23/2024, de 05.09.2024

Número do Parecer
23/2024, de 05.09.2024
Data do Parecer
05-09-2024
Número de sessões
1
Tipo de Parecer
Parecer
Votação
Maioria
Número de votos vencidos
1
Iniciativa
AR - Presidente da AR
Entidade
Assembleia da República
Relator
Eduardo André Folque da Costa Ferreira
Votantes / Tipo de Voto / Declaração

Carlos Adérito da Silva Teixeira

Votou em conformidade


Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou em conformidade


José Joaquim Arrepia Ferreira

Votou em conformidade


Carlos Alberto Correia de Oliveira

Votou em conformidade


Ricardo Lopes Dinis Pedro

Votou em conformidade


Helena Isabel Ribeiro Carmelo Dias Bolieiro

Votou em conformidade


Maria de Fátima Cortes Pereira Belchior de Sousa

Votou em conformidade


Maria Carolina Durão Pereira

Votou em conformidade


João Conde Correia dos Santos

Votou parcialmente vencidoe

Descritores
INQUÉRITO PARLAMENTAR
RESPONSABILIDADE POLÍTICA
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
DIREITO POTESTATIVO
  PODER DE INVESTIGAÇÃO
INTIMAÇÃO
  AUTORIDADE JUDICIAL
RESERVA DE JUIZ
  ACESSO A DOCUMENTOS
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA E FAMILIAR
PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS
  SIGILO DAS COMUNICAÇÕES
 
NEMO TENETUR SE IPSO ACCUSARE
  CORREIO ELETRÓNICO
DOCUMENTO DIGITAL
RESERVA DE PROCESSO CRIMINAL
DEVER GERAL DE COLABORAÇÃO
INCUMPRIMENTO DA INTIMAÇÃO
PROCESSO CIVIL

 
 
Conclusões
                                                                                 XV.
                                                                          Conclusões.
       As precedentes considerações e os elementos carreados ao longo da exposição permitem ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República apresentar as conclusões seguidamente enunciadas:

              1.ª — Os Deputados requerentes do Inquérito Parlamentar n.º 4/XVI/1.ª, ao solicitarem do Presidente da Assembleia da República os seus bons ofícios, a fim de, sob cominação penal, serem requisitados informações e documentos ao Presidente da República e aos serviços que lhe prestam apoio, confiam-lhe o escrutínio da legitimidade da ordem.

              2.ª — O Presidente da Assembleia da República não se encontra obrigado a conceder a sua assinatura à requisição coerciva de informações e documentos, fundada no n.º 4 do artigo 13.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março (Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares), se entender que a requisição exorbita do objeto do inquérito, tal como foi previamente delimitado e admitido, ou infringe, de modo inequívoco, norma constitucional, legal ou regimental.

              3.ª — Em cumprimento do n.º 6 do artigo 13.º, do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, a solicitação de informações ou documentos deve transcrever a cominação, manifestando, assim, a prerrogativa atribuída às comissões parlamentares de inquérito pelo n.º 5 do artigo 178.º da Constituição: a de serem assistidas por poderes próprios das autoridades judiciais.

              4.ª — A solicitação constitui, em rigor, uma requisição coerciva, uma intimação ou injunção, que o Presidente da Assembleia da República, ao assinar, convolaria num ato do Parlamento, e em cujo teor se cominaria o eventual incumprimento pelo Presidente da República (sob a equívoca designação Presidência da República) com o crime de desobediência qualificada, previsto e punido nos termos do n.º 2 do artigo 348.º do Código Penal.  

              5.ª — O n.º 4 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, ao dispor que as diligências instrutórias promovidas pelos Deputados requerentes do inquérito são de realização obrigatória, mais não faz do que subtrair a verificação da sua utilidade à aprovação colegial da comissão parlamentar de inquérito, mas sem com isso impor ao Presidente da Assembleia da República um dever de obediência.        

              6.ª — Vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis, nos termos da alínea a) do artigo 162.º da Constituição, não apenas é uma incumbência da Assembleia da República, mas também do seu Presidente, designadamente por meio da fiscalização política da constitucionalidade das iniciativas legislativas (artigo 125.º do Regimento da Assembleia da República) e dos próprios inquéritos parlamentares (n.º 3 do artigo 4.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares), conferindo-lhe, ainda, um “droit de regard” sobre o expediente que assina, ao representar externamente a Assembleia da República, em conformidade com a alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Regimento.

              7.ª Na apreciação da legalidade de uma requisição de informações e documentos à ordem de inquérito parlamentar, o Presidente da Assembleia da República deve conhecer da suficiência da fundamentação e examinar, em especial, se são respeitados os direitos, liberdades e garantias e o equilíbrio de poderes constitucionais entre os diversos órgãos de soberania, na certeza de que só o Governo responde politicamente perante a Assembleia da República (artigo 190.º da Constituição), tanto pelos seus atos como pelos atos da Administração Pública da qual constitui o órgão superior (artigo 182.º).

              8.ª Ao fazê-lo, o Presidente da Assembleia da República deve assegurar-se da legitimidade da ordem, pois a cominação com a pena prevista para o crime de desobediência qualificada, enunciada pelos n.ºs 5 e 6 do artigo 13.º, por referência ao n.º 1 do artigo 19.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, não é eficaz se a ordem for ilegítima, como decorre do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal.

              9.ª De resto, a função dos presidentes dos órgãos colegiais assegurarem o cumprimento da lei nas deliberações tomadas é expressão de um princípio geral de direito público, comum ao direito parlamentar, não obstante só conhecer formulação expressa no n.º 2 e no n.º 4 do artigo 21.º do Código do Procedimento Administrativo.

              10.ª — O n.º 4 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares constitui norma especial, e não excecional, diante do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, pelo que não afasta o dever de os Deputados requerentes do inquérito fundamentarem as requisições potestativas de informações.

              11.ª Fundamentação que não se satisfaz com fórmulas vagas, nem com um simples juízo de utilidade da informação para o inquérito parlamentar, especialmente se a intimação se mostrar suscetível de comprometer dados pessoais, a reserva da intimidade da vida privada e familiar ou a inviolabilidade da correspondência e das comunicações.    

              12.ª — Ao exercerem os poderes conferidos pelos n.os 3 e 4 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, a comissão parlamentar de inquérito ou os Deputados requerentes do inquérito, consoante o caso, devem justificar os pedidos de informação e de acesso a documentos não inteiramente públicos segundo critérios de adequação, estrita necessidade e proporcionalidade, não bastando invocar, muito menos, dar por presumida, a simples utilidade para o inquérito parlamentar.

              13.ª — O correio eletrónico, as mensagens trocadas por telemóvel ou através de equipamentos afins e o registo de chamadas telefónicas encontram-se excluídos do acesso a documentos administrativos [alínea b), do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto], por se encontrarem sob uma proteção qualificada dos dados (artigo 35.º, n.º 4, da Constituição) e da reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1).

