auxílio de cooperação internacional, concretamente com vista à notificação para comparecer em audição na comissão parlamentar?
              ii. Para efeitos de cooperação judiciária internacional, os inquéritos parlamentares podem ser equiparados a processos penais?
              iii. Em caso de resposta afirmativa às questões anteriores, quem tem a competência para emitir pedidos de auxílio de cooperação internacional nestas circunstâncias?
              iv. Concluindo-se pela competência da comissão parlamentar de inquérito para emitir pedidos de auxílio de cooperação internacional, à luz do artigo 178.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, conjugado com as demais normas aplicáveis, pode a Procuradoria-geral da República, na qualidade de autoridade central para a cooperação judiciária em matéria penal, transmiti-los às autoridades competentes rogadas e com que fundamento legal?»
 
 
II.
Começaremos por reproduzir integralmente as solicitações oriundas da referida Comissão Parlamentar de Inquérito e transmitidas à Procuradoria-Geral da República pelo Senhor Chefe do Gabinete de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República.
Assim, relativamente ao Sr. Samir Assad Filho[9], pode ler-se o seguinte:
              «A Comissão Parlamentar de Inquérito — Gémeas Tratadas com o Medicamento Zolgensma, constituída ao abrigo do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, e pelo Despacho n.º 18/XVI, publicado no Diário da Assembleia da República, 2.ª Série – E, n.º 6, de 9 de maio de 2024 (…), deliberou convocar Samir Assad Filho, na qualidade de pai das gémeas Lorena Martins Assad e Maité Martins Assad, para uma audição (presencial ou por videoconferência) a fim de proceder ao depoimento sobre factos relativos ao inquérito melhor identificado no referido despacho, ao abrigo do artigo 16.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares.
              Apesar [de a] convocatória ter sido enviada para diversas moradas e endereços eletrónicos, até ao momento, não obteve a Comissão Parlamentar de Inquérito qualquer resposta.
              Assim, ao abrigo do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, solicita a Vossa Excelência se digne requerer a intervenção dos serviços judiciários do Estado Brasileiro, para convocar Samir Assad Filho para a aludida audição, nomeadamente, por meio de carta rogatória, ou outro, considerado adequado, para o dia 25 de outubro, às 15h00 (hora de Portugal) ou para o dia 29 de outubro, às 14h00 (hora de Portugal).
              […]
              Palácio de São Bento, 11 de setembro de 2024».
Por seu turno, a solicitação relativa à Sra. D. Juliana Durmond[10] tem o seguinte teor:
              «A Comissão Parlamentar de Inquérito — Gémeas Tratadas com o Medicamento Zolgensma, constituída ao abrigo do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, e pelo Despacho n.º 18/XVI, publicado no Diário da Assembleia da República, 2.ª Série – E, n.º 6, de 9 de maio de 2024 (…), deliberou convocar a Senhora Dra. Juliana Durmond, para uma audição (presencial ou por videoconferência) a fim de proceder ao depoimento sobre factos relativos ao inquérito melhor identificado no referido despacho, ao abrigo do artigo 16.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, considerando que o seu nome consta de um e-mail a que a Comissão Parlamentar de Inquérito teve acesso, tendo a Senhora Dra. Juliana Durmond recebido e reencaminhado informação considerada relevante pela Comissão para o apuramento dos factos objeto do presente inquérito.
              Apesar [de a] convocatória ter sido enviada para um endereço eletrónico que lhe é atribuído e o único que se conhece, até ao momento, não obteve a Comissão qualquer resposta.
              Assim, ao abrigo do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, solicita a Vossa Excelência se digne requerer a intervenção dos serviços judiciários do Estado Brasileiro, para convocar Juliana Durmond para a aludida audição, nomeadamente, por meio de carta rogatória, ou outro, considerado adequado, para o dia 18 de outubro, às 17h00 (hora de Portugal) ou para o dia 29 de outubro, às 17h00 (hora de Portugal).
              […]
              Palácio de São Bento, 11 de setembro de 2024».
             
 
III.

III.1. Uma vez que o n.º 1 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares reconhece às comissões parlamentares de inquérito todos os poderes de investigação das autoridades judiciais que não se encontrem constitucionalmente reservados aos tribunais, e que, como dissemos, o n.º 6 do artigo 16.º devolve ao Código de Processo Penal a forma dos atos de notificação, terá a Comissão Parlamentar de Inquérito entendido que tal condição se estende à cooperação judiciária em matéria penal entre Portugal e o Brasil.
A remissão para o Código de Processo Penal afasta a eventual aplicação da Convenção da Haia sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, de 18 de março de 1970[11], e cuja autoridade central é a Direção-Geral da Administração da Justiça[12].
III.2. A respeito da notificação de atos processuais, dispõe-se no Código de Processo Penal o seguinte:
«Artigo 111.º

Comunicação dos atos processuais
              1 — A comunicação dos atos processuais destina-se a transmitir:
              a) Uma ordem de comparência perante os serviços de justiça;
              b) Uma convocação para participar em diligência processual;
              c) O conteúdo de ato realizado ou de despacho proferido no processo.
              2 — A comunicação é feita pela secretaria, oficiosamente ou precedendo despacho da autoridade judiciária ou de polícia criminal competente, e é executada pelo funcionário de justiça que tiver o processo a seu cargo, ou por agente policial, administrativo ou pertencente ao serviço postal que for designado para o efeito e se encontrar devidamente credenciado.
              3 — A comunicação entre serviços de justiça e entre as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal efetua-se mediante:
              a) Mandado: quando se determinar a prática de ato processual a entidade com um âmbito de funções situado dentro dos limites da competência territorial da entidade que proferir a ordem;
              b) Carta: quando se tratar de ato a praticar fora daqueles limites, denominando-se precatória quando a prática do ato em causa se contiver dentro dos limites do território nacional e rogatória havendo que concretizar-se no estrangeiro;
              c) Ofício, aviso, carta, telegrama, telex, telecópia, comunicação telefónica, correio eletrónico ou qualquer outro meio de telecomunicações: quando estiver em causa um pedido de notificação ou qualquer outro tipo de transmissão de mensagens.
              4 — A comunicação telefónica é sempre seguida de confirmação por qualquer meio escrito.»

Como tal, a notificação aos dois indivíduos para deporem [alínea a) do n.º 1] por se tratar de ato a praticar em território estrangeiro, deve tomar a forma de carta rogatória [alínea b) do n.º 3).
Por seu turno, ainda de acordo com o Código de Processo Penal, o Ministério Público desempenha um papel central na tramitação das cartas rogatórias, mesmo na falta de convenção internacional aplicável que designe a Procuradoria-Geral da República para o efeito:
«Artigo 230.º

Rogatórias ao estrangeiro
              1 — Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, as rogatórias às autoridades estrangeiras são entregues ao Ministério Público para expedição.
              2 — As rogatórias às autoridades estrangeiras só são passadas quando a autoridade judiciária competente entender que são necessárias à prova de algum facto essencial para a acusação ou para a defesa.»

As funções do Ministério Público na cooperação judiciária internacional, em matéria penal, não obedecem, porém, a um modelo uniforme.
Assim, a generalidade dos tratados e acordos internacionais, neste domínio, obrigam as Partes Contratantes a designar uma autoridade central. Recorrentemente, tem Portugal designado a Procuradoria-Geral da República (PGR) ou tem o Ministro da Justiça delegado poderes, para esse efeito, na PGR.
No entanto, se, em alguns casos, a prestação de auxílio judiciário em matéria penal tem lugar, necessariamente, através das autoridades centrais[13], em outras convenções internacionais, permite-se uma relação direta entre as autoridades judiciárias do Estado requerente e as do Estado requerido.
Neste caso, o mecanismo mais aperfeiçoado é, provavelmente o das relações luso-espanholas, pois combinam-se os instrumentos em uso no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça Europeu[14] — o mandado de detenção europeu[15], a decisão europeia de investigação[16], a decisão europeia de proteção[17] ou a decisão de apreensão para efeitos de recolha de elementos de prova ou de subsequente perda de bens no âmbito de um processo penal[18] — com o Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha Relativo à Cooperação Judiciária em Matéria Penal e Civil, assinado em Madrid a 19 de novembro de 1997[19].
Com efeito, no Decreto n.º 14/98, de 27 de maio, que aprovou o referido acordo luso-espanhol, pode ler-se:
«Artigo 3.º

              1 — As autoridades judiciárias dos tribunais fronteiriços comunicam diretamente entre si os pedidos de entreajuda ou auxílio judiciário em matéria civil e penal, sem prejuízo, sempre que necessário, da utilização das vias de transmissão previstas nas convenções em vigor entre ambas as Partes.
              2 — Entende-se por «tribunais fronteiriços» os tribunais de ambos os Estados cujas áreas de jurisdição correspondam a circunscrições entre si geograficamente contíguas ou vizinhas.
              3 — Os dois Estados adotarão uma listagem contendo os respetivos tribunais fronteiriços entre si associados para efeitos do presente Acordo. A referida listagem deve manter-se sempre atualizada.»
Não é este modelo aquele que caracteriza as relações de auxílio judiciário mútuo, em matéria penal, entre Portugal e o Brasil, mas, como veremos, também não é o modelo oposto, de intervenção necessária das autoridades centrais.

III.3. Partiremos do princípio de que os Senhores Samir Assad Filho e Juliana Durmond são ambos cidadãos brasileiros e residem habitualmente em território brasileiro, pois, a serem portugueses, provavelmente, teriam sido requisitados os préstimos da rede consular portuguesa na República Federativa do Brasil.
O direito brasileiro mostra-se particularmente avesso à dupla nacionalidade dos seus próprios cidadãos, i.e. à aquisição por brasileiros de outra nacionalidade. Por via de regra, a aquisição voluntária de uma nacionalidade estrangeira implica renunciar à cidadania brasileira (artigo 12, §4-11, da Constituição de 1988[20]).
Por seu turno, o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Porto Seguro em 22 de Abril de 2000[21], conquanto estabeleça um princípio geral de igualdade de direitos e deveres entre portugueses e brasileiros[22], circunscreve esse estatuto aos portugueses no Brasil e aos brasileiros em Portugal (artigo 12.º).
Como tal, ainda que o Sr. Samir Assad Filho ou a Sra. D. Juliana Durmond possam ter requerido e obtido o estatuto de igualdade, na condição de terem residência habitual em Portugal (artigo 15.º) não se encontram adstritos aos deveres próprios dos cidadãos portugueses, quando se encontrem no território brasileiro.
De acordo com o artigo 18.º, a serem beneficiários do estatuto luso‑brasileiro, ficam sujeitos à lei penal portuguesa nas mesmas condições que os portugueses e não estão sujeitos a extradição, senão para o Brasil, mas tal não importa que se lhes aplique o Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, pelo menos, quando se encontrem em território brasileiro.
Ademais, a atribuição do estatuto de igualdade caduca por efeito do regresso ao território da nacionalidade (artigo 16.º).

 
IV.