              14.ª — Ademais, encontram-se sob a esfera de proteção do n.º 4 do artigo 34.º da Constituição, em que se proíbe «toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal».

              15.ª — A compressão de tais bens constitucionalmente protegidos, — esteja, ou não, em causa a reserva da intimidade da vida privada — só pode ocorrer, no nosso ordenamento jurídico, cumpridas três condições, a saber: (i) reserva de lei (i.e., haver previsão legal expressa dos termos da obtenção de informação naquele domínio), (ii) reserva de juiz (ou, em certos casos, de autoridade judiciária) e (iii) reserva de processo (no âmbito de um concreto processo criminal).

              16.ª — O n.º 4 do artigo 34.º da Constituição, ao ressalvar os «casos previstos na lei em matéria de processo criminal», circunscreve uma tal intervenção restritiva a um concreto processo criminal, o que não vale para o inquérito parlamentar, mesmo quando, em paralelo, corra um procedimento criminal que verse sobre os mesmos factos.

              17.ª — A qualificação de determinados factos como matéria de processo criminal e o que tal implica ao nível da descoberta da verdade para efeitos de administração da justiça levou a norma constitucional a admitir restrições que não reconheceu à função informativa do inquérito parlamentar.

              18.º — Os inquéritos parlamentares não se destinam simplesmente a vigiar pelo cumprimento da Constituição e da lei, pois têm de incidir na apreciação de atos do Governo ou da Administração Pública, em conformidade com a alínea a) do artigo 162.º da Constituição, o que exclui do seu âmbito os órgãos que não respondam politicamente perante a Assembleia da República.

              19.ª — O Presidente da República não responde politicamente perante nenhum outro órgão de soberania, com a única exceção da perda do mandato por se ausentar do território nacional sem assentimento parlamentar, nos termos dos n.os1 e 3 do artigo 129.º da Constituição.

              20.ª Pelo contrário, é a Assembleia da República a responder politicamente prante o Presidente da República, como resulta do poder de veto político (n.º 1 do artigo 136.º da Constituição), da recusa à ratificação de tratados internacionais já aprovados [alínea b) do artigo 135.º] e, principalmente, do poder de dissolução parlamentar [alínea e) do artigo 133.º da Constituição].

              21.ª — A responsabilidade coletiva da Assembleia perante o Presidente da República em nada representa uma responsabilidade política de cada um dos Deputados, porquanto a sanção política de perda do mandato resume-se a duas hipóteses de responsabilidade intraparlamentar: inscreverem-se em partido político diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio [alínea c) do n.º 1 do artigo 160.º da Constituição) ou participarem em organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista [alínea d)].

              22.ª A legitimidade democrática daqueles dois órgãos de soberania assenta, por igual, no sufrágio periódico, direto e universal (n.º 1 do artigo 113.º da Constituição), motivo por que a perda do mandato de Presidente da República por crime praticado no exercício de funções é efeito da condenação do titular, não pela Assembleia da República, mas pelo Supremo Tribunal de Justiça (n.º 1 do artigo 130.º da Constituição).

              23.ª Ainda que a investigação de crime praticado pelo Presidente da República no desempenho do mandato seja da iniciativa de um quinto dos Deputados em efetividade de funções, a comissão especial, a constituir nos termos do artigo 252.º do Regimento, não é, nem pode ser, uma comissão parlamentar de inquérito.

              24.ª — Tal comissão especial tem de proporcionar ao Presidente da República, constituído arguido, todas as garantias constitucionais de aplicação da lei penal e da lei processual penal, ao contrário do que se verifica nas comissões parlamentares de inquérito, relativamente aos titulares de cargos políticos que tenham de prestar contas à Assembleia da República.

              25.ª — Por outro lado, em caso algum se encontra o Presidente da República obrigado a prestar informações ou a facultar documentos a um inquérito parlamentar, ainda que o possa fazer, por sua iniciativa, à semelhança do que prevê, quanto à prestação de depoimento, o n.º 2 do artigo 16.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares.

              26.ª — Com efeito, nem o Presidente da República, nem os serviços que lhe prestam apoio direto e pessoal, designadamente as Casas Civil e Militar ou o Gabinete, estão sujeitos a fiscalização parlamentar, tal como é definido o seu alcance na alínea a) do artigo 162.º da Constituição, pois não se encontram sob a direção, superintendência nem tutela administrativa do Governo [alínea d) do artigo 199.º].

              27.ª — Muito menos, poderiam o Presidente da República ou os serviços que lhe prestam apoio facultar documentos pessoais de terceiros ou outra informação privada sem a autorização dos legítimos titulares dos correspondentes direitos, exerçam, ou não, funções ao serviço do Presidente da República.

              28.ª — A relação do Presidente da República com o inquérito parlamentar não representa uma singularidade, pois também os Tribunais se encontram fora do seu âmbito e, por razões de separação vertical de poderes, os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas e até os órgãos do poder local.  

              29.ª — A insistirem os Senhores Deputados na necessidade de tais informações, devem pedi-las individualmente a quem possa com legitimidade consentir na sua prestação, o que exclui, em qualquer o caso, o Presidente da República.

              30.ª — A obtenção de informações e documentos por parte das comissões parlamentares de inquérito, apesar de discriminada no n.º 3 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, constitui um poder de autoridade judicial, nos termos do n.º 1, uma vez que o seu incumprimento faz incorrer em responsabilidade penal, motivo por que não pode subtrair-se ao cumprimento das normas processuais aplicáveis ao juiz.

              31.ª — E, por ser assim, a obtenção de informações e documentos ali prevista não pode deixar de se conformar com as contingências que decorrem da lei processual aplicável à autoridade judicial, em especial do direito processual penal, ao ser aplicado no desempenho da função política do Estado.

              32.ª — Ora, a lei processual não pode ser aplicada por uma comissão parlamentar de inquérito ao deparar com pressupostos e requisitos cujo preenchimento se mostra incompatível com a função política do Estado, em geral, e com o funcionamento das comissões parlamentares de inquérito, em especial, como sucede no processo penal, relativamente a normas que importem considerar o estatuto do arguido ou a condição de suspeito, que protegem terceiros por relação com o arguido, ou cuja aplicação se encontra condicionada à investigação de certos crimes ou de certo tipo de crimes, a partir de uma notitia criminis.

              33.ª — Por este motivo, com vista a obter o acesso a documentos eletrónicos ou digitais em sistemas informáticos, não pode o inquérito parlamentar adotar a injunção prevista no n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime), e obrigar quem tiver disponibilidade sobre esses dados a facultar-lhos.

              34.ª — Não obstante as comissões parlamentares de inquérito disporem dos poderes de autoridade judicial não constitucionalmente reservados ao juiz (n.º 1 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares) e de o juiz, uma vez aberta a instrução, poder praticar tal injunção, este meio processual penal mostra-se incompatível com o inquérito parlamentar.

              35.ª — Incompatibilidade que assoma no n.º 5 do artigo 14.º da Lei do Cibercrime, ao impedir que a injunção vise o arguido ou o simples suspeito, pois o inquérito parlamentar ignora tais estatutos e nem sequer identifica os visados, de modo a reconhecer-lhes a garantia “nemo tenetur se ipsu accusare” que o legislador processual penal tem em vista no referido preceito.  

              36.ª — Ao que acresce tratar-se de matéria sob reserva de processo criminal, como decorre do n.º 4 do artigo 34.º da Constituição e do n.º 1 do artigo 11.º da Lei do Cibercrime, que o reflete, ao determinar que as disposições processuais penais do artigo 14.º e seguintes têm como pressuposto a investigação de um crime.

              37.ª — E, não prevendo o Código de Processo Penal a injunção para entrega de informações ou documentos, cumpre ao inquérito parlamentar recorrer aos poderes inquisitórios do juiz cível, consignados pelo artigo 417.º do Código de Processo Civil.

              38.ª — A recusa legítima de colaboração, prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 417.º do Código de Processo Civil, permite ao destinatário da requisição de informações ou documentos pessoais não a satisfazer se tal implicar uma intromissão na sua vida privada ou familiar, no seu domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, o que deve levar a comissão parlamentar de inquérito, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 7 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, a cancelar a diligência.

              39.ª — Com efeito, não pode valer-se do incidente para quebra de segredo, da competência das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 13.º-A do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares), pois este meio processual não contempla a reserva da intimidade da vida privada e familiar, mas apenas o segredo profissional e o segredo de funcionário, em conformidade com a remissão efetuada pelo n.º 7 do artigo 13.º para a lei processual penal.

              40.ª No entanto, aos Senhores Deputados assiste, em geral, a coadjuvação das autoridades judiciárias, prevista no n.º 2 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, designadamente para obterem meios de prova em conformidade com o regime processual respetivo.

              41.ª O que os não desobriga, nem à Comissão Parlamentar de Inquérito, de cumprirem e fazerem cumprir as disposições do Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 (Regulamento Geral de Proteção de Dados), em conformidade com o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 16 de janeiro de 2024 (Österreichische Datenschutzebehörde).

              42.ª — Isto, porque o inquérito parlamentar, não podendo visar particulares (pelo menos, aqueles que não exerçam funções públicas, nem sejam significativamente subvencionados pelo Estado), confere às respetivas comissões parlamentares poderes de investigação que não excluem as pessoas singulares das entidades privadas, tal como são mencionadas pelo n.º 3 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares.
 
Texto Integral
N.º 23/2024
(Proc.º 19/24)
AF
 
 
                                           Senhor Presidente da Assembleia da República,

                                           Excelência, 


                                             
 

      

       §1. — Com a legitimidade que o artigo 44.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público[1] reconhece ao Presidente da Assembleia da República, é consultada a Procuradoria-Geral da República relativamente aos poderes de investigação dos Deputados requerentes do Inquérito Parlamentar n.º 4/XVI/1.ª[2], cujo objeto se encontra oficialmente definido nos termos seguintes[3]:
              «Verificação da legalidade e da conduta dos responsáveis políticos alegadamente envolvidos na prestação de cuidados de saúde a duas crianças (gémeas) tratadas com o medicamento Zolgensma».
       Apresenta ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República[4] um conjunto de questões acerca dos poderes de investigação das comissões parlamentares de inquérito, seu alcance e extensão, e daqueles que, por direito próprio, assistem aos Deputados requerentes do inquérito parlamentar, a exercer, sem necessidade de anuência pela comissão, nos termos da Lei n.º 5/93, de 1 de março[5].
       De modo especial, está em causa a intimação aos membros do Governo, às autoridades judiciárias, aos órgãos e serviços da Administração, às demais entidades públicas, incluindo as entidades reguladoras independentes, para prestarem as informações e documentos que os Senhores Deputados julguem úteis à realização do inquérito.
       Intimação que se estende às entidades privadas, investidas, ou não, de poderes públicos de autoridade, com ou sem o estatuto de utilidade pública, e sem distinção alguma entre pessoas singulares e pessoas coletivas.
       Do exercício de tal poder, com vista a obter meios de prova e de os carrear para o inquérito parlamentar, podem decorrer ingerências restritivas em direitos, liberdades e garantias pessoais, tanto mais que o não cumprimento da intimação é suscetível de fazer o destinatário incorrer na prática de um crime de desobediência qualificada.
       Especialmente vulneráveis mostram-se os direitos, liberdades e garantias pessoais, no domínio informativo: a reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição[6]), a proteção dos dados pessoais (artigo 35.º, n.º 3) e a inviolabilidade das comunicações (artigo 34.º, n.º 4), pois, com efeito, pretendem os Senhores Deputados aceder, não apenas ao teor de documentos administrativos, (v.g. ofícios e demais expediente oficial), como também ao registo de comunicações telefónicas e ao teor de cartas, de mensagens trocadas por correio eletrónico, por telemóvel ou por meio de equipamentos eletrónicos com funcionalidades equivalentes.
       Visto serem de realização obrigatória[7] as requisições informativas e documentais, e, uma vez solicitada a intervenção do Presidente da Assembleia da República, a fim de providenciar, junto da Presidência da República, pelo seu cumprimento, sob cominação, importa aquilatar a vinculação com que possa confrontar-se diante do que considere infringir normas constitucionais e regimentais, importar uma atuação ultra vires, relativamente ao objeto do inquérito parlamentar, ou não se encontrar suficientemente fundamentado.
       Mais nos é representada a conveniência de nos pronunciarmos com a «brevidade possível» — o que foi considerado como solicitação de urgência para os devidos efeitos[8].
       Com efeito, a urgência é própria da natureza dos inquéritos parlamentares, motivo por que à Comissão Parlamentar, instituída em 9-05-2024, foram concedidos não mais de 120 dias, a contar da investidura dos seus membros, em 22-05-2024, para levar a cabo as inquirições e concluir se os responsáveis políticos, alegadamente envolvidos na administração do referido fármaco, com elevado encargo financeiro do Serviço Nacional de Saúde, atuaram, ou não, em conformidade com a lei e com padrões éticos de conduta.
       Por isso, os inquéritos parlamentares, o funcionamento das comissões e a obtenção de meios de prova possuem carácter de urgência, de tal sorte que a prestação das informações e documentos requisitados «tem prioridade sobre quaisquer outros serviços e deve ser satisfeita no prazo de 10 dias[9]».
       É, precisamente sobre questões de legalidade suscitadas pela requisição de informações e de acesso a documentos que somos chamados a pronunciar-nos, motivo por que, não obstante a Resolução da Assembleia da República n.º 58/2024, de 18 de julho[10], ter suspendido «a contagem do prazo de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar […] entre os dias 26 de julho e 9 de setembro, inclusive», entendeu a Procuradoria-Geral da República conservar o caráter prioritário da consulta.
       Atenderemos, de imediato, à especificação das questões formuladas e ao seu enquadramento, proporcionado pelo Despacho n.º 40/XVI/1.ª, de 16-07-2024.
       Cumpre-nos, assim, com caráter de urgência, emitir parecer.
 