IV.1. Sobre a natureza jurídica das comissões parlamentares de inquérito, poderes de investigação que lhes assistem e a coadjuvação a prestar pelas autoridades judiciárias pronunciou-se este corpo consultivo em diversas ocasiões[23].
Muito recentemente, este Conselho emitiu o Parecer n.º 23/2024, de 5 de setembro[24], homologado por despacho de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, de 7 de setembro de 2024, versando os poderes de intimação para prestar informações e facultar o acesso a documentos, tal como se encontram previstos nos n.os. 3 e 4 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares.
Ali se concluiu que o inquérito parlamentar, constituindo uma investigação praticada no exercício da função política do Estado, não partilha da natureza jurídica do inquérito penal, nem manifesta um exercício da ação penal, reservada esta, nos termos do n.º 1 do artigo 219.º da Constituição, ao Ministério Público.
O inquérito penal resulta da notícia de um crime [alínea a) do artigo 1.º e n.º 2 do artigo 262.º do Código de Processo Penal] e é a relevância criminal dos factos noticiados que o justificam e o conformam, como conformarão, mais tarde, a acusação pelo Ministério Público (artigo 283.º) ou pelo assistente (artigo 285.º), a menos que o inquérito seja arquivado: caso o Ministério Público já tenha «recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento» (n.º 1 do artigo 277.º) ou se não lhe tiver sido possível «obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes» (n.º 2).
Assim, de acordo com o n.º 1 do artigo 262.º, o inquérito penal «compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação».
Já o inquérito parlamentar constitui uma averiguação política e que recai sobre os atos do Governo e da Administração (n.º 1 do artigo 1.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares[25]) e cujo objeto se entenda constituir matéria de interesse público relevante para o exercício das atribuições da Assembleia da República (n.º 2), independentemente de indiciarem factos criminalmente relevantes, ou não.
A descoberta da verdade pelo inquérito parlamentar só se justifica até ao ponto de fazer desencadear os mecanismos de responsabilidade política — em grande medida por imputação objetiva, i.e. independentemente de atuação culposa — considerando que o Governo depende da confiança política, que a Assembleia da República não lhe recusou, ao abster-se de rejeitar o seu programa por maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções (n.º 4 do artigo 192.º da Constituição), nem lhe retirou enquanto não votar uma moção de confiança ou de censura sobre a execução do mesmo programa ou sobre assunto relevante de interesse nacional (artigo 193.º e n.º 1 do artigo 194.º, respetivamente).
Direta ou reflexamente, o inquérito parlamentar pode levar à demissão do Governo, se dele vier a resultar a rejeição de uma moção de confiança ou a aprovação, por maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções, de uma moção de censura [alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 195.º].
O que do inquérito parlamentar não pode jamais resultar é uma acusação penal[26], formulada pela Assembleia da República, muito menos, uma sentença de absolvição ou de condenação.
E, ainda que a Assembleia da República, em vista do relatório final do inquérito parlamentar, considere haver motivo para participar determinados factos, por poderem indiciar a prática de um crime, nada dispensa a abertura, pelo Ministério Público, de um inquérito penal, a menos que já se encontre aberto.
Quer isto dizer que a responsabilidade ativada pelos inquéritos parlamentares é apenas de ordem política, «podendo influenciar o comportamento de vários atores do sistema político, a começar pelos eleitores», o que não impede que da atividade das comissões eventuais de inquérito e dos seus relatórios resulte «a indiciação de factos criminal ou disciplinarmente relevantes, a transmitir, para os devidos efeitos, às autoridades judiciárias ou aos superiores hierárquicos e a outros órgãos com poder disciplinar» (Parecer n.º 33/2018, de 19 de outubro[27]).
O inquérito parlamentar, como se expôs desenvolvidamente no já citado Parecer n.º 23/2024, de 5 de setembro, constitui um instrumento de fiscalização política, usado estritamente por titulares de cargos políticos (os Deputados) sobre outros titulares de cargos políticos e que respondem perante a Assembleia da República (os membros do Governo).
Por isso, as sanções que possa vir a desencadear operam somente ao nível da relação de confiança política, da qual é credora a Assembleia da República, nunca podendo culminar na aplicação de sanções privativas da liberdade, de multas ou de outras sanções aflitivas.
IV.2. Contudo, inquérito parlamentar e inquérito penal não são, nem poderiam ser, indiferentes um ao outro.
Os factos averiguados num inquérito parlamentar podem encontrar-se sob investigação criminal e é por isso que o Presidente da Assembleia da República, em cumprimento do n.º 1 do artigo 5.º do Regime Jurídicos dos Inquéritos Parlamentares, comunica sempre ao Procurador-Geral da República «o conteúdo da resolução ou a parte dispositiva do requerimento que determine a realização de um inquérito».
E, por seu turno, compete ao Procurador-Geral da República, em resposta, informar a Assembleia da República «se com base nos mesmos factos se encontra em curso algum processo criminal e em que fase» (n.º 2).
A existir processo criminal em curso, a Assembleia da República pode deliberar a suspensão do inquérito parlamentar até transitar a sentença ou o acórdão que lhe puser termo final (n.º 3).
Ainda que o inquérito penal venha a ser arquivado ou que a decisão do tribunal seja absolutória, nada impede a Assembleia da República de prosseguir com a averiguação empreendida no inquérito parlamentar, de ativar os meios de responsabilidade política e as consequências que dela possam resultar.
IV.3. Ao contrário do que ocorre no processo penal, nem o inquérito parlamentar, nem as suas conclusões, têm de assentar, exclusiva ou sequer principalmente, num juízo de legalidade.
Por isso, o artigo 162.º, alínea a), da Constituição, distingue a função de vigilância pelo cumprimento da Constituição e da lei, por um lado, e a apreciação dos atos do Governo e da Administração Pública, por outro[28].
A responsabilidade política não obedece a um estrito parâmetro jurídico e a apreciação dos atos praticados ou indevidamente deixados de praticar pelo Governo deve estender-se ao mérito e à conveniência, como também pode concitar um juízo moral sobre a conduta dos titulares de cargos políticos ou dos titulares de outros cargos públicos que se encontrem sob a sua dependência hierárquica e funcional.
Faz notar PEDRO LOMBA[29], com inteira pertinência, que «a generalidade das hipóteses de responsabilidade política não acarreta para o sujeito politicamente responsável qualquer obrigação reparadora ou restituidora (-)», pois[30] «o que se sanciona com a responsabilidade política é a conduta reprovável de um sujeito titular de cargos políticos, da qual podem nascer ou não resultados ou prejuízos fácticos».
O juízo moral[31], esse é formulado segundo um código de referências cívicas ou políticas — não escrito, por regra, sem prejuízo de algumas convenções que o tempo permita consolidar[32] — mas que deve possuir arrimo na ordem constitucional de valores. Por vezes, como nota também PEDRO LOMBA[33], o que se discute ao nível da responsabilidade política, principalmente se estiver em causa a responsabilidade individual, é se o titular dá provas de possuir condições morais para continuar a exercer o cargo político.
Em todo o caso, a responsabilidade política não tem de se esgotar em juízos morais e a culpa do agente político é, em não poucas ocasiões, remota ou até mesmo inexistente.
Com efeito, o ato politicamente reprovável pode até mostrar-se axiologicamente neutro ou eticamente irrepreensível.
Pode ter resultado, simplesmente, de um erro de cálculo ou de uma ocorrência imprevisível, mas que o governante não podia ou não devia ter excluído na sua representação da ordem dos eventos. Pode tratar-se, simplesmente, de um ato inoportuno ou inconveniente. Algo que só pode ser sindicado por órgãos políticos, de acordo com uma determinada visão do interesse geral e uma determinada leitura das circunstâncias.
Eis porque a responsabilidade política se exerce no quadro parlamentar e não nos tribunais, como observam JOSÉ DE MATOS CORREIA/ RICARDO LEITE PINTO[34]: «Os procedimentos que exercitam a responsabilidade política decorrem da Constituição e são próprios do Direito Constitucional, não se assimilando aos procedimentos penais ou administrativos».
IV.4. Seja-nos permitido insistir, no entanto, em que não há dúvidas acerca das linhas tangenciais que se descortinam entre a investigação política e a investigação criminal.
Havendo factos relevantes comuns, para uma e para outra, e sendo determinados sujeitos do processo penal, não raro, chamados a depor perante uma comissão parlamentar de inquérito, é natural que despertem pontos de tensão.
De resto, a própria matriz da responsabilidade parlamentar, nascida em Inglaterra com a Revolução Gloriosa de 1688 e progressivamente consolidada a partir de 1714, com a sucessão de monarcas germânicos na Coroa[35], dimanou da responsabilidade penal: de modo a evitar uma acusação por crime de alta traição, os ministros demitem-se, reconhecendo terem prestado mau conselho à Coroa[36], cujos atos referendam, assumindo a responsabilidade do Rei. Tornando-se passíveis de impeachment, subtraem-se, deste modo, a um julgamento parlamentar severo, fazendo nascer da demissão voluntária por perda de confiança parlamentar um instrumento de renovação política e uma forma de expiação pessoal, como explica PAULO RANGEL[37]:
              «No Act of Settlement dispunha-se expressamente que as questões que implicavam o exercício da royal prerrogative só podiam ser discutidas no seio do Privy Council e que todas as decisões tinham de ser assinadas pelos membros presentes. Era justamente esta disposição que facultava a ativação do procedimento de impeachment (-). A circunstância de exigir a assinatura de todos os membros deliberantes apontava já para uma responsabilidade colegial do Governo, embora essa exigência tenha sido revogada pelo Succession to the Crown Act de 1707, para permitir a reunião de um grupo restrito de membros (que formariam o que mais tarde seria o Cabinet propriamente dito). O impeachment, que já se transformara do velho libelo penal num instrumento de cariz “político-penal”, há de converter-se num verdadeiro mecanismo de controlo político. (…) A verdade é que, bem antes destes desenvolvimentos, a simples ameaça de impeachment contribuiu para que muitos oficiais públicos se demitissem de funções “por sua iniciativa” ante a perspetiva de um voto desfavorável, o que naturalmente cerziu e sedimentou laços de responsabilidade política(X)
É, igualmente, a história do constitucionalismo britânico a explicar por que motivo as comissões parlamentares de inquérito, em lugar de serem investidas de poderes administrativos de autoridade (v.g. privilège du préalable) antes viram ser-lhes comummente atribuídos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, como sucedeu, entre nós, por via do n.º 5 do artigo 178.º da Constituição[38]: «As comissões parlamentares de inquérito gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais».
Num sistema administrativo de tipo judiciário, como é o sistema inglês, de nada serviria conferir a órgãos parlamentares poderes de autoridade análogos aos da administração pública, simplesmente porque os órgãos administrativos os não possuem[39]. A execução de atos ablativos, nomeadamente a aplicação de sanções, depende de autorização ou confirmação judicial.
Faz-nos ver MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO[40] que o próprio conceito de direito administrativo ainda era algo estranho aos ingleses no primeiro quartel do século XX, nomeadamente pela voz do célebre constitucionalista A. DICEY, o qual «afirmava o desconhecimento, pelo direito inglês, de um direito próprio de um sistema administrativo de tipo executivo existente em praticamente todos os países da Europa continental», com a função de regular «a posição e responsabilidade dos agentes e funcionários do Estado, a posição dos particulares nas suas relações com estes agentes e funcionários e o procedimento através do qual tais posições são executadas».
O contempt of Parliament — termo usado para designar um ato ou a sua omissão que possam impedir ou entravar a atividade parlamentar[41] — justifica o poder da Câmara dos Comuns ou da Câmara dos Lordes — como também dos parlamentos da Austrália, do Canadá, da India, do Paquistão ou da Nova Zelândia — de punirem os infratores, sem recurso aos tribunais e de acordo com um precedente aceite pelos tribunais.
Um poder que remonta ao tempo em que His Majesty’s Parliament e His Majesty’s Courts se reuniam conjuntamente, num sincretismo que perdurou nas funções jurisdicionais que a Câmara dos Lordes desempenhou até 2009[42] como tribunal supremo de apelação[43].
A criminalização dos atos ou omissões que prejudiquem o bom desempenho do Parlamento, imputados aos membros do executivo — os quais conservam o seu lugar como pares ou deputados comuns — estendeu-se à generalidade dos súbditos[44], nomeadamente em caso de desrespeito à autoridade das comissões parlamentares, assim equiparada à autoridade de um tribunal[45].
O contempt of Parliament é, assim, equivalente ao contempt to the court[46].
A influência britânica no direito parlamentar português é visível nos nossos publicistas do século XIX e até no debate político travado nas Cortes[47].
Mais tarde, no século XX, seriam o paradigma norte-americano, a sua difusão no Brasil, mas, principalmente, as constituições italiana e alemã, de 1947 e de 1949, respetivamente, a inspirarem, entre nós, alguma “formatação judicial” das comissões parlamentares de inquérito.
Vale isto por dizer que o privilégio judicial de autoridade reconhecido à investigação parlamentar surge por atribuição e não por natureza das funções de controlo político.
De outro modo, contra a lógica da divisão de poderes, a Assembleia da República teria de valer-se sistematicamente de um mandado judicial para reunir informações ou tomar depoimentos, pois da sua natureza própria e da legitimidade que assiste aos seus membros, só decorrem a função legislativa e a função política stricto sensu.
Assim, explica NUNO PIÇARRA[48] que, «ao atribuir às CPI “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, o artigo 178.º, n.º 5, não pretendeu assimilá-las aos tribunais», mas sim «conferir ao instituto a máxima eficácia e eficiência possíveis», de tal sorte «que um inquérito parlamentar não seja inviabilizado pela falta de colaboração de terceiros, tratando-se de comparecer, prestar depoimento ou transmitir informações e documentos a uma CPI, sem prejuízo das sanções penais que, por isso mesmo, venham a ser jurisdicionalmente aplicadas a posteriori aos faltosos, nos termos da lei.»
IV.5. É este, pois, o sentido primordial do n.º 1 do artigo 13.º do Regime Jurídicos dos Inquéritos Parlamentares, ao dispor que as comissões parlamentares de inquérito «gozam dos poderes de investigação das autoridades judiciais que a estas não estejam constitucionalmente reservados» e que, como tal, têm direito «à coadjuvação das autoridades judiciárias, dos órgãos da polícia criminal e das autoridades administrativas, nos mesmos termos que os tribunais» (n.º 2).
Gozam de poderes de investigação, próprios do juiz, mas que exercem no limite da compatibilidade da sua natureza com o modo de atuação judicial, com o direito adjetivo, como se concluiu no Parecer n.º 23/2024, de 5 de setembro.
Algo que a Constituição Italiana de 1947 exprime de modo particularmente eloquente no trecho final do artigo 82:

              «[…] A comissão de inquérito procede às indagações e aos exames com os mesmos poderes e as mesmas limitações da autoridade judicial[49].»

Insistimos, contudo, em que a equiparação dos poderes de investigação parlamentar aos poderes de investigação do juiz não faz das comissões parlamentares de inquérito tribunais, nem sequer participantes na função jurisdicional do Estado, o que nos permite antecipar as primeiras objeções ao seu lugar na cooperação internacional judiciária.  
Como se afirmou, claramente, no Parecer n.º 4/2015, de 5 de março[50], não cabem nos poderes daquelas comissões nem a investigação penal, nem a conformação de direitos subjetivos, nem a detenção para interrogatórios, nem a entrada no domicílio ou qualquer forma de ingerência em comunicações privadas, tão-pouco «exercer quaisquer poderes de julgamento».
Por seu turno, a coadjuvação não representa um alargamento dos poderes de investigação das comissões parlamentares de inquérito[51]. Ela constitui um alargamento da competência subjetiva sem necessidade de delegação poderes[52].
V.
V.1. O inquérito parlamentar não pode, de modo algum, ser considerado um processo penal, com o sentido de «declaração do direito do caso através de uma decisão suscetível de transitar em julgado», como «última palavra sobre a concretização do jus puniendi do Estado (-), decidindo de forma independente sobre um tema que exogenamente lhes é apresentado (-)», nas palavras de PAULO DÁ MESQUITA[53] que o carateriza[54] como um «procedimento que se baseia num desdobramento funcional em que o ius puniendi implica a par da jurisdição a ação (‑)».
A atividade do tribunal e dos demais sujeitos processuais, mormente do Ministério Público, vista diacronicamente, consiste «numa prática sequencial e institucionalizada (processual ou jurisdicional) de atos que, desde o seu início ao seu termo, desenvolvem o tema em discussão no caso em apreço (com a formulação do pedido e das respostas por quem tem legitimidade para tanto), definem os pressupostos para prosseguir a tramitação, apuram os factos que são alegados através da produção da prova, conhecem do direito relativamente aos factos apurados, com a decisão final do processo e, até, executam esta última de acordo com as características e a estrutura da mesma decisão» (NUNO COELHO[55]).
Pelo contrário, o inquérito parlamentar não dá lugar, nem compreende na sua marcha nenhuma decisão mais do que interlocutória[56]. Encontra-se ordenado à conclusão de um relatório que nada tem de jurisdicional, pois não visa assegurar, em definitivo, a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não cuida de reprimir a violação da legalidade democrática, nem se destina a dirimir conflitos de interesses públicos e privados (n.º 2 do artigo 202.º da Constituição).
V.2. Relatório que, nos termos do artigo 235.º do Regimento da Assembleia da República, deve ser apresentado no prazo fixado pelo Plenário, sem o que «a comissão parlamentar deve justificar a falta e solicitar a prorrogação do prazo, nos termos e limites previstos na lei.»
O Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares define a função do relatório e fixa-lhe um regime próprio de apreciação pelo Plenário:
«Artigo 20.º

Relatório
              1 — O relatório final refere, obrigatoriamente:
              a) O objeto do inquérito;
              b) O questionário, se o houver;
              c) Uma nota técnica elencando sumariamente as diligências efetuadas pela comissão;
              d) As conclusões do inquérito, aprovadas com base no projeto de relatório ou nas propostas alternativas apresentadas, contendo cada uma delas o respetivo fundamento sucintamente formulado;
              e) As eventuais recomendações;
              f) O sentido de voto de cada membro da comissão, assim como as declarações de voto entregues por escrito;
              g) As propostas que não tenham sido incorporadas na sua versão final, com a indicação dos seus proponentes.
              2 — Em caso de coletivo de relatores, é elaborado um único relatório final, o qual deve integrar, em anexo, os conteúdos por estes apresentados que não tenham merecido consenso nem tenham sido objeto de consideração nas conclusões finais, sem prejuízo da faculdade de cada relator juntar declaração de voto ao relatório final.
              3 — As conclusões referidas na alínea d) do n.º 1, bem como as eventuais recomendações referidas na alínea e) do mesmo número, se o relatório as contiver, são numeradas e votadas individualmente e em separado.
              4 — Face ao conteúdo final do relatório, apurado de acordo com a votação referida no número anterior, cabe ao relator confirmar ou renunciar a essa condição.
              5 — Em caso de renúncia do relator, a comissão pode indicar um substituto para efeitos de apresentação do relatório em Plenário.
              6 — O relatório e as declarações de voto são publicados no Diário da Assembleia da República.»

Vale a pena observar, ainda, que o Relatório votado pela comissão parlamentar de inquérito não é sequer objeto de votação no Plenário (n.º 8 do artigo 21.º).
Com efeito, até 30 dias após a publicação do relatório e das eventuais declarações de voto apensas, o Presidente da Assembleia da República inclui a sua apreciação na ordem do dia (n.º 1 do artigo 21.º), assim como do projeto de resolução que a comissão parlamentar de inquérito eventualmente apresente (n.º 2).
É aberto um debate «introduzido por uma breve exposição do presidente da comissão e do relator ou do representante do coletivo de relatores designados», o qual «obedece a uma grelha de tempo própria fixada pelo Presidente da Assembleia da República, ouvida a Conferência de Líderes» (n.º 4), dispondo cada grupo parlamentar, sem prejuízo dos tempos de discussão, de três minutos para apresentar as suas declarações de voto (n.º 5).
O Plenário pode deliberar sobre a publicação integral ou parcial das atas da comissão (n.º 6), respeitando o sigilo a que podem encontrar-se sujeitas (n.os 2 e 3 do artigo 15.º) e, por fim, «juntamente com o relatório, o Plenário aprecia os projetos de resolução que lhe sejam apresentados» (n.º 7 do artigo 21.º).
V.3. As diferenças são notórias, de igual modo, ao nível teleológico e funcional.
Nas palavras de JORGE FIGUEIREDO DIAS[57], «poderemos ver o fim do processo penal em obstar à insegurança do direito que necessariamente existe “antes” e “fora” daquele (-), declarando o direito do caso concreto, i.e. definindo o que para este caso é, hoje e aqui, justo».
Logo acrescentando: «O processo penal, longe de servir apenas o exercício de direitos assegurados pelo direito penal, visa a comprovação e realização, a definição e declaração do direito do caso concreto, hic et nunc válido e aplicável».
O processo penal «serve para a aplicação da lei penal aos casos concretos, tendo, por isso, (…) um valor instrumental bem preciso: que nenhum responsável passe sem punição (impunitum non relinqui facinus) nem nenhum inocente seja condenado (innocentum non condennari)» (GERMANO MARQUES DA SILVA[58]).
Do ponto de vista dos seus fins últimos, o processo penal propõe-se realizar a justiça, o que pressupõe a descoberta da verdade, e restabelecer a paz jurídica[59].
Mas, porque a realização da justiça não constitui um fim absoluto, «a verdade pode ser sacrificada por razões de segurança (v.g. pelo instituto do caso julgado) e só pode ser procurada de modo processualmente válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se veem envolvidas(X)».
De certo modo, o inquérito parlamentar encontra-se mais próximo do procedimento disciplinar, instaurado pela violação de deveres funcionais genéricos — sem querermos com esta afirmação legitimar qualquer analogia juridicamente válida.
Com efeito, o inquérito parlamentar não conta à partida com a previsão típica de infrações[60].
Como se viu, o parâmetro de aferição dos atos do Governo e da Administração Pública não se circunscreve à lei, antes compreende critérios morais, como pode estender-se a padrões técnicos ou científicos com que são julgados os meios e os resultados da governação.
Pelo contrário, não há processo penal sem crime, entendido, para este efeito, como «o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais» [alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código de Processo Penal].
Ou, seguindo de perto LUÍS LEMOS TRIUNFANTE[61], para efeitos formalmente penais, como ação típica, ilícita, culposa e punível ou para efeitos penais substantivos «como conduta humana que afeta de modo particularmente grave bens jurídicos essenciais à subsistência da comunidade».
Numa outra perspetiva, a ilicitude penal material manifesta-se na rutura de uma relação ontoantropológica de cuidado/perigo, motivo por que, nas palavras de JOSÉ DE FARIA COSTA[62], «a comunidade politicamente organizada só se sente na necessidade de intervir penalmente quando a repercussão socialmente relevante — que varia, é óbvio, conforme os momentos históricos — do rompimento da relação de cuidado-perigo é tida como insustentável».
V.4. Visto, ainda, de um outro ângulo, não menos importante, o inquérito parlamentar, para que pudesse ser reconhecido como processo penal, haveria de se conformar com as garantias enunciadas pelo artigo 32.º da Constituição:

              a) De audiência e defesa (n.º 1 e n.º 10);
              b) De recurso, pelo menos, da decisão punitiva (n.º 1);
              c) De presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (n.º 2);
              d) De assistência por defensor, obrigatória em certos atos (n.º 3);
              e) De intervenção reservada ao juiz sempre que se mostrem necessárias ingerências restritivas em direitos fundamentais, pelo menos, ao longo da instrução (n.º 4);
              f) De estrutura acusatória, inculcando a separação entre quem investiga e acusa, por um lado, e quem condena ou absolve, por outro (n.º 5);
              g) De contraditório na audiência de julgamento e nos atos instrutórios que a lei especificar (n.º 5);
              h) De presença do arguido, por regra (n.º 6);
              i) De intervenção do ofendido, se o houver (n.º 7);
              j) De invalidação das provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações (n.º 8);
              k) De inderrogabilidade da competência do tribunal designado por lei anterior (n.º 9).

Ora, o inquérito parlamentar não se encontra configurado por tais garantias. Pelo contrário, assenta numa matriz inquisitória que lhe permite ampliar ou reduzir o seu próprio objeto, segundo o critério da maioria parlamentar ou dos Deputados investidos de um poder potestativo[63]. Assenta numa indistinção estatutária entre sujeitos chamados a responder politicamente, a depor ou a prestar informações, sem que possa discernir-se, sequer, quem é o arguido[64]. E porque permanece à margem de um controlo externo de legalidade, pode ignorar as invalidades do procedimento que a maioria da comissão desconsidere.
V.5. Por último, o inquérito parlamentar é expressão da função política do Estado, ao invés do processo penal, que decorre do exercício da função jurisdicional — do seu núcleo, diríamos até.
Função política, aqui entendida em sentido estrito[65], como iniciativa ou prática de atos não normativos que, nos limites da Constituição e da lei, imprimem vigor às relações de solidariedade e controlo próprias dos sistemas de governo das pessoas coletivas públicas de população e território (Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais), à exceção, por natureza, dos tribunais, posto que, embora independentes, se encontram sujeitos apenas à lei (artigo 203.º).
Função jurisdicional que, nas palavras de PAULO OTERO[66] «se traduz na atividade jurídica desenvolvida pelos tribunais que, sob impulso ou iniciativa externa, se consubstancia na resolução definitiva de uma questão controvertida de Direito e que, tendo sempre em vista a prossecução da justiça, visa alcançar a paz jurídica».
Aliás, constitui a única função do Estado com exata correspondência orgânica, pois encontra-se reservada aos tribunais. Reserva, pelo menos, da última palavra.
Ainda que a primeira palavra possa competir a órgãos administrativos ou arbitrais, não é esse o caso da justiça penal, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Código de Processo Penal: «Os tribunais judiciais administram a justiça penal de acordo com a lei e o direito.»
Ao passo que a função política stricto sensu se caracteriza pela definição primária do interesse público, interpretando legitimamente os fins do Estado e adotando os meios mais aptos para os atingir[67], a função jurisdicional executa essa definição de modo independente e imparcial, ao declarar o direito a partir de casos concretos e de modo a fazer justiça, respeitando-lhe o interesse público apenas como categoria jurídica objetiva.
Nem por isso a função política pode alhear-se da justiça, pois compete-lhe empenhar-se «na construção de uma sociedade livre, justa e solidária» (artigo 1.º da Constituição). Mas, se a justiça por meios políticos é consubstancial ao bem comum, já na função jurisdicional, os tribunais administram a justiça, executando tal definição, pois «o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo» (n.º 2 do artigo 8.º do Código Civil[68]) com ressalva da desaplicação da lei por inconstitucionalidade (artigo 204.º).
Se a função política é, por excelência, manifestação de liberdade ou de autonomia de meios e de fins, numa visão própria desta equação, a função jurisdicional caracteriza-se pela imparcialidade (acima das partes) e pela passividade dos seus órgãos[69].
Por fim, os órgãos da função política atuam sob vínculos de interdependência, ao passo que os tribunais são absolutamente independentes nas suas decisões. Sem embargo da posição proeminente que lhes assiste na organização judiciária, os tribunais superiores de cada jurisdição não podem conceder ordens aos demais tribunais, avocar os seus poderes ou obrigá-los a responder pelo teor das sentenças proferidas.
 
 
VI.
VI.1. Pese embora toda esta diferenciação, o Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares enuncia importantes remissões para o Código de Processo Penal, o que poderia infirmar a caraterização do inquérito parlamentar que viemos de fazer:

              — No n.º 7 do artigo 13.º, para restringir os motivos atendíveis para justificar ou desculpar a recusa de prestação de depoimento, da prestação de informações ou da apresentação de documentos, designadamente por invocação do segredo sacramental, dos advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e das demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo (n.º 1 do artigo 135.º do Código de Processo Penal), do segredo de funcionário (artigo 136.º) ou do segredo de Estado (artigo 137.º)[70].
              — No n.º 6 do artigo 16.º, para admitir qualquer uma das formas previstas no Código de Processo Penal para a convocatória de depoentes «feita para qualquer ponto do território», mas, não todavia, fora do território nacional;
              — No n.º 1 do artigo 17.º, para justificar a falta de comparência ou a recusa de depoimento, de acordo com o n.º 1 do artigo 117.º do Código de Processo Penal (facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no ato processual), designadamente por atestado médico que especifique a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável de duração do impedimento (n.º 4);
              — No n.º 4 do artigo 17.º, para regular a forma dos depoimentos prestados perante as comissões parlamentares de inquérito, seja para aplicar as regras de inquirição enunciadas pelo artigo 139.º do Código de Processo Penal, seja para respeitar e fazer respeitar os direitos e deveres das testemunhas, seja, por último, para aplicar o disposto nos artigos 99.º e seguintes, relativos aos autos, sua redação, registo, transcrição ou reforma.

Tais remissões, contudo, não fazem do inquérito parlamentar um processo penal. Pelo contrário, a necessidade de remissões avulsas significa, precisamente que a lei processual penal não é a lei processual do inquérito parlamentar.
Ela só se aplica no caso das remissões específicas que recenseámos ou para conformar os poderes de investigação parlamentar, nomeadamente os poderes inscritos no artigo 13.º e no artigo 16.º, segundo as mesmas normas que condicionam o seu exercício pelas autoridades judiciais, de modo a, em conformidade com o n.º 5 do artigo 178.º, da Constituição, não reconhecer às comissões parlamentares de inquérito poderes menos condicionados do que os do juiz, de onde resultaria um paradoxo e um atropelo a princípios fundamentais do Estado de direito[71], pois, uma vez atingida a incompatibilidade com a lei processual, não seria mais um poder de investigação similar ao do juiz.
Por conseguinte, onde a incompatibilidade com a natureza das comissões parlamentares de inquérito ou a própria reserva constitucional de juiz (expressamente manifestada no n.º 1 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares[72]) não consentirem a observância dos condicionalismos processuais (v.g. pressupostos e requisitos que importem identificar certo tipo de crimes, o arguido ou um suspeito), cessa o exercício do poder.
De nada valem ensaios de adaptação nem exercícios de analogia, a menos que se inscrevam na aplicação direta de preceitos respeitantes a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição) ou a direitos fundamentais de natureza análoga (artigo 17.º).
VI.2. Não é de estranhar, pois, que, embora o n.º 6 do artigo 16.º remeta a convocatória de depoentes para qualquer uma das formas previstas no Código de Processo Penal, ao mesmo tempo, restrinja o alcance de tal intimação a «qualquer ponto do território», i.e. apenas ao território nacional.
Se, por um lado, permite às comissões parlamentares de inquérito convocar pessoas afastadas territorialmente de Lisboa, já que a Assembleia da República não dispõe de serviços periféricos, recorrendo, se necessário, à expedição de cartas precatórias, por outro, fornece uma indicação precisa a respeito da jurisdição parlamentar: o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira (n.º 1 do artigo 5.º da Constituição).
Não valem para o inquérito parlamentar as regras sobre aplicação da lei penal no espaço.

A aplicação da penal portuguesa parte de uma matriz de soberania reconhecida pelo direito internacional geral ou comum — o território ou o pavilhão — ou pactuada por convenção internacional, como se reconhece, expressamente, no Código Penal[73]:

«Artigo 4.º

Aplicação no espaço: princípio geral
              Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados:
              a) Em território português, seja qual for a nacionalidade do agente; ou
              b) A bordo de navios ou aeronaves portugueses.»
Este arquétipo, porém, conhece importantes extensões, seja com base no desvalor universal de certos crimes, seja pelo reforço da proteção dos cidadãos portugueses, seja para complementar a defesa de interesses nacionais, seja, ainda, a título supletivo, com objetivos de evitar a impunidade por razões territoriais[74]:

«Artigo 5.º

Factos praticados fora do território português
              1 — Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional:
              a) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 221.º, 262.º a 271.º, 308.º a 321.º, 325.º a 334.º, 336.º a 345.º;
              b) Contra portugueses, por portugueses que viverem habitualmente em Portugal ao tempo da sua prática e aqui forem encontrados;
              c) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 144.º-A, 144.º-B, 154.º-B e 154.º-C, 159.º a 161.º, 278.º a 280.º, 335.º, 372.º a 374.º, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português;
              d) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 171.º, 172.º, 174.º, 175.º e 176.º a 176.º-B e, sendo a vítima menor, os crimes previstos nos artigos 144.º, 163.º e 164.º:
              i) Desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português; ou
              ii) Quando cometidos por portugueses ou por quem resida habitualmente em Portugal; ou
              iii) Contra menor que resida habitualmente em Portugal;
              e) Por portugueses, ou por estrangeiros contra portugueses, sempre que:
              i) Os agentes forem encontrados em Portugal;
              ii) Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo; e
              iii) Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português;
              f) Por estrangeiros que forem encontrados em Portugal e cuja extradição haja sido requerida, quando constituírem crimes que admitam a extradição e esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português;
              g) Por pessoa coletiva ou contra pessoa coletiva que tenha sede em território português.
              2 — A lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional.»

A fim de tornar exequível a jurisdição penal nacional, designadamente a aplicação extraterritorial de normas penais, a República Portuguesa tem-se vinculado a múltiplas convenções internacionais, bilaterais e multilaterais, regionais ou universais, que conferem às autoridades judiciárias portuguesas meios de cooperação. Meios de cooperação de que também decorrem obrigações para Portugal, reconhecendo a aplicação extraterritorial de algumas normas penais de outros Estados[75].
O Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, pelo contrário, cinge-se ao território nacional (n.º 6 do artigo 16.º), pelo que nada dispôs sobre o modo como haveriam de processar-se as convocatórias para depor ou as intimações para apresentar documentos fora do território português.
E, com efeito, se o direito internacional público vem proporcionando um amplo desenvolvimento à cooperação policial e judiciária entre Estados soberanos, em matéria penal[76], porque absolutamente necessária ao combate das formas de criminalidade que exploram, em seu proveito, a transnacionalidade, desconhecem-se progressos do direito parlamentar neste domínio.
Pudemos observar, no Parecer n.º 23/2024, de 5 de setembro, que à limitação dos poderes de investigação das autoridades judiciais pela reserva constitucional de juiz (n.º 1 do artigo 13.º) acresce a reserva de lei processual penal, com expressão paradigmática no n.º 4 do artigo 34.º da Constituição: «É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal».
Há, porém, que acrescentar uma outra ressalva: as comissões parlamentares de inquérito não dispõem dos meios de cooperação internacional que assistem às autoridades judiciais por efeito de tratado ou acordo internacional[77].
Uma ressalva cuja necessidade de verbalização, porventura, nem sequer foi ponderada, tão claro se achava na mente do legislador do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares encontrar-se a jurisdição parlamentar circunscrita ao território português.
Ressalva que não é tão categórica no que diz respeito aos tribunais e ao Ministério Público, precisamente por ter vindo a ser construído um direito internacional da cooperação judiciária, em domínios como a extradição, a transmissão de processos penais para outras jurisdições, a execução de sentenças penais, oriundas de tribunais estrangeiros, a transferência de pessoas condenadas a penas ou medidas de segurança privativas da liberdade, a vigilância de pessoas condenadas ou em liberdade condicional e o auxílio judiciário mútuo em matéria penal.
Direito esse que dispõe de fontes internas, como é o caso da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, cuja aplicação ocorre, assim como a das pertinentes disposições do Código de Processo Penal, a título subsidiário:
«Artigo 3.º

       Prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais
              1 — As formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma.
              2 — São subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal.»

Na verdade, e como se afirma no n.º 2 do seu artigo 2.º, a própria Lei n.º 144/99, de 31 de dezembro, «não confere o direito de exigir qualquer forma de cooperação internacional em matéria penal».
E sem que o direito internacional disponha de outro modo, vale um princípio de tratamento recíproco, não, porém, isento de exceções significativas:
 
«Artigo 4.º

Princípio da reciprocidade
              1 — A cooperação internacional em matéria penal regulada no presente diploma releva do princípio da reciprocidade.
              2 — O Ministério da Justiça solicita uma garantia de reciprocidade se as circunstâncias o exigirem e pode prestá-la a outros Estados, nos limites deste diploma.
              3 — A falta de reciprocidade não impede a satisfação de um pedido de cooperação desde que essa cooperação:
              a) Se mostre aconselhável em razão da natureza do facto ou da necessidade de lutar contra certas formas graves de criminalidade;
              b) Possa contribuir para melhorar a situação do arguido ou para a sua reinserção social;
              c) Sirva para esclarecer factos imputados a um cidadão português.»
 

Em qualquer caso, o peso, maior ou menor, deste princípio é aquele que cada tratado ou acordo internacional e a sua aplicação lhe conferirem.

VII.