I.
Poderes parlamentares de investigação: preliminares.

       §2. As dúvidas representadas a esta instância consultiva dizem respeito aos poderes de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito constituída nos termos do Despacho n.º 18/XVI, de 9 de maio de 2024[11].
       Poderes a exercer, não por deliberação tomada à pluralidade de votos, mas pelos Deputados que, potestativamente, desencadearam o inquérito parlamentar: no mínimo, um quinto dos Deputados em efetividade de funções[12].  
       No que diz respeito à prestação de depoimento perante uma comissão parlamentar de inquérito, prevê-se no artigo 16.º, n.º 1, do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, poderem «convocar qualquer cidadão para depor sobre factos relativos ao inquérito», sem prejuízo das exceções expressamente previstas no n.º 2 e de outras que decorrem de diferentes disposições, de natureza constitucional ou internacional.
       Mais se prevê, contudo, no artigo 16.º, n.º 4, com relação às comissões parlamentares de inquérito de constituição obrigatória, que as convocações requeridas pelos Deputados que as proponham (às comissões) são também de realização obrigatória, embora com o limite máximo de 15 depoimentos.
       Os demais Deputados dispõem de igual poder, mas com o limite máximo de oito.
       Outros depoimentos ficam sujeitos a deliberação colegial, ou seja, à pluralidade de votos.
       §3. — No entanto, mostra-se controvertida, não a prestação de depoimentos, mas a requisição de informações e documentos que, em 15-07-2024, os Deputados do Grupo Parlamentar do Chega (CH) fizeram chegar ao Senhor Presidente da Assembleia da República.
       Isto, a fim de os verem requisitados à Presidência da República pelo Presidente da Assembleia da República, embora ao abrigo dos poderes que o Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares lhes confere:

                                                                   «Artigo 13.º
                                                          Poderes das comissões

              1 — As comissões parlamentares de inquérito gozam dos poderes de investigação das autoridades judiciais que a estas não estejam constitucionalmente reservados.
              2 — As comissões têm direito à coadjuvação das autoridades judiciárias, dos órgãos da polícia criminal e das autoridades administrativas, nos mesmos termos que os tribunais.
              3 — As comissões podem, a requerimento fundamentado dos seus membros, solicitar por escrito ao Governo, às autoridades judiciárias, aos órgãos e serviços da Administração, demais entidades públicas, incluindo as entidades reguladoras independentes, ou a entidades privadas as informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito.
              4 — Nas comissões parlamentares de inquérito constituídas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, as diligências instrutórias referidas no número anterior, solicitadas pelos Deputados requerentes do inquérito, são de realização obrigatória, não estando a sua efetivação sujeita a deliberação da comissão.
              5 — A prestação das informações e dos documentos referidos no n.º 3 tem prioridade sobre quaisquer outros serviços e deve ser satisfeita no prazo de 10 dias, sob pena de o seu autor incorrer na prática do crime referido no artigo 19.º, salvo justificação ponderosa dos requeridos que aconselhe a comissão a prorrogar aquele prazo ou a cancelar a diligência.
              6 — O pedido referido no n.º 3 deve indicar esta lei e transcrever o n.º 5 deste artigo e o n.º 1 do artigo 19.º
              7 — No decurso do inquérito, a recusa de prestação de depoimento, de prestação de informações ou de apresentação de documentos só se terá por justificada nos termos da lei processual penal e da presente lei.»
       A obtenção de documentos e informações reparte-se, fundamentalmente, entre o n.º 3 e o n.º 4, importando examinar, desde já, ainda que perfunctoriamente, tais disposições, no seu contexto sistemático.
       Se no n.º 3 se prevê a requisição deliberada pela comissão parlamentar de inquérito, «a requerimento fundamentado dos seus membros», das informações e documentos julgados úteis ao inquérito, o n.º 4 limita-se a enunciar o elemento diferenciador — especial — da requisição promovida pelos Deputados que desencadearam a abertura do inquérito.  
       Limita-se a dispensar a deliberação colegial, da própria comissão parlamentar de inquérito[13], que seria tomada à pluralidade de votos dos seus membros (n.º 3), se, como é o caso, o inquérito tiver sido aberto «a requerimento de um quinto dos deputados em efetividade de funções (artigo 2.º, n.º 1, alínea b]) e se o pedido de informações ou documentos for da autoria dos mesmos Deputados.
       Assegura o n.º 4 que «as diligências instrutórias […] solicitadas pelos Deputados requerentes do inquérito» são «de realização obrigatória», com o desiderato de reforçar a prerrogativa dos Deputados requerentes do inquérito, provavelmente, em minoria na comissão.
       De outro modo, apesar de terem exercido um poder potestativo — de instauração do inquérito parlamentar —, poderiam ver frustrado o seu legítimo propósito pela oposição da maioria dos membros da comissão parlamentar, a obstruir todas as averiguações que julgassem inúteis.
       Queremos com isto dizer que o n.º 4 representa uma norma especial, e não excecional, relativamente ao n.º 3.
       Assim, permite aos Deputados requerentes, tal qual a comissão, requisitar por escrito aos membros do Governo, às autoridades judiciárias, aos órgãos e serviços da Administração, às demais entidades públicas ou a entidades privadas, as informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito.
       Mas encontram-se também obrigados a fundamentar a requisição de forma clara e objetiva, de modo a que o destinatário identifique a concreta utilidade para o inquérito.
       Por outro lado, o disposto no n.º 5, segundo o qual «A prestação das informações e dos documentos referidos no n.º 3 tem prioridade sobre quaisquer outros serviços e deve ser satisfeita no prazo de 10 dias», vale para as requisições formuladas ao abrigo do n.º 4.
       E, de igual modo, quando o mesmo preceito dispõe que quem não satisfizer a solicitação no prazo de 10 dias incorre «na prática do crime referido no artigo 19.º, salvo justificação ponderosa dos requeridos que aconselhe a comissão a prorrogar aquele prazo ou a cancelar a diligência».
       Por fim, o que se determina no n.º 6, com relação aos pedidos referidos no n.º 3, a fim de indicarem a Lei n.º 5/93, de 1 de março, e de transcreverem o n.º 5 do artigo 13.º e o n.º 1 do artigo 19.º estende-se aos pedidos referidos no n.º 4.
       É certo que se dispõe no artigo 19.º, n.º 1, que apenas o não cumprimento de ordens legítimas de uma comissão parlamentar de inquérito no exercício das suas funções constitui crime de desobediência qualificada, para os efeitos previstos no Código Penal[14], o que excluiria as ordens legítimas dimanadas dos Deputados requerentes do inquérito, nos termos do artigo 13.º, n.º 4.
       A verdade, porém é que as ordens são sempre imputadas à comissão parlamentar, sejam deliberadas por maioria dos seus membros ou formuladas pelos Deputados que, embora em posição minoritária, lograram a sua constituição (também obrigatória, por sinal, nos termos do artigo 4.º).