VII.1. Uma coisa é certa. A Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal tem em vista apenas e tão-só a aplicação da lei penal, sem prejuízo de algumas aberturas a outros procedimentos de matriz semelhante, designadamente no campo do ilícito de mera ordenação social e, porventura, do ilícito disciplinar público[78].
Um sinal inequívoco do caráter marcadamente sancionatório dos procedimentos em causa encontra-se no elenco de conceitos cuja interpretação autêntica se procurou fixar de antemão:
«Artigo 5.º

Definições
              Para os efeitos do presente diploma, considera-se:
              a) Suspeito: toda a pessoa relativamente à qual existem indícios de que cometeu uma infração ou nela participou;
              b) Arguido: toda a pessoa contra quem correr processo ou contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução;
              c) Condenado: pessoa contra quem foi proferida sentença que imponha uma reação criminal ou relativamente à qual foi proferida decisão judicial que reconheça a sua culpabilidade, ainda que suspendendo condicionalmente a aplicação da pena ou impondo sanção criminal privativa da liberdade cuja execução é declarada suspensa, no todo ou em parte, na data da sentença ou posteriormente, ou substituída por medida não detentiva;
              d) Reação criminal: qualquer pena ou medida de segurança privativas da liberdade, pena pecuniária ou outra sanção não detentiva, incluindo sanções acessórias.

É bem de ver que nenhum destes conceitos é familiar ao inquérito parlamentar.
E o modo como a Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal define o seu próprio objeto acentua o caráter nuclear de um concreto processo penal ou, pelo menos, contraordenacional:
«Artigo 1.º

Objeto
              1 — O presente diploma aplica-se às seguintes formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal:
              a) Extradição;
              b) Transmissão de processos penais;
              c) Execução de sentenças penais;
              d) Transferência de pessoas condenadas a penas e medidas de segurança privativas da liberdade;
              e) Vigilância de pessoas condenadas ou libertadas condicionalmente;
              f) Auxílio judiciário mútuo em matéria penal.
              2 — O disposto no número anterior aplica-se, com as devidas adaptações, à cooperação de Portugal com as entidades judiciárias internacionais estabelecidas no âmbito de tratados ou convenções que vinculem o Estado Português.
              3 — O presente diploma é subsidiariamente aplicável à cooperação em matéria de infrações de natureza penal, na fase em que tramitem perante autoridades administrativas, bem como de infrações que constituam ilícito de mera ordenação social, cujos processos admitam recurso judicial.»

VII.2. As cartas rogatórias cuja expedição é pedida pela Assembleia da República diriam respeito à alínea f) do n.º 1 (Auxílio judiciário mútuo em matéria penal) o que nos devolve ao capítulo I do título VI, mas nem por isso dispensam a existência de um processo criminal ou, pelo menos, de um processo com estreita afinidade formal e substancial:
«Artigo 145.º
Princípio e âmbito
              1 — O auxílio compreende a comunicação de informações, de atos processuais e de outros atos públicos admitidos pelo direito português, quando se afigurarem necessários à realização das finalidades do processo, bem como os atos necessários à apreensão ou à recuperação de instrumentos, objetos ou produtos da infração.
              2 — O auxílio compreende, nomeadamente:
              a) A notificação de atos e entrega de documentos;
              b) A obtenção de meios de prova;
              c) As revistas, buscas, apreensões, exames e perícias;
              d) A notificação e audição de suspeitos, arguidos, testemunhas ou peritos;
              e) O trânsito de pessoas;
              f) As informações sobre o direito português ou estrangeiro e as relativas aos antecedentes penais de suspeitos, arguidos e condenados.
              3 — Quando as circunstâncias do caso o aconselharem, mediante acordo entre Portugal e o Estado estrangeiro ou entidade judiciária internacional, a audição prevista na alínea d) do n.º 2 pode efetuar-se com recurso a meios de telecomunicação em tempo real, nos termos da legislação processual penal portuguesa, sem prejuízo do disposto no n.º 10.
              4 — No âmbito do auxílio, mediante autorização do Ministro da Justiça ou em conformidade com o previsto em acordo, tratado ou convenção de que Portugal seja parte, pode haver comunicação direta de simples informações relativas a assuntos de carácter penal entre autoridades portuguesas e estrangeiras que atuem como auxiliares das autoridades judiciárias.
              5 — O Ministro da Justiça pode autorizar a deslocação de autoridades judiciárias e de órgãos de polícia criminal estrangeiros, com vista à participação em atos de investigação criminal que devam realizar-se em território português, inclusivamente no âmbito da formação de equipas de investigação criminal conjuntas, compostas por elementos nacionais e estrangeiros.
              6 — Depende de autorização do Ministro da Justiça a constituição de equipas de investigação criminal conjuntas quando esta constituição não for já regulada pelas disposições de acordos, tratados ou convenções internacionais.
              7 — A participação referida no n.º 5 é admitida a título de coadjuvação das autoridades judiciárias ou de polícia criminal portuguesas ou estrangeiras competentes para o ato, sendo a presença e direção das autoridades portuguesas sempre obrigatória, observando-se as disposições da lei processual penal, e, sob condição de reciprocidade, de tudo se fazendo referência nos autos.
              8 — O disposto no artigo 29.º é extensivo às diligências da competência das autoridades de polícia criminal, realizadas nas condições e dentro dos limites definidos pelo Código de Processo Penal.
              9 — A competência a que se refere o n.º 5 pode ser delegada na autoridade central ou, quando a deslocação respeitar exclusivamente a autoridade ou órgão de polícia criminal, no diretor nacional da Polícia Judiciária.
              10 — O disposto no n.º 5 é correspondentemente aplicável aos pedidos de auxílio formulados por Portugal.
              11 — O disposto neste artigo não prejudica a aplicação de disposições mais favoráveis de acordos, tratados ou convenções de que Portugal seja parte.»
 
Note-se, porém, que este regime se aplica ao auxílio requerido às autoridades portuguesas e ao modo como as autoridades judiciárias portuguesas devem requerer o auxílio de terceiros (n.º 5 ex vi do n.º 10), mas não ao modo como os outros Estados nos devem prestar auxílio. Nunca poderia ser a lei portuguesa a fazê-lo.
Assim, o pedido de auxílio solicitado a Portugal é cumprido em conformidade com a lei portuguesa (n.º 1 do artigo 146.º), mas não os pedidos formulados por Portugal a outros Estados. A esses aplica-se, na falta de convenção internacional, a sua própria lei interna.
É certo que se o Estado estrangeiro o solicitar expressamente ou na decorrência de acordo, tratado ou convenção internacional, o auxílio português pode ser prestado em conformidade com a legislação do Estado requerente, «desde que não contrarie os princípios fundamentais do direito português e não cause graves prejuízos aos intervenientes no processo» (n.º 2), mas não podemos exigir um tratamento recíproco que obrigue a República Federativa do Brasil a equiparar um inquérito parlamentar a um processo penal para este efeito.
VII.3. Por outro lado, os elementos de identificação relativos a Juliana Durmond e a Samir Assad Filho, tal como surgem nos dois ofícios recebidos da Assembleia da República, são muito escassos e se porventura fossem feitos a Portugal confrontar-se-iam com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 151.º, que exige «menção do nome e residência do destinatário ou de outro local em que possa ser notificado, da sua qualidade processual e da natureza do documento a notificar».
É lícito supor que ambos sejam cidadãos brasileiros e, por isso, torna-se muito duvidoso admitir que se encontrem obrigados a cooperar com a Comissão Parlamentar de Inquérito.
O inquérito parlamentar é confiado a este órgão — um órgão auxiliar e transitório da Assembleia da República, com uma missão muito específica — e, como tal, a sua legitimidade reflete a legitimidade democrática dos membros eleitos para comporem este Órgão de Soberania.
Legitimidade que assenta, por conseguinte, no sufrágio eleitoral, periódico, igual, direto e universal do povo português (n.º 1 do artigo 113.º da Constituição[79]).
Compreender-se-ia, pois, de um ponto de vista puramente jurídico-político, que a jurisdição das comissões parlamentares pudesse abarcar todos os cidadãos portugueses, ainda que emigrados no estrangeiro ou deslocados ao serviço do Estado português.
O dever geral de colaboração para com «a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses» (artigo 147.º da CRP) recai sobre os cidadãos portugueses (o povo português), apenas na medida em que não seja incompatível com a ausência do país[80] (artigo 14.º).
E, tanto quanto resulte da Constituição, sobre os estrangeiros e apátridas que se encontrem estavelmente no território português, em especial, os cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal a quem seja reconhecida capacidade eleitoral para a designação dos Deputados à Assembleia da República[81] [82]:
 
«Artigo 15.º

Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus
              1 — Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.
              2 — Excetuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.
              3 — Aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal são reconhecidos, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso aos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Presidentes dos tribunais supremos e o serviço nas Forças Armadas e na carreira diplomática.
              4 — A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral ativa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais.
              5 — A lei pode ainda atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados membros da União Europeia residentes em Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu.»

Se a convocação de portugueses residentes no estrangeiro não levanta dúvidas de legitimidade democrática, o mesmo não pode afirmar-se da convocação de estrangeiros; pelo menos, dos estrangeiros que se encontrem fora do território português.
O Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, porém, não levou este critério até às últimas consequências, importando revisitar o que nele se dispõe acerca da convocatória para depor:
«Artigo 16.º

Convocação de pessoas e contratação de peritos
              1 — As comissões parlamentares de inquérito podem convocar qualquer cidadão para depor sobre factos relativos ao inquérito, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
              2 — O Presidente da República, bem como os ex-Presidentes da República por factos de que tiveram conhecimento durante o exercício das suas funções e por causa delas, têm a faculdade, querendo, de depor perante uma comissão parlamentar de inquérito, gozando nesse caso, se o preferirem, da prerrogativa de o fazer por escrito.
              3 — Gozam, também, da prerrogativa de depor por escrito, se o preferirem, o Presidente da Assembleia da República, os ex-Presidentes da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro e os ex-Primeiros-Ministros, que remetem à comissão, no prazo de 10 dias a contar da data da notificação dos factos sobre que deve recair o depoimento, declaração, sob compromisso de honra, relatando o que sabem sobre os factos indicados.
              4 — Nas comissões parlamentares de inquérito constituídas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, as diligências instrutórias referidas nos números anteriores requeridas pelos Deputados que as proponham são de realização obrigatória até ao limite máximo de 15 depoimentos, cabendo aos requerentes a faculdade de determinar a data da sua realização, e até ao limite máximo de 8 depoimentos requeridos pelos Deputados restantes, ficando os demais depoimentos sujeitos a deliberação da comissão.
              5 — As convocações são assinadas pelo presidente da comissão ou, a solicitação deste, pelo Presidente da Assembleia da República e devem conter as indicações seguintes, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3:
              a) O objeto do inquérito;
              b) O local, o dia e a hora do depoimento;
              c) As sanções aplicáveis ao crime previsto no artigo 19.º da presente lei.
              6 — A convocação é feita para qualquer ponto do território, sob qualquer das formas previstas no Código de Processo Penal, devendo, no caso de funcionários e agentes do Estado ou de outras entidades públicas, ser efetuada através do respetivo superior hierárquico.
              7 — As diligências previstas no n.º 1 podem ser requeridas até 15 dias antes do termo do prazo fixado para a apresentação do relatório.
              8 — As comissões podem requisitar e contratar especialistas para as coadjuvar nos seus trabalhos mediante autorização prévia do Presidente da Assembleia da República.»

Temos, pois, então, que, não obstante o n.º 1 do artigo 16.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares conferir às comissões parlamentares de inquérito o poder de «convocar qualquer cidadão para depor sobre factos relativos ao inquérito» e de a convocação ter de seguir as formas previstas no Código de Processo Penal, circunscreve-se ao território nacional, mesmo quanto a portugueses (n.º 6).
Entendeu-se, possivelmente, que o dever de colaboração com os inquéritos parlamentares ser revela incompatível com a sua ausência no estrangeiro (artigo 14.º da Constituição), mas, diferentemente desta nossa opção, e considerando, porventura, os meios de comunicação á distância em tempo real, a lei espanhola estabeleceu o seguinte[83]:
«Artigo primeiro

              1. Todos os cidadãos espanhóis e os estrangeiros que residam em Espanha estão obrigados a comparecer pessoalmente para prestar informações, a requerimento das Comissões de Investigação nomeadas pelas Câmaras Legislativas.
              2. As Mesas das Câmaras velarão por que ante as Comissões de Investigação sejam salvaguardados o respeito pela intimidade e honra das pessoas, o segredo profissional, a cláusula de consciência e os demais direitos constitucionais.»

Decorre do critério territorial adotado pela lei portuguesa uma outra consequência não despicienda: a coadjuvação a prestar pelas autoridades judiciárias e administrativas ou pelos órgãos de polícia criminal, prevista no n.º 2 do artigo 13.º, pelo menos, no que diz respeito a depoimentos pessoais, não pode ir além do território nacional[84].
Tal coadjuvação limita-se às autoridades portuguesas, não podendo aquela disposição justificar o auxílio de autoridades judiciárias internacionais ou de outros Estados, sem estes o terem consentido.
VII.4. O próprio auxílio judiciário internacional em matéria penal, nos termos da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, alquebra o dever de cumprir uma convocação para depor, como testemunha, ainda que perante autoridade judiciária em sentido próprio, sem distinção entre estrangeiros e portugueses em território estrangeiro:
«Artigo 154.º

Notificação para comparência
              1 — O pedido de notificação destinado a comparência de uma pessoa para intervir em processo estrangeiro na qualidade de suspeito, arguido, testemunha ou perito não obriga o destinatário da notificação.
              2 — A pessoa notificada é advertida, no ato da notificação, do direito de recusar a comparência.
              3 — A autoridade portuguesa recusa a notificação se esta contiver cominação de sanções ou quando não estiverem asseguradas as medidas necessárias à segurança da pessoa.
              4 — O consentimento para a comparência deve ser dado por declaração livremente prestada e reduzida a escrito.
              5 — O pedido de notificação indica as remunerações e indemnizações, bem como as despesas de viagem e estada a conceder, e deve ser transmitido com antecedência razoável, de forma a ser recebido até 50 dias antes da data em que a pessoa deve comparecer.
              6 — Em caso de urgência, pode admitir-se o encurtamento do prazo referido no número anterior.
              7 — As remunerações, indemnizações e despesas a que se refere o n.º 5 são calculadas em função do lugar da residência da pessoa que aceita comparecer e conforme as tarifas previstas pela lei do Estado em cujo território a diligência deve efetuar-se.»

 
É bem de ver, em face das disposições vindas de transcrever, que na hipótese de nos ser solicitado por uma autoridade brasileira que notifiquemos um cidadão português para depor como testemunha em processo penal a correr termos nos tribunais brasileiros, não podemos usar de nenhum meio coercivo.
Pelo contrário, compete-nos advertir quanto ao caráter meramente facultativo da comparência (n.º 2), ainda que processada através de meios telemáticos.
Se o Sr. Samir Assad Filho e a Sra. D. Juliana Durmond foram já notificados por correio eletrónico a partir da Assembleia da República e nada responderam, deve ter-se presente que o seu comportamento, a esta luz, é perfeitamente legítimo.
Teremos oportunidade de confirmar, no capítulo seguinte, visto ser também o que resulta das disposições a que por via convencional se obrigou para connosco o Brasil.
E de confirmar, outrossim, que a cooperação judiciária em matéria penal não contempla a convocação para depor em inquérito parlamentar.
 
 
VIII.
VIII.1. Vigora, neste domínio, a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na Cidade da Praia, em 23 de novembro de 2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 46/2008, de 12 de setembro, ratificada com o Decreto do Presidente da República n.º 64/2008, de 12 de setembro, e cujo depósito teve lugar em 1 de fevereiro de 2010, junto do Secretariado Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em conformidade com o Aviso n.º 181/2011, de 11 de agosto[85].
O referido Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros mais nos dá conta de que, nos termos do n.º 3 do artigo 19.º, a Convenção entrou em vigor, para a República Portuguesa, em 1 de março de 2010, juntando-se destarte à República de Moçambique, à República Democrática de São Tomé e Príncipe e à República Federativa do Brasil, relativamente aos quais o início de vigência ocorrera em 1 de agosto de 2009.
A Convenção entrou em vigor na República de Angola, em 1 de janeiro de 2011, e na República Democrática de Timor-Leste, em 1 de maio de 2011.
Sem prejuízo de as Partes Contratantes poderem concluir entre si tratados, convenções ou acordos bilaterais ou multilaterais para completar as disposições da Convenção ou para facilitar a aplicação dos princípios nela contidos (n.º 2 do artigo 20.º), a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa substituiu, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulassem o auxílio judiciário em matéria penal (n.º 1).
Deve entender-se, pois, ter feito cessar a vigência do Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, assinado em Brasília em 7 de maio de 1991, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/94, de 4 de novembro de 1993, e ratificado com o Decreto do Presidente da República n.º 2/94, de 3 de fevereiro.
VIII.2. A Convenção concede à convocação de testemunhas um regime muito próximo daquele que encontrámos no nosso direito interno e supletivamente aplicável, pois convencionaram as Partes Contratantes o seguinte:
«Artigo 12.º

              Comparência de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas e peritos
              1 — Se o Estado requerente pretender a comparência, no seu território, de uma pessoa, como suspeito, arguido ou indiciado, testemunha ou perito, pode solicitar ao Estado requerido o seu auxílio para tornar possível aquela comparência.
              2 — O Estado requerido dá cumprimento à convocação após se assegurar de que:
              a) Foram tomadas medidas adequadas para a segurança da pessoa;
              b) A pessoa cuja comparência é pretendida deu o seu consentimento por declaração livremente prestada e reduzida a escrito.
              3 — As pessoas referidas no n.º 1 do presente artigo não poderão ser sujeitas a quaisquer sanções ou medidas cominatórias ainda que constem da convocação.
              4 — O pedido de cumprimento de uma convocação, nos termos do n.º 1 do presente artigo, indica as remunerações e indemnizações e as despesas de viagem e de estada a conceder e deve ser transmitido com antecedência razoável, de forma a ser recebido até 50 dias antes da data em que a pessoa deve comparecer.
              5 — Em caso de urgência, o Estado requerido pode renunciar à exigência deste prazo.»

Resulta muito claramente do n.º 2 que a comparência se torna facultativa, o que vem reforçado pelo n.º 3 ao proscrever quaisquer sanções ou medidas cominatórias que pudessem constar da convocação e que o Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, ao invés, estabelece como obrigatoriamente transcritos [alínea c) do n.º 5 do artigo 16.º].
VIII.3. Ademais, o âmbito da Convenção em vigor não deixa dúvidas quanto ao caráter estritamente processual da sua aplicação:
«Artigo 1.º

Âmbito do auxílio
              1 — O auxílio compreende a comunicação de informações, de atos processuais e de outros atos públicos, quando se afigurarem necessários à realização das finalidades do processo, bem como os atos necessários à perda, apreensão ou congelamento ou à recuperação de instrumentos, bens, objetos ou produtos do crime.
              2 — O auxílio compreende, nomeadamente:
              a) A notificação de atos e entrega de documentos;
              b) A obtenção de meios de prova;
              c) As revistas, buscas, apreensões, exames e perícias;
              d) A notificação e audição de suspeitos, arguidos ou indiciados, testemunhas ou peritos;
              e) A troca de informações sobre o direito respetivo;
              f) A troca de informações relativas aos antecedentes penais de suspeitos, arguidos e condenados;
              g) Outras formas de cooperação acordadas entre os Estados Contratantes, nos termos das respetivas legislações.
              3 — Quando as circunstâncias do caso o aconselharem, mediante acordo entre as autoridades competentes dos Estados Contratantes, a audição prevista na alínea d) do n.º 2 pode efetuar-se com recurso a meios de telecomunicação em tempo real, em conformidade com as regras processuais aplicáveis nos respetivos ordenamentos jurídicos.
              4 — A presente Convenção não se aplica à execução das decisões de detenção ou de condenação nem às infrações militares.
              5 — O auxílio é ainda concedido, nos processos penais, relativamente a factos ou infrações pelos quais uma pessoa coletiva ou jurídica seja passível de responsabilidade no Estado requerente.»

Embora a alínea d) do n.º 2 se refira, sem mais, à notificação de testemunhas, é inquestionável tratar-se de testemunhas em processo penal — ou, pelo menos, em processo sancionatório de natureza pública — pois não só na mesma alínea surgem enunciados os suspeitos, arguidos ou indiciados, como o n.º 1 submete todo o auxílio às finalidades do processo ou à perda, apreensão ou congelamento ou à recuperação de instrumentos, bens, objetos ou produtos do crime.
VIII.4. Por outro lado, a Convenção é bastante explícita quanto aos requisitos formais do pedido de auxílio, em claro contraste com a solicitação de auxílio oriunda da Comissão Parlamentar de Inquérito e que se limita a enunciar o nome dos requeridos a depor e a data e hora dos depoimentos a prestar.
Vejamos, pois:
«Artigo 9.º

Requisitos do pedido de auxílio
              1 — O pedido de auxílio deve indicar, nomeadamente:
              a) A autoridade de que emana e a autoridade a quem se dirige;
              b) Uma descrição precisa do auxílio que se solicita, indicando o objeto e motivos do pedido formulado, assim como a qualificação jurídica dos factos que motivam o procedimento;
              c) Uma descrição sumária dos factos e indicação da data e local em que ocorreram;
              d) Os dados relativos à identidade e nacionalidade da pessoa sujeita ao processo a que se refere o pedido, quando conhecidos;
              e) No caso de notificação, menção do nome e residência do destinatário ou de outro local em que possa ser notificado, a sua qualidade processual e a natureza do documento a notificar;
              f) Nos casos de revista, busca, perda, apreensão, congelamento, entrega de objetos ou valores, exames e perícias, uma declaração certificando que são admitidos pela lei do Estado requerente;
              g) A menção de determinadas particularidades do processo ou de requisitos que o Estado requerente deseje que sejam observados, incluindo a confidencialidade e os prazos de cumprimento;
              h) Qualquer outra informação, documental ou outra, que possa ser útil ao Estado requerido e que vise facilitar o cumprimento do pedido.
              2 — Os documentos transmitidos nos termos da presente Convenção não carecem de legalização.
              3 — A autoridade competente do Estado requerido pode exigir que um pedido formalmente irregular ou incompleto seja modificado ou completado, sem prejuízo da adoção de medidas provisórias quando estas não possam esperar pela regularização.»

 
A este propósito, LUÍS LEMOS TRIUNFANTE[86] proporciona-nos uma síntese muito clara do que representa uma carta rogatória neste âmbito:

              «A carta rogatória, por definição, transmite um pedido de auxílio judiciário, formulado por uma autoridade judiciária nacional, com vista a possibilitar a investigação ou o julgamento de determinados factos, a uma autoridade judiciária estrangeira. Com tal pedido pretende obter-se a realização de diligências, em fase de inquérito, instrução ou julgamento (de que são paradigmáticas o interrogatório de arguido ou a inquirição de testemunhas, ausentes no estrangeiro, a realização de buscas e apreensões ou a submissão de intervenientes a perícias, médicas ou outras), a convocação para determinados atos processuais (como seja a notificação para comparecimento em julgamento) ou a notificação de despachos exarados pela autoridade judiciária competente»

A serem expedidas as missivas parlamentares como pedidos de auxílio, assomaria o caráter não penal da autoridade de que emana [alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º].
Por outro lado, omitir-se-iam o objeto e motivos do pedido formulado, assim como a qualificação jurídica dos factos que motivam o procedimento [alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º].
Em terceiro lugar, estaria em falta a menção aos locais de residência do Sr. Samir Assad Filho e da Sra. D. Juliana Durmond ou, pelo menos, de outros lugares em que possam ser notificados [alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º].
E, como tal, o auxílio a solicitar às autoridades brasileiras haveria de implicar, não apenas a notificação de ambos para deporem, como também, previamente, a localização do seu paradeiro, o que não se encontra contemplado pelas estipulações da Convenção, no que diz respeito a testemunhas.
VIII.5. Por seu turno, e como frisou este Conselho no Parecer n.º 2/2016, de 17 de março[87], no âmbito da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Portugal aceitou a via de transmissão direta entre autoridades judiciárias competentes ou entre estas e as autoridades centrais ou entre autoridades centrais.
Tal significa que as autoridades judiciárias portuguesas podem, para o efeito, sem intervenção da Procuradoria-Geral da República, comunicar diretamente com as suas congéneres dos outros Estados da Comunidade que tiverem formulado declaração similar.
A Procuradoria-Geral da República, enquanto autoridade central de aplicação da Convenção, tem, pois então, competências meramente instrumentais, ao contrário do que se estipulou em outras convenções internacionais de cariz universal[88] ou bilateral[89].
Quer isto dizer que, tal como não pode, por si, recusar o auxílio solicitado a autoridades portuguesas, também não pode a Procuradoria-Geral da República substituir-se à autoridade (judiciária) que emana o pedido de auxílio na sua formulação.
No caso de auxílio requerido pela Assembleia da República, tal procedimento, ainda que sob invocação da coadjuvação interna, ínsita no n.º 2 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, defraudaria o fim e objeto da Convenção.
Fim e objeto da Convenção que recortam um dos mais significativos deveres de boa-fé entre sujeitos de direito internacional, a ponto de, segundo a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969[90], adquirirem relevância ainda antes de um tratado entrar em vigor na ordem jurídica internacional ou para o Estado signatário:
«Artigo 18.º

Obrigação de não privar um tratado do seu objeto e do seu fim antes da sua entrada em vigor
              Um Estado deve abster-se de atos que privem um tratado do seu objeto ou do se fim:
              a) Quando assinou o tratado ou trocou os instrumentos constitutivos do tratado sob reserva de ratificação, aceitação ou aprovação, enquanto não manifestar a sua intenção de não se tornar Parte no tratado; ou
              b) Quando manifestou o seu consentimento em ficar vinculado pelo tratado, no período que precede a entrada em vigor do tratado e com a condição de esta não ser indevidamente adiada.»

Tal como não tem competência para proferir decisões de recusa de auxílio judiciário requerido à República Portuguesa, pelas competentes autoridades brasileiras, a Procuradoria-Geral da República também não pode suprir a falta de natureza processual penal do auxílio que a Comissão Parlamentar de Inquérito pretende ver requerido.
VIII.6. Por outro lado, qualquer aproximação ao inquérito parlamentar sugeriria a invocação da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção, de acordo com a qual o Estado requerido pode recusar o auxílio quando considere «que o pedido se refere a uma infração de natureza política ou com ela conexa».
Ainda que este conceito não se compadeça com o direito interno português, não é a essa luz que deve ser interpretado[91], até porque o n.º 4, embora por delimitação negativa, fornece elementos hermenêuticos que cindem o conceito de infração política do conceito de crime, ao excluir:

              a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial proteção segundo o direito internacional;
              b) Os atos de pirataria aérea e marítima;
              c) Os atos a que seja retirada natureza de infração política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido;
              d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infrações graves segundo as Convenções de Genebra de 1949; e
              e) Os atos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984.

Sobre o que não restam dúvidas é quanto à inaplicabilidade desta Convenção a atos da função política do Estado, designadamente de investigação parlamentar para efeitos de responsabilidade política.
Descortina-se, por assim dizer, uma reserva de processo, no mínimo, sancionatório, de modo a identificar condutas humanas que afetem de modo particularmente grave bens jurídicos essenciais à subsistência da comunidade.
Por isso, ainda que o n.º 1 do artigo 2.º abra mão da dupla incriminação[92] — «O auxílio é concedido mesmo quando a infração não seja punível ao abrigo da lei do Estado requerido» — exige o n.º 2 «que os factos que derem origem a pedidos de realização de buscas, apreensões, exames e perícias devem ser puníveis com uma pena privativa de liberdade igual ou superior a seis meses, também no Estado requerido, exceto se se destinarem à prova de uma causa de exclusão de culpa da pessoa contra a qual o procedimento foi instaurado.»
VIII.7. Em vão se objetaria que a Constituição garante às comissões parlamentares de inquérito poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (n.º 5 do artigo 178.º) e que o n.º 2 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares concita das autoridades judiciárias, designadamente do Ministério Público, um dever de coadjuvação nos mesmos termos da que é prestada aos tribunais.
Tais disposições, na verdade, ainda que uma delas seja de nível constitucional, só valem dentro de portas, i.e., no estrito quadro da jurisdição parlamentar: os cidadãos portugueses representados pelos Deputados eleitos, os estrangeiros e apátridas que permaneçam em território português.
Se a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969, impede uma Parte Contratante num certo tratado de invocar o seu direito interno para se subtrair ao cumprimento do mesmo (artigo 27.º) também a impede de praticar operação idêntica para obrigar outra Parte Contratante a estender a sua aplicação.
Por outras palavras: se a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa não contemplou o inquérito parlamentar, não pode a República Portuguesa reclamar, com base no seu direito interno, que as demais Partes Contratantes reconheçam os poderes das comissões parlamentares de inquérito portuguesas como poderes de autoridade judicial.
Além de o n.º 2 do artigo 8.º da Constituição conferir às convenções internacionais a que Portugal se tenha vinculado um valor jurídico superior ao da lei ordinária[93], é o Código de Processo Penal a estatuir o seguinte:
«Artigo 229.º

Prevalência dos acordos e convenções internacionais
              As rogatórias, a extradição, a delegação do procedimento penal, os efeitos das sentenças penais estrangeiras e as restantes relações com as autoridades estrangeiras relativas à administração da justiça penal são reguladas pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial e ainda pelas disposições deste livro.»

A lei especial aplicável (de par com o Código de Processo Penal) é, como sabemos, a Lei n.º 144/99, de 31 de agosto: Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal.
É-o, porém, a título subsidiário, pois encontramo-nos sob o domínio do direito internacional público e do primado das suas fontes imediatas: o costume e os tratados válidos e eficazes.

 
 
IX.

IX.1. Como tal, uma carta rogatória expedida para efeitos de investigação política, porque alheia à função de administrar a justiça penal, teria de ser considerada um ato unilateral juridicamente inexistente, no plano jurídico-internacional e, internamente, no plano processual penal[94].
O ato jurídico que não satisfaça aos requisitos da sua própria qualificação é, por assim dizer, um não-ato.
Não reúne condições sequer para ser considerado inválido[95], tal é a desconformidade orgânico-funcional de que padece.
Observa, a este propósito, JOÃO CONDE CORREIA que a inexistência pode resultar da usurpação de funções[96]:
              «Um certo facto, não obstante existir na vida real, é inexistente face ao direito processual vigente, por lhe faltar, pelo menos, um dos requisitos exigidos para reconhecer a sua existência jurídica. É o caso de uma sentença ou de uma acusação, proferidas por um particular que, no momento próprio, se faz substituir ao juiz ou ao magistrado do Ministério Público titular do processo.»
E, por outro lado, acentua o interesse prático da distinção em face das nulidades processuais[97]:
              «É que, ao contrário do direito privado, onde os negócios jurídicos nulos podem ser invalidados a todo o tempo, sendo a imprescritibilidade da ação de nulidade uma das suas características fundamentais (-), no direito processual os atos nulos só podem ser anulados até ao trânsito em julgado da decisão final. Com a formação de caso julgado, mesmo as nulidades arguíveis em qualquer estado do procedimento, incluindo os vícios da própria sentença, tornam-se insindicáveis (-)»
A demarcação dos casos de inexistência jurídica é particularmente clara nos atos políticos e legislativos, se acompanharmos a distinção proposta por JORGE MIRANDA[98]:
              «Tomando o ato (normativo ou não normativo) em si mesmo, há diversos requisitos — correspondentes a pressupostos e elementos (-) — que deve satisfazer para estar em conformidade com a Lei Fundamental e, por conseguinte, para perdurar e produzir efeitos.