II.
Da Consulta.
       §4. — É no exercício de tal prerrogativa que os Senhores Deputados do CH, em 15-07-2024, solicitaram os bons ofícios do Senhor Presidente da Assembleia da República, com vista a «requerer à Presidência da República, se possível em suporte digital, o registo e/ou cópia de todas as comunicações (nomeadamente, cartas, mensagens escritas por meio de telemóvel ou via internet — Whatsapp, Messenger, Telegram e mensagens de correio eletrónico) referentes ao processo das gémeas luso-brasileiras[15] (…)» com a expressa advertência de que, por imperativo legal, o não cumprimento da ordem constitui crime de desobediência qualificada.

       Anteriormente, em 29-05-2024, a Comissão Parlamentar de Inquérito solicitara do Senhor Presidente da Assembleia da República que requeresse ao Senhor Auditor Jurídico a emissão de parecer «sobre a possibilidade de a CPI solicitar a pessoas singulares determinado tipo de comunicações», nos termos do artigo 13.º, n.º 3, da Lei n.º 5/93, de 1 de março.
       Comunicações essas que vêm discriminadas, por esta forma:
              «Registo e/ou cópia de todas as comunicações (nomeadamente, cartas, ofícios, telefonemas, mensagens escritas por meio de telefone ou via internet — Whatsapp, Messenger, Telegram, etc. —, mensagens de correio eletrónico — email)»;
              «Comunicações (cartas, e-mails, mensagens escritas ou outras) entre a família das gémeas e as várias entidades a quem fizeram pedidos»;
              «Comunicações (cartas, e-mails, mensagens escritas ou outras) entre Nuno Rebelo de Sousa e a Presidência da República»;
              «E-mail de Nuno Rebelo de Sousa para Marcelo Rebelo de Sousa (enviado, de acordo com as informações já conhecidas, a 21/10/2019)»;
              «E-mail de Nuno Rebelo de Sousa para Carla Silva»;
              «E-mail de Carla Silva para Ana Isabel Lopes (enviado, de acordo com as informações já conhecidas, a 20/11/2019, a “pedir ajuda para o agendamento de uma consulta e avaliação por neuropediatra”)».

       §5. — A requisição de tais elementos suscitou dúvidas de conformidade legal e constitucional, notadamente quanto a saber se a obtenção de informações e documentos compreende a intimação de pessoas singulares, se permite aceder ao conteúdo de mensagens trocadas por via postal, telefónica ou eletrónica, no âmbito das comunicações pessoais, e se tais inquirições, quando solicitadas por um grupo de Deputados, não obstante serem os autores do inquérito parlamentar em curso, possui o mesmo alcance do que as inquirições deliberadas pela própria Comissão Parlamentar de Inquérito.

       Uma vez que o citado artigo 13.º, n.º 4, do RJIP, considera serem «de realização obrigatória» as inquirições solicitadas pelos Deputados autores do inquérito, é perguntado ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República se e em que medida se encontra o Presidente da Assembleia da República vinculado a assinar e fazer expedir uma intimação que repute ultra vires ou em desconformidade com normas constitucionais e legais, relativas a direitos, liberdades e garantias.
       Deixa-se nota de que o acesso ao conteúdo de mensagens — assinaladas, ou não, como abertas — pode extravasar do acesso a informações e documentos.
       As perguntas a responder por este corpo consultivo encontram-se especificadas nos termos que passamos a reproduzir:

              «Assim, ao abrigo do disposto no artigo 44.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, solicita-se ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República[16], com a brevidade possível — atento o facto de as informações e documentos referidos no n.º 3 do artigo 13.º do RJIP assumirem caráter prioritário — a emissão de parecer sobre a legalidade e legitimidade do pedido formulado ao Presidente da Assembleia da República, ancorado nos poderes da CPI, de solicitar, a pessoas singulares, os meios de comunicação privada, independentemente de as mensagens se encontrarem ou não assinaladas como abertas.

              Mais se requer pronúncia quanto ao papel do Presidente da Assembleia da República no cumprimento da solicitação de Deputados requerentes do inquérito, de modo a que fique claro se o Presidente está obrigado a observar e a dar cumprimento às diligências instrutórias que se julguem úteis, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 13.º do RJIP, ou se lhe é permitido, dentro das competências que lhe são atribuídas pela Constituição, pela Lei e pelo Regimento, fazer a sua valoração de acordo com os juízos de legalidade e constitucionalidade que repute convenientes, ancorado no propósito máximo de assegurar que a Assembleia da República, no exercício de funções de fiscalização, vigie pelo cumprimento da Constituição e das leis.
              Pretende-se, por fim, ver esclarecida a possibilidade de inclusão das “comunicações e telecomunicações privadas” de inquiridos, concretamente o registo e/ou cópia de todas as comunicações (nomeadamente, cartas, mensagens escritas por meio de telemóvel ou via internet – Whatsapp, Messenger, Telegram e mensagens de correio eletrónico), referentes ao processo das gémeas luso-brasileiras […] e […], no elenco das diligências instrutórias previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 13.º do RJIP, quando tal é requerido ao abrigo de um direito potestativo — caso em que tais diligências são de realização obrigatória, não estando a sua efetivação sujeita a deliberação da comissão[17]».

       Para um mais completo enquadramento das questões impõe-se conhecer o objeto e os fundamentos do Inquérito Parlamentar n.º 4/XVI/1.ª
 
III.

Do objeto do Inquérito parlamentar n.º 4/XVI/1.ª

       §6. — Um projeto de inquérito parlamentar deve sempre ser dirigido e apresentado ao Presidente da Assembleia da República, «indicar o seu objeto e fundamentos e, se tal for o entendimento dos seus subscritores, a lista preliminar dos cidadãos a convocar para a prestação de depoimentos e das eventuais diligências a efetuar, não sendo suscetível de apreciação ou recusa», (artigo 4.º, n.º 2), salvo se for necessário o seu aperfeiçoamento.
       Nesse caso, é notificado o primeiro subscritor para suprir a falta ou faltas correspondentes: omissão ou erro no cumprimento das formalidades ou infração de normas ou princípios constitucionais pelo objeto e fundamentos do requerimento (n.º 3).