              Por via descendente são três essas categorias de requisitos:
              a) Requisitos de qualificação — requisitos de identificação ou de recondução do ato a qualquer dos tipos constitucionais de ato (lei de revisão constitucional, lei, decreto-lei, decreto legislativo regional, etc.);
              b) Requisitos de validade stricto sensu — requisitos de perfeição do ato ou de plena virtualidade de produção dos seus efeitos jurídicos típicos (ou tratando-se de ato normativo, requisitos de plena integração da norma no ordenamento positivo);
              c) Requisitos de regularidade — requisitos de adequação do ato a regras constitucionais, mormente a regras formais, à margem da proteção dos seus efeitos(X)

Neste sentido, a correspondência entre o órgão e as funções do Estado faz parte dos requisitos de qualificação. Tal como não pode um tribunal aprovar uma lei, sem deixar de praticar um ato juridicamente inexistente, não pode a Assembleia da República praticar um ato processual penal, em vista da reserva da função jurisdicional aos tribunais e da ação penal ao Ministério Público. Mais do que incompetência absoluta, ocorre falta de jurisdição, quanto mais não seja por faltar a função jurisdicional do Estado.
Ao ensaiar uma tipologia do ato processual penal juridicamente inexistente, DUARTE RODRIGUES NUNES[99] aponta a sentença proferida sem processo, o ato processual praticado com usurpação de funções, a falta de jurisdição, a condenação de alguém que não foi sequer sujeito processual, um processo penal que não possua objeto ou cujo objeto se mostre ininteligível ou indeterminado e, por fim, a sentença que condene numa pena não prevista na lei aplicável.
Ora, o ato juridicamente inexistente, como será o caso de um pedido de auxílio judiciário internacional em matéria penal dimanado de um órgão alheio à função jurisdicional, não produz efeito algum, ao ponto de as autoridades públicas não o poderem executar.
Valem estas considerações para explicar por que motivo a Procuradoria‑Geral da República, não obstante o seu papel simplesmente instrumental como autoridade central na Convenção, deve restituir à Assembleia da República o expediente em questão.
IX.2. O que pode justificar-se da parte da Assembleia da República é instar ou voltar a instar os meios diplomáticos e consulares com vista á localização do paradeiro dos dois cidadãos em causa, sem prejuízo, de todo o modo, de o seu depoimento poder sempre ser recusado legitimamente, porque facultativo.
Refira-se que, em 19 de novembro de 2002, na Praia, Cabo Verde, foi adotado um acordo entre os parlamentos dos Estados-Membros, designado Estatuto do Fórum dos Parlamentos dos Países de Língua Portuguesa[100].
Contudo, além de não haver notícia da sua entrada em vigor, nada ali se prevê em matéria de comissões parlamentares de inquérito nem de auxílio mútuo entre órgãos de fiscalização política.
Nada consta, igualmente, do Estatuto do Fórum Parlamentar Ibero-Americano[101] ao qual a Assembleia da República aderiu através da Resolução n.º 2/2007, de 26 de janeiro, e também o Congresso Brasileiro, por via da Resolução n.º 2 de 2006-CN, de 26 de dezembro.
Tal Estatuto, com efeito, nada estipula acerca de comissões parlamentares de inquérito e nem sequer vincula internacionalmente a República Portuguesa, visto não ter cumprido as formalidades constitucionais adequadas, em especial, a assinatura do Presidente da República, nos termos da alínea b) do artigo 134.º da Constituição, na parte em que se refere às «resoluções da Assembleia da República que aprovem acordos internacionais».
Seria uma convenção internacional, estamos em crer, o instrumento adequado a estabelecer relações de cooperação que permitissem fundamentar solicitações de auxílio internacional por parte do Congresso brasileiro como aquelas que a Assembleia da República fez chegar à Procuradoria-Geral da República, em 11-09-2024.
De resto, o Brasil, por aplicação do artigo 58, §3, da Constituição de 1988, vem conhecendo uma prolífica atividade de inquérito parlamentar, a qual tem justificado uma abundante e rica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, já que ali se prevê o controlo jurisdicional dos atos das comissões de investigação do Congresso, como nos informa NUNO PIÇARRA[102].
Ao que parece, todavia, nunca foi dado nenhum passo no sentido de a cooperação interparlamentar criar formas de auxílio entre as comissões parlamentares de inquérito dos dois países.
 
X.
Considerando o que precedentemente expusemos e com vista a melhor satisfazer ao solicitado, formulam-se as conclusões seguidamente enunciadas:
              1.ª — O exercício pelas comissões parlamentares de inquérito de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais não permite qualificar tais órgãos parlamentares como tribunais ou sequer participantes da função jurisdicional ou da organização judiciária.
              2.ª — O inquérito parlamentar não constitui, nem pode constituir um processo penal, pois, ainda que do relatório conclusivo apresentado ao Plenário da Assembleia da República decorram sérios indícios de factos criminalmente relevantes, a sua participação dará lugar, necessariamente, à abertura, pelo Ministério Público, de um inquérito penal.
              3.ª — A descoberta da verdade no inquérito parlamentar tem por fundamento e limite a responsabilidade política do Governo e dos seus membros perante a Assembleia da República, ao passo que no direito processual penal está em causa a administração da justiça e a repressão das atividades criminosas, por via da aplicação das sanções mais aflitivas que a nossa ordem jurídica prevê: as penas privativas da liberdade.
              4.ª — Ao inquérito parlamentar falta uma estrutura processual que diferencie os sujeitos e intervenientes e que ofereça as exigentes garantias que a Constituição impõe à ação penal, à função jurisdicional e, de modo particular, à aplicação da lei penal e da lei processual penal.
              5.ª — Aliás, os juízos políticos que o inquérito parlamentar proporciona não obedecem a um parâmetro previamente determinado, ao contrário do que sucede com a aplicação do direito, uma vez que está em causa apreciar do mérito e oportunidade dos atos do Governo e da Administração Pública e conhecer da moralidade cívica dos titulares de cargos políticos que respondem perante a Assembleia da República e tenham praticado ou permitido a prática desses atos.
              6.ª — Além de o inquérito parlamentar poder versar factos já averiguados ou em averiguação criminal, há razões históricas no constitucionalismo britânico que influenciaram significativamente o nosso direito parlamentar, diretamente, ou por reflexo da Constituição italiana de 1947 e da Lei Fundamental de Bona, de 1949.
              7.ª — Em grande medida, a atribuição de poderes de investigação próprios do juiz às comissões parlamentares de inquérito deve-se à completa falta de poderes coercivos dos parlamentos, uma vez que na conceção europeia continental da separação de poderes, o exercício da sua competência se concretizaria, estritamente na aprovação de leis e nos atos de confiança ou de censura à atividade dos governos.
              8.ª — A relevância comunitária do crime e da sua perseguição, em especial, a criminalidade organizada que tira proveito das limitações territoriais de aplicação da lei penal, levaram os Estados a tecer formas bilaterais e multilaterais de cooperação judiciária em matéria penal, que, todavia, não estenderam às investigações parlamentares nem a outras formas de fiscalização política dos atos do Governo e da Administração Pública.
              9.ª — Entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil não vigora nenhuma convenção internacional, bilateral ou multilateral, que preveja a extensão dos instrumentos de cooperação judiciária aos inquéritos parlamentares e aos poderes de investigação das comissões que os levam a cabo.
              10.ª — Assim, a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na Cidade da Praia, em 23 de novembro de 2005, de que ambos são signatários e Partes Contratantes, só prevê a convocação de testemunhas para depoimento a prestar em processo penal ou, pelo menos, em processo sancionatório com características similares.
              11.ª — E, ainda assim, nos termos do seu artigo 12.º, n.os 2 e 3, determina o expurgo de toda e qualquer cominação sancionatória, de modo a convolar qualquer possível intimação para depor no exercício de uma faculdade para o notificando.
              12.ª — Mesmo que, por hipótese, tal Convenção fosse de aplicar aos depoimentos em inquérito parlamentar sempre teria de satisfazer a requisitos de identificação dos sujeitos e do seu paradeiro que a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Administração pelo Serviço Nacional de Saúde do Fármaco Zolgensma a Duas Crianças Luso-brasileiras não fornece.
              13.ª — E ainda que, também por hipótese, o referido tratado consentisse equiparar os poderes de investigação e a própria Comissão às autoridades de natureza judiciária, não poderia a Procuradoria-Geral da República, enquanto autoridade central da República Portuguesa, substituir-se na elaboração ou aperfeiçoamento de cartas rogatórias, pois as funções que nessa qualidade lhe incumbem são de uso facultativo pelas autoridades judiciárias das Partes Contratantes, visto ter Portugal declarado, com o depósito do instrumento de ratificação, aceitar a comunicação direta entre autoridades competentes, sem prejuízo de reconhecer a comunicação entre estas e a autoridade central ou entre autoridades centrais (Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.º 181/2011, de 12 de agosto, e artigo 2.º do Decreto do Presidente da República n.º 64/2008, de 12 de setembro).
              14.ª — O reconhecimento de poderes judiciais às comissões parlamentares de inquérito não produz efeitos na ordem jurídica internacional, não obstante tal atributo decorrer do artigo 178.º, n.º 5, da Constituição.
              15.ª — Como tal, não pode a Procuradoria-Geral da República opor no plano jurídico-internacional que se encontra obrigada a prestar às comissões parlamentares de inquérito coadjuvação semelhante à que deve prestar aos tribunais, por força do artigo 13.º, n.º 2, da Lei n.º 5/93, de 1 de março.
              16.ª — Se não é permitido a um Estado subtrair-se ao cumprimento de uma convenção internacional à qual se vinculou, objetando com norma ou princípio de direito interno (artigo 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969), de igual modo não pode invocar o direito interno para estender a aplicação de um instrumento de auxílio judiciário internacional em matéria penal aos inquéritos parlamentares ou a quaisquer outros meios de fiscalização política.
              17.ª — De resto, a própria Convenção da Cidade da Praia, de 23 de novembro de 2005, pretendeu, de modo claro e inequívoco, deixar à margem do seu âmbito toda e qualquer infração «de natureza política ou com ela conexa» [artigo 3.º, n.º 1, alínea a)].
              18.ª — Mas também o direito interno português circunscreveu a jurisdição das comissões parlamentares de inquérito ao território nacional, porquanto, a Lei n.º 5/93, de 1 de março, no seu artigo 16.º, n.º 6, remete a convocação para depor, segundo qualquer uma das formas previstas no Código de Processo Penal, a efetuar «para qualquer ponto do território». Não, por conseguinte, através de carta rogatória, para fora do território nacional.
              19.ª — Limitação que bate certo com a legitimidade democrática dos Deputados à Assembleia da República, eleitos pelo povo português, de tal sorte que apenas os estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal têm um dever geral de colaboração com a atividade parlamentar, ora por força da equiparação consignada pelo artigo 15.º, n.º 1, da Constituição, ora pela capacidade eleitoral ativa e passiva que o n.º 3 do mesmo artigo atribui aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal, nos termos da lei e em condições de reciprocidade.
              20.ª — E que bate certo, de igual modo, com o objeto da fiscalização política, em geral, e do inquérito parlamentar, em especial, cujo sentido e alcance se encontram indelevelmente vinculados ao povo português e não aos estrangeiros, pelo menos, aos que permaneçam fora de Portugal.
              21.ª — Pelas razões já expendidas, deve entender-se que um pedido de auxílio judiciário internacional em matéria penal, oriundo de um órgão da função política e legislativa do Estado, não preenche os requisitos mínimos de qualificação como ato processual.
              22.ª — É, como tal, juridicamente inexistente, o que significa não possuir sequer condições para ser inválido, encontrando-se as autoridades públicas eximidas de qualquer dever de lhes conceder sequência ou dar cumprimento.
              23.ª — E, por ser assim, a Procuradoria-Geral da República, apesar da função meramente instrumental que a Convenção da Cidade da Praia, de 23 de novembro de 2005, lhe confere como autoridade central, e não obstante a coadjuvação que lhe cumpre prestar às comissões parlamentares de inquérito, nos termos do artigo 13.º, n.º 2, da Lei n.º 5/93, de 1 de março, não pode expedir como cartas rogatórias nem sob outra forma de cooperação judiciária internacional, as convocações que lhe fez chegar a Assembleia da República, em 11‑09-2024, a fim de as autoridades judiciárias brasileiras notificarem dois cidadãos brasileiros para deporem num inquérito parlamentar.
              24.ª — Apenas o estreitamento das relações de cooperação interparlamentar, por via de tratados ou de acordos internacionais, constitui meio idóneo para conferir às investigações parlamentares o alcance extraterritorial que se mostre legítimo e necessário, num mundo em que a mobilidade das pessoas e da informação tanto produz dispersão, como concita o emprego facilitado de comunicações à distância, de som e imagem, em tempo real.
 
[1] Por despacho de 17/09/2024. De igual modo, designou o Relator a quem o expediente foi presente nessa mesma data.

[2] Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, com a redação que lhe imprimiu a Lei n.º 2/2020, de 31 de março. Dispõe-se no n.º 2 do artigo 46.º que os projetos de parecer solicitados com declaração de urgência são elaborados, discutidos e votados com prioridade sobre os demais.

[3] Sob esta designação, por extenso ou pela sigla CRP, referimo-nos, salvo indicação em contrário à Constituição da República Portuguesa, aprovada pelo Decreto de 10 de abril de 1976, na sua atual redação, fruto das revisões constitucionais sucessivamente aprovadas pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro, pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de julho, pela Lei Constitucional n.º 1/92, de 25 de novembro, pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, pela Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de dezembro, pela Lei n.º 1/2004, de 24 de julho, e pela Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de agosto.

[4] Lei n.º 5/93, de 1 de março, cuja redação conheceu alterações decorrentes da Lei n.º 126/97, de 26 de junho, da Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, da Lei n.º 29/2019, de 23 de abril, e da Lei n.º 30/2024, de 6 de junho. Todas as disposições legais sem outra referência dizem respeito a este diploma na sua atual redação.

[5] Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, alterada pela Lei n.º 104/2001, de 25 de agosto, pela Lei n.º 48/2003, de 22 de agosto, pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, pela Lei n.º 87/2021, de 15 de dezembro, e pela Lei n.º 42/2023, de 10 de agosto.

[6] Nos termos deste preceito, «Compete ao departamento de cooperação judiciária e relações internacionais, no âmbito da cooperação judiciária internacional: a) Assegurar as funções de autoridade central para efeitos de receção e transmissão de pedidos e de apoio à cooperação judiciária internacional em matéria penal, assim como noutros domínios em que essa competência lhe seja legalmente atribuída […].»

[7] Sem outra indicação da nossa parte, as referências abreviadas ao CPP identificam o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro (Cf. Declaração de Retificação de 31 de março de 1987), na atual redação que conta com as modificações introduzidas, sucessivamente, pelo Decreto-Lei n.º 397-E/87, de 29 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de junho, pela Lei n.º 57/91, de 13 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de outubro, pelo Decreto-Lei n.º 343/93, de 1 de outubro, pelo Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de novembro, pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, pela Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, pela Lei n.º 7/2000, de 27 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de fevereiro (Cf. Declaração de Retificação n.º 9-F/2001, de 31 de março), pela Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto (Cf. Declaração de Retificação n.º 16/2003, de 29 de outubro), pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto (Cf. Declaração de Retificação n.º 100-A/2007, de 26 de outubro), pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 19 de abril (Cf. Declaração de Retificação n.º 21/2013, de 19 de abril), pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de junho, pela Lei n.º 1/2016, de 25 de fevereiro, pela Lei n.º 40-A72016, de 22 de dezembro, pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, pela Lei n.º 1/2018, de 29 de janeiro, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, pela Lei n.º 33/2019, de 22 de maio, pela Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro, pela Lei n.º 102/2019, de 6 de setembro, pela Lei n.º 39/2020, de 18 de agosto, pela Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto, pela Lei n.º 79/2021, de 24 de novembro, pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, pela Lei n.º 13/2022, de 1 de agosto, pela Lei n.º 2/2023, de 16 de janeiro, e pela Lei n.º 52/2023, de 28 de agosto.

[8] Por Informação de 16-09-2024, exarada no DA n.º 14865/24-AP.

[9] Ofício XVI – 397/GPAR – AV/MJL – D 6534.

[10] Ofício XVI – 395/GPAR – jj – D 6540.

[11] Aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 764/74, de 30 de dezembro.

[12] Em conformidade com o Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.º 51/2021, de 20 de setembro.

[13] Assim, por exemplo, o Instrumento entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América conforme com o n.º 3 do Artigo 3.º do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre Auxílio Judiciário Mútuo, assinado em Washington, em 25 de junho de 2003, concentra o procedimento na Procuradoria-Geral da República e, pelo lado dos EUA, consoante a matéria, no Departamento de Justiça, no Departamento de Investigação e Tráfico de Estupefacientes, no Departamento de Assuntos Internos, no Departamento de Imigração e Alfândegas e no Departamento Federal de Investigação (Resolução da Assembleia da República n.º 44/2007, de 10 de setembro).

[14] Criado pelo Tratado de Amesterdão, de 2 de outubro de 1997, e que encontra a sua disciplina nos artigos 67.º a 89.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. São regras gerais sobre cooperação e regras específicas atinentes aos controlos de fronteiras, ao asilo e imigração, à cooperação judiciária em matéria civil e em matéria penal, além da cooperação policial. Há, de resto, uma agência europeia para a cooperação judiciária penal, conhecida pelo acrónimo EUROJUST.

[15] Em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho, foi aprovada a Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto (regime jurídico do mandado de detenção europeu), alterada pela Lei n.º 35/2015 de 4 de maio (em cumprimento da Decisão-Quadro 2009/299/JAI, do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009), pela Lei n.º 115/2019, de 12 de setembro, e pela Lei n.º 52/2023, de 28 de agosto (completando a transposição da Decisão-Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho de 2002, da Diretiva (UE) 2010/64, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, da Diretiva (UE) 2012/13, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, e da Diretiva (UE) 2013/48, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013), cuja redação ficaria assente nos termos da Declaração de Retificação n.º 21/2023, de 19 de setembro.

[16] A Lei n.º 88/2017, de 21 de agosto, estabeleceu o regime jurídico da emissão, transmissão, reconhecimento e execução de decisões europeias de investigação em matéria penal, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva 2014/41/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação (DEI) em matéria penal. Foi alterada pela Lei n.º 42/2023, de 10 de agosto, a qual visou transpor a Diretiva (UE) 2022/211 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2022, que alterou a Decisão-Quadro 2002/465/JAI do Conselho, e a Diretiva (UE) 2022/228 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2022, que alterou a Diretiva 2014/41/UE.

[17] A Lei n.º 71/2015, de 20 de julho, transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva 2011/99/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à decisão europeia de proteção, estabelecendo o regime jurídico da emissão e transmissão entre Portugal e os outros Estados membros da União Europeia de decisões que apliquem medidas de proteção, adotadas com o objetivo de proteger uma pessoa contra um ato criminoso de outra pessoa que possa colocar em perigo a sua vida, integridade física ou psicológica, dignidade, liberdade pessoal ou integridade sexual, permitindo dar continuidade à proteção no espaço da União Europeia na sequência de uma conduta criminosa.

[18] Cf. Lei n.º 88/2017, de 21 de agosto, com as alterações já citadas na nota 16.

[19] Aprovado em Conselho de Ministros de 8 de abril de 1998 e assinado o respetivo decreto pelo Presidente da República em 8 de maio de 1998.

[20] Ainda que uma emenda aprovada em 1994 haja excluído a perda no caso «de imposição de naturalização pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência no seu território ou para o exercício de direitos civis», como informa RUI MANUEL MOURA RAMOS, Nacionalidade, plurinacionalidade e supranacionalidade na União Europeia e na Comunidade dos Estados de Língua Portuguesa, in Estudos de Direito Português da Nacionalidade, Editora Gestlegal, Coimbra, 2019, p. 481, em especial, nota (29). Trata-se de exceção que dificilmente se aplicará à aquisição da nacionalidade portuguesa em vista do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Porto Seguro, em 22 de abril de 2000​​, o qual estabelece um estatuto de igualdade de direitos e deveres.

[21] Tratado que foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 83/2000, de 14 de dezembro, e ratificado com o Decreto do Presidente da República n.º 79/2000, de 14 de dezembro. O Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de julho, regulamenta a aplicação do Tratado de Porto Seguro, no que respeita ao regime processual de atribuição e registo do estatuto de igualdade aos cidadãos brasileiros residentes em Portugal.

[22] Acerca da aplicação do estatuto de igualdade a estudantes brasileiros, em Portugal, v. Parecer n.º 23/2016, de 2 de março de 2017 (inédito).

[23] V. Parecer n.º 33/2018, de 19 de outubro (Diário da República, 2.ª Série, n.º 238, de 11 de dezembro de 2018), Parecer n.º 4/2015, de 5 de março (inédito), Parecer n.º 27/2012, de 25 de outubro (inédito), Parecer n.º 16/2009, de 28 de maio (Diário da República, 2.ª Série, de 7 de julho de 2009), Parecer n.º 51/99, de 5 de maio de 2000 (inédito), Parecer n.º 53/98, de 7 de outubro (Diário da República, 2.ª Série, n.º 111, de 13 de maio de 1999), Parecer n.º 38/95, de 22 de fevereiro de 1996 (www.ministeriopublico.pt/pareceres), e Parecer n.º 56/94, de 9 de março de 1995 (www.ministeriopublico.pt/pareceres).

[24] Aguarda edição.

[25] E n.º 1 do artigo 233.º do Regimento da Assembleia da República. Referimo-nos ao Regimento da Assembleia da República n.º 1/2020, de 31 de agosto, modificado pelo Regimento da Assembleia da República n.º 1/2023, de 9 de agosto (cf. Declaração de Retificação n.º 20/2023, de 19 de setembro).

[26] Tão-pouco o arquivamento do inquérito penal eventualmente aberto pelo Ministério Público sobre os mesmos factos.

[27] Diário da República, n.º 238, 2.ª Série, de 11 de dezembro de 2018.

[28] «Compete à Assembleia da República, no exercício de funções de fiscalização: a) Vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da Administração […]».

[29] Teoria da Responsabilidade Política, Coimbra Editora, 2008, p. 135.

[30] A generalidade — diz o Autor — pois podem verificar-se, concomitantemente os pressupostos da responsabilidade financeira, de acordo com o disposto nos artigos 57.º e seguintes da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas, sucessivamente, pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 1/2001, de 4 de janeiro, pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, pela Lei n.º 48/2006, de 29 de agosto, pela Lei n.º 35/2007, de 13 de agosto, pela Lei n.º 3-B72010, de 28 de abril, pela Lei n.º 61/2012, de 7 de dezembro, pela Lei n.º 2/2012, de 2 de janeiro, pela Lei n.º 20/2015, de 9 de março, pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, pela Lei n.º 12/2022, de 27 de junho, e pela Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro).

[31] Acerca da natureza das normas morais e deontológicas, na doutrina do Conselho Consultivo, v. Parecer n.º 9/2022, de 14 de julho (Diário da República, n.º 164, 2.ª Série, de 25 de agosto de 2022) e Parecer Complementar n.º 14/2007, de 10 de julho de 2009 (inédito).

[32] Sem haver, propriamente, normas ou princípios de correção política, são negativamente valorados, em regra, os comportamentos e afirmações contraditórios, a ocultação de factos, as ligações a indivíduos ou instituições suspeitos, as atitudes irrefletidas, as decisões desviadas de fins públicos, o favorecimento indevido a falta à verdade, as condutas arbitrárias ou prepotentes, a desconsideração de factos ou situações de interesse nacional ou a generalidade dos comportamentos contrários à boa-fé.

[33] Obra citada, p. 73.

[34] A Responsabilidade Política, Coleção Ensaios, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2010, p. 28.

[35] JORGE I (1714-27), Príncipe Eleitor de Hanôver, sucedeu à Rainha ANA (1702-14) na falta de um parente não católico mais próximo. Diz-se que, por não dominar a língua inglesa e se dedicar demasiado aos assuntos germânicos (pois manteve-se soberano do Hanôver, em união pessoal) terá contribuído para instituir, convencionalmente a figura do Primeiro-Ministro, especialmente com a nomeação de SIR ROBERT WALPOLE. É curioso que este, enquanto Membro do Parlamento, conheceu de perto o impeachment, pois, em 1712 fora acusado de venalidade e corrupção e, embora provado que não retirara qualquer proveito pecuniário, foi considerado culpado por alta traição e corrupção. A Câmara dos Comuns depô-lo, através do mecanismo de impeachment, e a Câmara dos Lordes confirmou a deliberação, sendo expulso do Parlamento e mantido preso na Torre de Londres por seis meses. Não obstante, viria a ser reeleito Member of Parliament em 1713, na sua circunscrição. A aversão que JORGE I não escondia, relativamente aos tories (conservadores) marcou a ascensão de WALPOLE no partido Wigh e nos diversos ofícios públicos a que foi chamado, até ser nomeado para o Cabinet, como Prime-Minister, em 1721, cargo que desempenhou ininterruptamente ao longo do reinado de JORGE II (1727-60) até 1742.

[36] WALTER BAGEHOT, A Constituição Inglesa (tradução de Ana Sampaio, de acordo com a 2.ª edição da obra, datada de 1873), Imprensa da Universidade de Lisboa, 2018, p. 23 e seguintes; COLIN TURPIN/ ADAM TOMKINS, British Government and Constitution, 7.ª edição, Editora Cambridge, 2012, p. 56.

[37] Elementos de Política Constitucional (Ciência Política, Teoria da Constituição e Direito Constitucional), Editora Almedina, Coimbra, 2023, p. 99.

(X) JORGE MIRANDA, Teoria do Estado e da Constituição, [Editora Almedina, Coimbra, 2020] p. 119-120.

[38] Aditado com a 1.ª Revisão Constitucional (1982) ao então artigo 181.º.

[39] Ou não possuíam na sua matriz originária. A respeito dos sistemas de administração judiciária, v. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume I, 4.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2015, p. 90 e seguintes; NUNO J. VASCONCELOS ALBUQUERQUE SOUSA, Noções de Direito Administrativo, 2.ª edição, Editora Gestlegal, Coimbra, 2020, p. 130 e seguintes; ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, Lições de Direito Administrativo, I, Editora Almedina, Coimbra, 2024, p. 97 e seguintes.

[40] A execução das decisões administrativas no direito inglês, in O Poder de Execução Coerciva das Decisões Administrativas: nos sistemas de tipo francês e inglês e em Portugal, Diogo Freitas do Amaral (coordenação), Editora Almedina, Coimbra, 2011, p. 253.

[41] https://www.parliament.uk/site-information/glossary/contempt/

[42] Parte III do Constitutional Reform Act de 2005, prevendo a criação do Supreme Court of the United Kingdom.

[43] As apelações eram, em rigor, dirigidas ao Rei no seu Parlamento. Em 1876, o Ato da Jurisdição de Apelação transferiu tais poderes jurisdicionais do Plenário da Câmara dos Lordes para um órgão mais restrito, no seu interior, composto pelos Lordes Judiciários, nomeados pelo Lorde Chanceler, à semelhança dos demais juízes. Em 2009, o Supremo Tribunal do Reino Unido tornou-se o novo tribunal de última instância e os Lordes Judiciários tomaram lugar na sua composição.

[44] https://www.parliament.uk/globalassets/documents/commons-information-office/g06.pdf

[45] Acerca do que deve ser considerado para este efeito como tribunal (court), v. NEIL PARPWORTH, Constitutional & Administrative Law, 12.ª edição, Oxford University Press, 2022, p. 476 e seguinte.

[46] A perturbação da atividade dos tribunais é sancionada nos termos do Contempt of Court Act de 1981.

[47] V. ANTÓNIO PEDRO BARBAS HOMEM, prefácio a WALTER BAGEHOT, A Constituição Inglesa, citado, p. ix e seguintes.

[48] “O novo regime jurídico dos inquéritos parlamentares”, in Estudos Comemorativos dos 10 Anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (Diogo Freitas do Amaral, Carlos Ferreira de Almeida, Marta Tavares de Almeida), volume I, Editora Almedina, Coimbra, p. 589.

[49] Seguimos a compilação de JORGE BACELAR GOUVEIA, As Constituições dos Estados da União Europeia, Vislis Editores, Lisboa, 2000, p. 451. Itálico nosso.

[50] Inédito.

[51] Neste sentido, numa perspetiva de direito comparado, v. NUNO PIÇARRA, Extensão e limites dos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais — atribuídos nos termos do artigo 181.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, às comissões parlamentares de inquérito (parecer), in Scientia Iuridica, n.º 244-246, 1993, p. 199 e seguintes.

[52] Sobre o instituto da coadjuvação em sentido próprio e suas origens no direito canónico pronunciou-se este corpo consultivo, recentemente, no Parecer n.º 3/2024, de 18 de janeiro, ali se considerando que o coadjutor exerce poderes que a lei permite sejam, quase indistintamente, exercidos por si ou pelo órgão coadjuvado, sem prejuízo de este reservar para si o exercício de alguns, de poder revogar, anular e modificar atos do coadjutor. Sempre que o coadjutor toma uma decisão, presume-se que o órgão principal abdicou da ordem de preferência que lhe assiste no exercício da competência comum, o que decorre das instruções ou diretrizes por si concedidas ou da prática reiterada. Tal configuração não permite reconhecer qualquer semelhança à coadjuvação judiciária com as comissões parlamentares de inquérito.  

[53] Direção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, Coimbra Editora, 2003, p. 24. Realce no original.

[54] Idem, p. 25.

[55] Organização do Sistema Judicial e Jurisdição (para uma sistemática alargada da realização do direito pelo juiz), Editora Almedina, Coimbra, 2024, p. 195.

[56] Sem prejuízo de tais atos políticos poderem ser lesivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos.

[57] Direito Processual Penal, Reimpressão da 1.ª edição (1974), Clássicos Jurídicos, Coimbra Editora, 2004, p. 46.

[58] Curso de Processo Penal, Volume I, 6.ª edição, Editora Verbo, Lisboa, 2010, p. 39.

[59] Ibidem.

(X) JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, ed. Policopiada das Lições coligidas por Maria João Antunes, secção de textos, da FDUC, 1988-9, p. 25.

[60] Acerca da atipicidade da infração disciplinar, v. VASCO CAVALEIRO, O Poder Disciplinar e as Garantias de Defesa do Trabalhador em Funções Públicas, 2.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2024, p. 42 e seguintes.

[61]   Comentário Judiciário do Código de Processo Penal (ANTÓNIO GAMA/ANTÓNIO LATAS/JOÃO CONDE CORREIA/JOSÉ MOURAZ LOPES/LUÍS LEMOS TRIUNFANTE/MARIA DO CARMO SILVA DIAS/ PAULO DÁ MESQUITA/PEDRO SOARES DE ALBERGARIA/TIAGO CAIADO MILHEIRO), Tomo I, 2.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2022, p. 49.

[62] Ilícito típico, resultado e hermenêutica (ou o retorno à limpidez do essencial), in Problemas fundamentais de Direito Penal — Homenagem a Claus Roxin, Organização de Maria da Conceição Valdágua, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2002, p. 32.

[63] V. Artigo 8.º, n.º 3, do regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares. V. JOSÉ DE MATOS CORREIA, A alteração do objeto das comissões parlamentares de inquérito de constituição obrigatória, in José Matos Correia e Ricardo Leite Pinto (coordenação), Estudos em Homenagem ao Professor António Martins da Cruz, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2020, p. 501 e seguintes.

[64] V. Parecer n.º 23/2024, de 5 de setembro.