       A manter-se o objeto do inquérito ou os seus fundamentos em contradição com normas ou princípios constitucionais, cumpre ao Presidente da Assembleia da República rejeitar o requerimento (artigo 3.º, n.º 1).
       É que tais elementos não se limitam a produzir efeitos políticos. Serão juridicamente sintagmáticos para a atividade da comissão que vier a ser constituída, em especial para o exercício legítimo dos poderes de investigação que lhe assistem.
       Assim, as inquirições pessoais e as informações e documentos requisitados, além de terem de se conformar com as normas e princípios constitucionais, regimentais e da lei aplicável, não podem exorbitar do objeto previamente delimitado, nem visar um fim alheio aos fundamentos do inquérito parlamentar.
       Mais ainda. Nos termos do artigo 8.º, n.º 3, e com o propósito manifesto de salvaguardar os inquéritos de abertura obrigatória, promovidos por grupos minoritários, não pode a comissão parlamentar de inquérito, se constituída ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, alterar o objeto definido[18]. Até para simplesmente o aclarar, precisa do assentimento dos requerentes.
       Refira-se, por último, que também o relatório final deve preservar a correspondência com o objeto [artigo 20.º, n.º 1, alínea a)], tal como tiver sido delimitado, originariamente ou por aperfeiçoamento.

       §7. — Transcreve-se integralmente o teor do requerimento que deu lugar ao Inquérito Parlamentar n.º 4/XVI/1.ª, na sua redação definitiva e oficialmente publicada[19]:
              «No passado dia 4 de abril, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) emitiu uma nota à comunicação social(a) intitulada “processo de inspeção sobre a prestação de cuidados a duas crianças tratadas com o medicamento Zolgensma”. Esta nota à comunicação social dá conta das conclusões do inquérito (REL-2024-000057) que versa, segundo a IGAS, o processo de inspeção sobre a prestação de cuidados a duas crianças tratadas com o medicamento Zolgensma que corresponde ao Processo de Inspeção 061/2023-INS, instaurado a 5 de novembro de 2023.
              O referido relatório foi remetido às seguintes pessoas, órgãos e entidades:
              • Gabinete da Secretária de Estado da Promoção da Saúde;
              • Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde de Santa Maria, EPE;
              • Conselho Diretivo do Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde, IP;
              • Secretária-Geral da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde;
              • Secretário de Estado da Saúde do XXII Governo Constitucional, à data dos factos inspecionados;
              • Ministério Público, Departamento de Investigação e Ação Penal Regional de Lisboa, 1.ª Secção – Lisboa.
              O já citado processo de inspeção focou-se na seguinte formulação: “O Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, EPE, cumpriu as normas técnicas e a legalidade no acesso e na prestação de cuidados de saúde a duas crianças, referidas em notícias publicadas na comunicação social, com atrofia muscular espinal tratadas com o medicamento Zolgensma?”
              Para responder a esta questão, a IGAS refere que “os factos foram analisados em duas linhas de investigação, ou seja, a referenciação das crianças para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a prestação de cuidados de saúde após marcação da consulta”.
              Neste sentido, e através do jornal Expresso que teve acesso ao relatório(b), este concluiu que “todos os intervenientes no caso das gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinal tratadas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com o medicamento Zolgensma, com um custo inicial de dois milhões de euros por criança, favoreceram ou cometeram irregularidades para facilitar o acesso [dos] bebés à terapêutica”.
              Deste modo, e através do referido relatório da IGAS, são confirmadas inúmeras dúvidas levantadas por várias investigações jornalísticas e audições na Assembleia da República, quanto às várias irregularidades de um processo que teve início com uma investigação do programa Exclusivo da jornalista Sandra Felgueiras, emitido pela estação televisiva TVI, no dia 23 de novembro de 2023(c).
              Estas dúvidas passavam pela possível influência ou interferência da Presidência da República, membros do Governo e outros funcionários e organismos do Estado no favorecimento e desenrolar de todo este processo, com evidente prejuízo para o erário público (estão em causa mais de quatro milhões de euros) e em claro contraponto a outros casos semelhantes que não obtiveram a mesma resposta e que são referidos na já aludida investigação jornalística da TVI.
              De forma clara, o relatório da IGAS, e segundo o Expresso, é perentório na sequência e conclusão das principais irregularidades detetadas: “No que respeita à questão principal da inspeção, concluiu-se que não foram cumpridos os requisitos de legalidade no acesso das duas crianças à consulta de neuropediatria[20] no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) […]”, objetivamente as normas do “sistema de gestão de acesso dos utentes do SNS, que exigem a referenciação prévia por um médico do SNS ou do setor privado”.
              No que toca à Presidência da República, o relatório aborda a intervenção de Nuno Rebelo de Sousa, que solicitou no dia 21 de outubro de 2019, a intervenção do Presidente da República, “tendo sido realizadas várias diligências que culminaram com a remessa do ofício (…) de 31 de outubro de 2019, dirigido ao Chefe do Gabinete do Primeiro-Ministro, Dr. Francisco André, tendo o Dr. Nuno Rebelo de Sousa sido informado desta remessa”. De seguida, o ofício foi enviado para a Chefe do Gabinete da então Ministra da Saúde, Marta Temido.
              Em relação ao Ministério da Saúde, o relatório afirma que “Não há evidências da tramitação da comunicação em análise intra e inter gabinetes do Ministério da Saúde, uma vez que a mesma não foi levada ao conhecimento da Chefe do Gabinete da então Ministra da Saúde, nem objeto de despacho, tendo sido remetida pelo Gabinete de Apoio à Secretaria-Geral. A Ministra da Saúde, a sua Chefe do Gabinete, o Secretário de Estado da Saúde (SES) e o seu Chefe de Gabinete, à data, afirmaram desconhecer tal comunicação.” Para os inspetores, esta ausência de tramitação de comunicação não terá impedido que a situação tivesse chegado ao conhecimento de pelo menos o Secretário de Estado da Saúde (SES), António Lacerda Sales. “O SES teve conhecimento do caso após reunião realizada no dia 7 de novembro de 2019” com o filho do Presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa, “na qual lhe foi solicitada a colaboração para a obtenção de tratamento com o medicamento Zolgensma”.
              Neste seguimento “Em data por apurar, mas situada entre 7 e 20 de novembro de 2019, o SES solicitou à sua então secretária pessoal que contactasse telefonicamente o Dr. Nuno Rebelo de Sousa, que pretendia que fosse marcada uma consulta para duas crianças no Hospital de Santa Maria, tendo-lhe fornecido o número telefónico para o efeito. Na sequência deste contacto, a secretária pessoal do SES obteve informação, que remeteu para o CHULN de acordo com as orientações do SES, quanto à identidade das crianças, data de nascimento, diagnóstico e datas em que os pais poderiam estar presentes no referido hospital”. E ainda “para marcação de consulta, não se descortina como a sua secretária pessoal, atento o seu grau de autonomia, poderia ter tido conhecimento do caso das duas crianças gémeas e da sua informação pessoal, e comunicado com o CHULN, que não fosse através do modo e contactos referidos (o pedido do SES à sua então secretária pessoal para que contactasse telefonicamente o Dr. Nuno Rebelo de Sousa).
              Já no Hospital de Santa Maria, o relatório afirma que “A diretora do Departamento de Pediatria do CHULN confirmou a receção do referido e-mail, remetido no dia 20 de novembro de 2019 pela secretária pessoal do SES a solicitar ajuda para o agendamento de uma consulta e avaliação por neuropediatra, tendo, nesse mesmo dia, feito chegar o pedido ao diretor clínico do CHULN, Dr. Luís Pinheiro.” Apesar do clínico ter negado uma intervenção direta no caso, os inspetores atestam que “A diretora do Departamento de Pediatria informou a Dra. Teresa Moreno da indicação do diretor clínico para a marcação das consultas de patologia neuromuscular para duas gémeas, até ao final do ano de 2019.” Apesar dos alertas da Dra. Teresa Moreno, a neuropediatra que acompanharia as gémeas, de que o intuito da família não era conseguir um diagnóstico, mas só aceder ao fármaco mais prometedor para a doença [dos] bebés, orçado à data em dois milhões de euros por tratamento e que já lhes tinha sido recusado no Brasil, “o diretor clínico manteve as instruções de marcação das primeiras consultas da especialidade para as gémeas, que foram agendadas para o dia 5 de dezembro de 2019”. Assim, a IGAS conclui que “Deste modo, o acesso das crianças à primeira consulta hospitalar desrespeitou a disciplina constante (…) aplicável à data dos factos, uma vez que o diretor clínico autorizou o agendamento das consultas, o que merece reparo[21].
              No que diz respeito à aprovação do Zolgensma por parte do Infarmed, o relatório assevera que “Os pedidos não seguiram o circuito de aprovação e validação dos pedidos de autorizações de utilização excecional (AUE) (…) que se encontra transposto para o SIATS (Sistema de Informação para Avaliação de Tecnologias de Saúde), uma vez que foram remetidos por e-mail ao Infarmed, em 29 de fevereiro de 2020, e avaliados pela perita em momento anterior à sua submissão no SIATS, que apenas ocorreu em 2 de março de 2020.”
              Pelo exposto, entende o Grupo Parlamentar do Chega que, apesar das conclusões contundentes do relatório da IGAS, existem outras situações relacionadas com este caso que continuam por esclarecer, que é necessário investigar. Outras, já contempladas no relatório, carecem de uma investigação mais aprofundada. Neste sentido, entendemos que devemos questionar e averiguar também a inusual celeridade no processo de atribuição de nacionalidade portuguesa às duas crianças, na altura, de nacionalidade brasileira, assim como a aquisição de quatro cadeiras de rodas elétricas, topo de gama, pelas quais o Estado pagou mais de € 58 000 e que até hoje não foram levantadas. Da mesma forma, importa indagar se já existiram outros casos semelhantes a este, dado que o chamado “turismo de saúde” é cada vez mais uma realidade referenciada e denunciada dentro do Serviço Nacional de Saúde, o que necessariamente desvia recursos fundamentais para a prestação de serviços de saúde aos portugueses, tão fustigados pelo estado calamitoso que o SNS atingiu.
              Desta forma, entende o Chega que apenas uma comissão parlamentar de inquérito permitirá realizar todas as indagações necessárias para descobrir todos os envolvidos neste caso de favorecimento, quais foram as irregularidades cometidas e se existiram outros casos semelhantes a este num passado recente. Importa sobretudo que o poder político não fique impune e que haja escrutínio independentemente dos decisores políticos envolvidos.
              Assim:
              — Considerando que compete ao Parlamento escrutinar os atos do Governo e da Administração e que as comissões parlamentares de inquérito são o instrumento mais adequado para esse fim;
              — Considerando que os Deputados têm o dever de procurar a verdade e os portugueses têm o direito de a conhecer;
              — Considerando que o escrutínio dos atos do Governo e da Administração é um direito inalienável e um dever dos Deputados.
              Os Deputados Abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Chega requerem, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março, republicada pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, a constituição imediata de uma comissão parlamentar de inquérito, com o objetivo de:
              • Apurar, independentemente dos decisores políticos envolvidos, todas as responsabilidades no favorecimento à prestação de cuidados de saúde às duas crianças luso-brasileiras tratadas com o medicamento Zolgensma (um dos mais caros do mundo), bem assim como na obtenção da nacionalidade;
              • Verificar as questões suscitadas na nota informativa que remete para o relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde IGAS) sobre o referido processo e desvendar as possíveis irregularidades cometidas em todo o processo;
              • Calcular os custos para o erário público;
              • Investigar a existência de outros casos semelhantes num passado recente.
              Palácio de São Bento, 12 de abril de 2024.
              Os Deputados do CH: […]».