[65] Nas palavras do Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão da 2.ª Subsecção, de 29 de março de 2011 (Proc.º 956/10), «A função política traduz-se numa atividade de ordem superior, que tem por conteúdo a direção suprema e geral do Estado, tendo por objetivos a definição dos fins últimos da comunidade e a coordenação das outras funções à luz desses fins», ao passo que a função administrativa «é o conjunto dos atos de execução de atos legislativos, traduzida na produção de bens e na prestação de serviços destinados a satisfazer necessidades coletivas que, por virtude de prévia opção legislativa, se tenha entendido que incumbem ao poder político do Estado-coletividade.» Por conseguinte, «Os atos políticos são os atos dos órgãos superiores do Estado, próprios da função política ou de Governo, relativos à definição dos interesses ou fins primaciais do Estado.»

[66] Direito Constitucional Português, volume II, Editora Almedina, Coimbra, 2010, p. 411.

[67] V. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4.ª edição, Coimbra Editora/Wolters Kluwer Portugal, 2010, p. 23.

[68] Referimo-nos ao Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, na sua 88.ª versão, segundo a redação que lhe conferiu a Lei n.º 28/2024, de 25 de julho.

[69] Idem, p. 24.

[70] Cuidou-se no Parecer n.º 23/2024, de 5 de setembro, da impraticabilidade dos impedimentos e motivos de recusa legítima de depoimento com base na relação com determinados sujeitos processuais, maxime com o arguido, já que estas categorias são ignoradas pelo inquérito parlamentar. Não obstante, encontrando-se em curso processo penal sobre os mesmos factos, as relações a que se referem os artigos 133.º e 134.º do CPP podem ser feitas valer no inquérito parlamentar.

[71] Neste sentido, v. Parecer n.º 23/2024, de 5 de setembro.

[72] Em aditamento introduzido pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril.

[73] Referimo-nos ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, amplamente revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, e que conhece, hoje, a sua 63.ª redação, dada pelas sucessivas alterações — última das quais, por via da Lei n.º 15/2024, de 29 de janeiro.

[74] Sobre a aplicação da lei penal portuguesa no espaço, v. JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal — Parte Geral, Tomo I, 3.ª edição, Gestlegal Editora, Coimbra, 2019, p. 242 e seguintes; MARIA FERNANDA PALMA, Direito Penal — Conceito material de crime, princípios e fundamentos; Teoria da lei penal: interpretação, aplicação no tempo, no espaço e quanto às pessoas, 4.ª edição, Editora AAFDL, Lisboa, 2019, p. 185 e seguintes; INÊS FERREIRA LEITE, O Conflito de Leis penais: natureza e função do direito penal internacional, Coimbra Editora, 2008; AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal – Parte Geral: questões fundamentais – teoria geral do crime, 3.ª edição, Universidade Católica Editora, Porto, 2016, p. 218 e seguintes; DUARTE RODRIGUES NUNES; Curso de Direito Penal – Parte Geral, Tomo I (Questões Fundamentais – Teoria Geral do Crime), Editora Gestlegal, Coimbra, 2021, p. 158 e seguintes; PEDRO CAEIRO, Fundamento, Conteúdo e Limites da Jurisdição Penal do Estado (O Caso Português), Coimbra Editora, 2010, p. 31 e seguintes, e, em especial, acerca dos limites decorrentes do direito internacional geral ou comum, v. p. 353 e seguintes.

[75] Sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal, v. LUÍS DE LEMOS TRIUNFANTE, Manual de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, Editora Almedina, Coimbra, 2018. Na doutrina do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, v. Parecer n.º 2/2016, de 17 de março, in Diário da República, n.º 75, 2.ª Série, de 18 de abril de 2016. Por despacho de 4 de abril de 2016, de Sua Excelência a Procuradora-Geral da República, a doutrina deste parecer deve ser seguida e sustentada pelos magistrados do Ministério Público. v., ainda, no último quartel, Informação-Parecer n.º 32/2014, de 15 de outubro, Informação-Parecer n.º 10/2014, de 4 de junho (e Informação-Parecer Complementar de 6 de abril de 2017), Informação-Parecer n.º 35/2011, de 26 de outubro, Informação-Parecer n.º 9/2009, de 28 de abril, Informação-Parecer n.º 4/2008, de 1 de junho de 2011, Informação-Parecer n.º 6/2007, de 24 de abril, Informação-Parecer n.º 1/2006, de 26 de julho de 2007, Informação-Parecer n.º 115/2005, de 28 de junho de 2006, Informação-Parecer n.º 18/2005, de 6 de junho de 2006 (e Informação-Parecer Complementar de 30 de dezembro de 2010), Informação-Parecer n.º 17/2005, de 24 de outubro, Informação-Parecer n.º 82/2004, de 22 de abril de 2005, Parecer n.º 29/2004, de 14 de julho, Informação-Parecer n.º 106/2003, de 22 de outubro de 2004, Parecer n.º 96/2002, de 24 de outubro, Parecer n.º 558/2000, de 27 de março de 2003, Informação-Parecer n.º 176/2000, de 15 de setembro, Informação-Parecer n.º 33/99, de 27 de janeiro de 2000, Informação-Parecer n.º 91/98, de 27 de outubro de 1999.

[76] No âmbito das Nações Unidas, v. n.º 2 do artigo 2.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, assinada em Nova Iorque, em 13 de dezembro de 1989, aprovada pela Resolução n.º 29/91, de 6 de setembro, e ratificada com o Decreto do Presidente da República n.º 45/91, de 6 de setembro; v. Artigo 3.º e n.º 21 do artigo 18.º da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, adotada pela Assembleia Geral, em 15 de dezembro de 2000, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 32/2004, de 2 de abril, e ratificada com o Decreto do Presidente da República n.º 19/2004, de 2 de abril; V. artigo 4.º e n.º 21 do artigo 46.º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia Geral, em 31 de outubro de 2003, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 47/2007, de 21 de setembro, e ratificada com o Decreto do Presidente da República n.º 97/2007, de 21 de setembro. Para uma retrospetiva da cooperação judiciária internacional, em matéria penal, v. LUÍS DE LEMOS TRIUNFANTE, A Cooperação Judiciária Europeia em Matéria Penal: o Espaço Ibérico em Particular. Coimbra Editora, 2013, p. 31 e seguintes.

[77] As convenções internacionais de cooperação judiciária em matéria penal podem compreender limitações da soberania, por compressão da jurisdição nacional, que os Estados estão dispostos a reconhecer com objetivos de combate à criminalidade. A responsabilidade política, pelo contrário, é vista como um assunto eminentemente interno, relativamente ao qual os Estados têm de usar dos maiores cuidados para não ofenderem a proibição de ingerência no domínio interno, tal como prevista pelo n.º 7 do artigo 2.º da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945.

[78] Assim, o n.º 3 do artigo 1.º dispõe a sua aplicação subsidiária à cooperação em matéria de infrações de natureza penal, na fase em que tramitem perante autoridades administrativas, bem como de infrações que constituam ilícito de mera ordenação social, cujos processos admitam recurso judicial.

[79] Dispõe-se no n.º 1 do artigo 113.º da Constituição o seguinte: «O sufrágio direto, secreto e periódico constitui a regra geral de designação dos titulares dos órgãos eletivos da soberania, das regiões autónomas e do poder local». E, por seu turno, garante-se no n.º 1 do artigo 10.º o seguinte: «O povo exerce o poder político através do sufrágio universal, igual, direto, secreto e periódico, do referendo e das demais formas previstas na Constituição». Encontram-se todas estas características na Lei Eleitoral para a Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 de maio, cuja redação foi retificada em conformidade com declarações de 17 de agosto e de 10 de outubro de 1979, alterada pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, pela Lei n.º 14-A/85, de 10 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 55/88, de 26 de fevereiro, pela Lei n.º 5/89, de 17 de março, pela Lei n.º 18/90, de 24 de julho, pela Lei n.º 31/91, de 20 de julho, pela Lei n.º 72/93, de 30 de novembro, pela Lei n.º 10/95, de 7 de abril, pela Lei n.º 35/95, de 18 de agosto, pela Lei Orgânica n.º 1/99, de 22 de junho, pela Lei Orgânica n.º 2/2001, de 25 de agosto, pela Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de dezembro, pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro, pela Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho, pela Lei Orgânica n.º 10/2015, de 14 de agosto, pela Lei Orgânica n.º 3/2018, de 17 de agosto, e pela Lei Orgânica n.º 4/2020, de 11 de novembro.

[80] A respeito da incompatibilidade decorrente da ausência do país, v. JORGE PEREIRA DA SILVA In JORGE MIRANDA/ RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 249 e seguintes.

[81] V. J. J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 354 e seguintes; JORGE PEREIRA DA SILVA, local citado, p. 261 e seguintes.

[82] Deste Conselho, v. Parecer n.º 72/2003, de 1 de abril de 2004, em que se formulou, entre outras, a conclusão seguinte: «Os cidadãos brasileiros residentes em Portugal, titulares do estatuto de igualdade de direitos políticos, previsto no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Porto Seguro em 22 de Abril de 2000, gozam de capacidade eleitoral ativa para a eleição do Presidente da República, mas não gozam de capacidade eleitoral ativa para a eleição do Parlamento Europeu.»

[83] Ley Organica 5/1984, de 24 de maio, na atual redação que remonta a 24 de novembro de 1995 (Boletim Oficial de Espanha, n.º 126, de 26 de maio de 1984).

[84] A menos que seja estipulada por tratado ou por acordo, que tenham por objeto reforçar a cooperação interparlamentar.

[85] Sobre esta Convenção, V. JORGE DOS REIS BRAVO, Cooperação e recuperação de ativos na comunidade dos países de língua portuguesa, in Maria Raquel Desterro Ferreira/Elina Lopes Cardoso/João Conde Correia, Cooperação internacional para efeitos de recuperação de ativos, Editora Almedina, Coimbra, 2021, p. 427 e seguintes.

[86] Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, citado, p. 656.

[87] Citado.

[88] Assim, nos termos do n.º 13 do artigo 46.º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, já citada, a relação com as autoridades judiciárias internas processa-se através da autoridade central, sem embargo de os pedidos de auxílio mútuo serem internacionalmente veiculados pela INTERPOL ou por meios diplomáticos.

[89] Assim, por exemplo, nos termos do artigo 14.º do Tratado de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre a República Portuguesa e os Estados Unidos Mexicanos, assinado em Lisboa, em 20 de outubro de 1998, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 48/99, de 30 de junho, e ratificado com o Decreto do Presidente da República n.º 150/99, de 30 de junho, cumpre às autoridades centrais enviarem e receberem das autoridades judiciárias internas os pedidos de auxílio, ainda que, a nível internacional, seja transmitidos por via diplomática.

[90] Sem prejuízo da eficácia de muitas das suas normas e princípios ser devida à sua fonte consuetudinária, como direito internacional geral ou comum (n.º 1 do artigo 8.º da Constituição), Portugal veio a aderir à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969, mediante ratificação com o Decreto do Presidente da República n.º 47/2003, de 7 de agosto, precedendo aprovação pela Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003, de 7 de agosto. Refira-se que a declaração interpretativa formulada com a adesão em nada releva para a economia do parecer.

[91] Um dos instrumentos pioneiros do auxílio mútuo internacional em matéria penal, a Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo, de 20 de abril de 1959 (Conselho da Europa), aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/94, de 14 de julho, e ratificada para adesão com o Decreto do Presidente da República n.º 56/94, de 14 de julho, prevê poder ser recusada a prestação de auxílio judiciário se este «respeitar a infrações consideradas pela Parte requerida como infrações políticas ou com elas conexas ou como infrações fiscais» [alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º]. O fundamento da natureza fiscal, porém, tornou-se menos categórico com o Protocolo Adicional a que Portugal igualmente aderiu (Resolução da Assembleia da República n.º 49/94, de 12 de agosto, e Decreto do Presidente da República n.º 64/94, de 12 de agosto). O Segundo Protocolo Adicional, aberto para assinatura em Estrasburgo, em 8 de novembro de 2001, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 18/2006, de 9 de março, e ratificado com o Decreto do Presidente da República n.º 17/2006, de 9 de março, permite estender o auxílio judiciário mútuo a «processos instaurados pelas autoridades administrativas por factos puníveis nos termos do direito da Parte requerente ou da parte requerida como infrações a disposições regulamentares, quando da decisão caiba recurso para um órgão jurisdicional competente, nomeadamente em matéria penal» (n.º 3 do artigo 1.º). Refira-se que este acervo, em bora seja património do Conselho da Europa, também constitui o cerne do auxílio judiciário mútuo entre Estados da União Europeia, visto que é o ponto de partida da Convenção de Bruxelas de 29 de maio de 2000, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 63/2001, de 16 de outubro, e ratificada com o Decreto do Presidente da República n.º 53/2001, de 16 de outubro, e do Protocolo do Luxemburgo, de 16 de outubro de 2001, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 61/2006, de 6 de dezembro, e ratificado com o Decreto do Presidente da República n.º 119/2006, de 6 de dezembro.

[92] Princípio que remonta à citada Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo, de 20 de abril de 1959, e que estabelece como condição do auxílio mútuo ser a conduta punida criminalmente em ambas as ordens jurídicas: a do Estado requerente e a do Estado requerido.

[93] Questão, hoje, pacífica na doutrina e na jurisprudência, pelo que seria ocioso qualquer desenvolvimento a este propósito. Em todo o caso, por todos, v. MARIA LUÍSA DUARTE, Direito Internacional Público e Ordem Jurídica Global do Século XXI, 2.ª edição, Editora AAFDL, 2023, p. 332 e seguintes.

[94] Sobre a inexistência jurídica no direito processual penal, v. MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, Volume 1.º, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1993, p. 191 e seguintes; JOÃO CONDE CORREIA, Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais, Studia Iuridica (44), Coimbra Editora, 1999; DUARTE RODRIGUES NUNES, Curso de Direito Processual Penal, 1, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2023, p. 458 e seguintes. Relativamente à inexistência de atos políticos por preterição de requisitos de qualificação, v. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Parecer, in O Presidente da República e o Parlamento: o procedimento legislativo (AA VV), Presidência da República/Assembleia da República, Lisboa, 2004, p. 47 e seguintes; JORGE MIRANDA, Parecer, idem, 107 e seguintes; MIGUEL GALVÃO TELES, Parecer, idem, p. 173 e seguintes; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Parecer, idem, p. 215 e seguintes. Por fim, no direito público, em geral, v. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2005, p. 88 e seguintes; MARCELO REBELO DE SOUSA, Valor Jurídico do Ato Inconstitucional – I, Lisboa, 1988, p. 167 e seguintes; MIGUEL GALVÃO TELES, Eficácia dos tratados na ordem interna portuguesa (condições, termos, limites), Lisboa, 1967, pp. 135 e seguinte.

[95] Sobre a retrospetiva dogmática do conceito no direito civil francês, v. JOÃO CONDE CORREIA, obra citada, p. 112 e seguintes.

[96] Idem, p. 114 e seguinte.

[97] Idem, p. 116.

[98] Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2005, p. 91.

(X) Cf. A distinção entre validade e regularidade dos atos eleitorais no artigo 113.º, n.º 7, da Constituição.»

[99] Obra citada, p. 460 e seguintes.

[100] https://www.cplp.org/id-3872.aspx

[101] Concluído em Montevideu, em 25-26 de setembro de 2006.

[102] Poderes e limites de atuação das comissões parlamentares de inquérito no Direito brasileiro e no Direito português, in O Direito, Ano 143 (2011), II, p. 236 e seguintes.
 
Legislação
CONST76; L 5/93, de 1/03; L 144/99, de 31/08; EMP2019; CPP87; CCiv66; CP82; DL 764/74, de 30/12; L88/17, de 21/08; l98/97, dE 26/08
Jurisprudência
AC STA, de 2011/03/29
Referências Complementares
Convenção da Haia sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, de 18/03/1970;
Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinada em 22/04/2000;
Regimento da Assembleia da República;
Carta das Nacões Unidas, assinada em 26/06/1945;
Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Lígua  Portuguesa, de 23/11/2005;
Convenção de Viena sobre  o Direito dos Tratados, de 23/05/1969;
Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo, do Conselho da Europa , de 20/04/1959;
Convenção das Nacões Unidas Contra a Corrupção, de 31/10/2003
 
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