       §8. — Uma vez admitido o Inquérito Parlamentar n.º4/XVI/1.ª, dispensamo-nos de analisar os termos em que se encontra delimitado o seu objeto, o âmbito da investigação e os fundamentos.
       No entanto, porque tais elementos constituem, por assim dizer, a matriz de toda a atividade da comissão parlamentar, vinculando finalisticamente o inquérito, legitimando ou, pelo contrário, privando de legitimidade certos atos de investigação, não podemos furtar-nos a algumas breves anotações, úteis à economia da consulta e à perceção das dúvidas suscitadas.
       A primeira para evidenciar o caráter relativamente ambíguo do objeto do inquérito, qual seja o de «apurar, independentemente dos decisores políticos envolvidos, todas as responsabilidades».
       Por um lado, não obstante citar de uma reportagem televisiva o título «Marcelo suspeito de “cunha” para tratamento de duas gémeas no Santa Maria», deixa por esclarecer se o Presidente da República faz parte dos titulares de cargos políticos visados pelo inquérito, o que não é despiciendo para aferir da sua admissibilidade.
       Por outro, ao aludir a todas as responsabilidades por um suposto favorecimento, permite inculcar a ideia de que o inquérito parlamentar pode ir além do estrito apuramento da responsabilidade política que lhe compete e se estenda à responsabilidade criminal ou disciplinar.
       Em segundo lugar, a delimitação parece radicar, apenas, no teor de uma nota de imprensa — senão mesmo de uma notícia publicada em semanário de difusão nacional que veicula o teor da nota — sem, contudo, manifestar conhecimento do próprio relatório da Inspeção-Geral de Atividades em Saúde (IGAS). Conhecimento que porventura dispensaria determinadas averiguações e inquirições superabundantes.
       Por fim, o desiderato amplíssimo de «investigar a existência de outros casos semelhantes num passado recente».
       Este propósito do Inquérito Parlamentar n.º 4/XVI/1.ª, além de sugerir que o favorecimento das duas crianças se encontra comprovado de antemão (“outros casos semelhantes”) oblitera o limite temporal fixado pelo artigo 8.º, n.º 1 do RJIP:

              «Os inquéritos parlamentares apenas podem ter por objeto atos do Governo ou da Administração ocorridos em legislaturas anteriores à que estiver em curso quando se reportarem a matérias ainda em apreciação, factos novos ou factos de conhecimento superveniente».

       Os factos sob inquérito remontam a 2019 (XIV Legislatura) e apenas a divulgação do relatório da IGAS, em 4-04-2024, terá permitido, na XVI Legislatura, admitir o inquérito, a título de conhecimento superveniente de factos. Importava especificá-los, ainda assim.
       Contudo, os «outros casos semelhantes num passado recente» não constituem sequer um facto e muito menos se indicia que tenham ocorrido já no curso da atual legislatura, iniciada em 26-03-2024.
       Apesar de o artigo 4.º do RJIP ter como epígrafe “Constituição obrigatória da comissão de inquérito”, tal obrigatoriedade não dispensa um escrutínio liminar de legalidade e de constitucionalidade, pois, de acordo com o n.º 2[22], o requerimento, dirigido ao Presidente da Assembleia da República, deve indicar o seu objeto e fundamentos e sujeita-se a recusa, não só por preterição das formalidades essenciais, como também se o objeto e fundamentos do requerimento infringirem a Constituição ou os seus princípios (n.º 3[23]).
       Em breves palavras, os requerimentos potestativos só obrigam o Presidente da Assembleia da República a constituir uma comissão parlamentar de inquérito se o respetivo objeto e fundamentos não evidenciarem a preterição dos aludidos requisitos formais e materiais[24].
       É, por isso, justamente, que a delimitação do objeto e fundamental. Nas palavras de JOSÉ MATOS CORREIA[25], «é imperioso que a densificação do objeto conste da resolução que institui a comissão de inquérito (resulte essa concretização, consoante os casos, da deliberação do Plenário ou da vontade dos requerentes). É que, na ausência de tal intermediação normativa, abrir-se-ia a porta à utilização discricionária de amplos poderes de escrutínio (similares, recorde-se, aos das autoridades judiciais), porque não fundamentalmente orientada e parametrizada, o que envolveria o risco de a comissão de inquérito extravasar os próprios limites da função de fiscalização que lhe é constitucionalmente cometida (e, reflexamente, ao próprio Parlamento).»

 
IV.

Enquadramento.
       §9. — O pedido de parecer, já o referimos, vem acompanhado por tópicos que aprofundam a razão de ser das dúvidas do Órgão Consulente e que colocam a consulta no seu contexto e circunstancialismo próprio.
       Em tais considerações, dá-se conta de ter a Comissão Parlamentar de Inquérito, em 29-05-2024, instado o Presidente da Assembleia da República a solicitar do Auditor Jurídico, nos termos do artigo 26.º, n.º 2, da Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República[26], a emissão de parecer relativo ao exercício dos poderes de investigação das comissões parlamentares de inquérito, com relação ao acesso a mensagens, em suporte digital ou em papel, e ao registo de chamadas telefónicas.
       Isto, com o desiderato de esclarecer se o n.º 3 e o n.º 4 do artigo 13.º do RJIP compreendem este «tipo de comunicações», a sua obtenção através dos operadores das redes e se é legítimo às pessoas singulares subtraírem-se ao cumprimento da intimação.
       As conclusões do parecer prolatado pelo Senhor Auditor Jurídico são-nos apresentadas nos seguintes termos:
              «Na sequência do solicitado, e tendo em conta os objetivos definidos para a constituição da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar, concluiu o Exmo. Senhor Auditor Jurídico não se divisar impedimento para solicitar o registo das comunicações pretendidas às operadoras dos serviços em causa, com dispensa do respetivo dever de sigilo, bem como notificar os detentores da correspondência, e-mails e mensagens escritas pretendidas para procederem à sua entrega à Comissão, sob pena de cometerem crime de desobediência qualificada, caso não acatem tal decisão (n.º 7 do artigo 13.º e n.º 1 do artigo 19.º do RJIP). Concluiu, ainda, que, caso esses dados estejam na posse de pessoa com a faculdade de recusar o seu depoimento, nos termos dos artigos 134.º e 182.º do CPP, cessará a o dever de os entregar e, logo, a recusa não constituirá crime de desobediência».
       Daqui retiramos ter sido equacionado o recurso às operadoras de telecomunicações e serviços afins. Um meio que, não contemplado, pelo menos, de modo expresso, na Lei n.º 5/93, de 1 de março, entre os poderes inerentes ao inquérito parlamentar, na verdade, assiste às autoridades judiciais, cujos poderes de investigação, por seu turno, são reconhecidos, embora com uma ressalva não despicienda, às comissões parlamentares de inquérito pelo artigo 13.º, n.º 1.
       Com efeito, ali se determina disporem as comissões parlamentares de inquérito «dos poderes de investigação das autoridades judiciais que a estas não estejam constitucionalmente reservados», e, no n.º 2, que as comissões são coadjuvadas no desempenho da sua missão pelas autoridades judiciárias, pelos órgãos de polícia criminal e pelas autoridades administrativas, «nos mesmos termos que os tribunais».
       Contudo, à recusa de facultar documentos e informações, não obstante a eventual responsabilidade criminal em que possa vir a incorrer o destinatário da injunção, aplicam-se as disposições do Código de Processo Penal[27] (CPP) relativas à prestação de depoimento e à proteção de algumas categorias de segredo (artigo 13.º, n.º 7, do RJIP). Tenhamos presente, então, o que se determina nos artigos 134.º e 182.º do CPP.
       No primeiro, cuida-se de subtrair ao dever de prestar depoimento determinados parentes, afins ou equiparados do arguido, pelo menos, em alguns casos, no que disser respeito ao tempo de coabitação conjugal ou em união de facto, assim como os membros de órgãos de pessoa coletiva arguida que a não representem:
«Artigo 134.º
Recusa de depoimento
              1 — Podem recusar-se a depor como testemunhas:
              a) Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2.º grau, os adotantes, os adotados e o cônjuge do arguido;
              b) Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação.
              c) O membro do órgão da pessoa coletiva ou da entidade equiparada que não é representante da mesma no processo em que ela seja arguida.
              2 — A entidade competente para receber o depoimento adverte, sob pena de nulidade, as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de recusarem o depoimento.»

       No segundo dos mencionados preceitos, tem-se em vista a proteção do segredo de Estado, do segredo profissional e do segredo de funcionário:
«Artigo 182.º
       Segredo profissional ou de funcionário e segredo de Estado

              1 — As pessoas indicadas nos artigos 135.º a 137.º apresentam à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer objetos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem, por escrito, segredo profissional ou de funcionário ou segredo de Estado.
              2 — Se a recusa se fundar em segredo profissional ou de funcionário, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 135.º e no n.º 2 do artigo 136.º
              3 — Se a recusa se fundar em segredo de Estado, é correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 137.º»

       Teríamos, assim, que os destinatários da intimação para prestar informações ou facultar o acesso a documentos só poderiam recusar-se a fazê-lo com fundamento numa especial relação pessoal com o arguido, por analogia com a recusa de depoimento (artigo 134.º) ou em virtude do conteúdo de tais informações ou documentos se encontrar sob segredo profissional, segredo de funcionário ou segredo de Estado (artigo 182.º).
       §10. — O subsequente enquadramento das questões começa por assinalar a eventual concorrência entre os poderes das comissões parlamentares de inquérito e o «núcleo essencial da competência jurisdicional dos tribunais», convocando o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 195/94, de 1 de março[28], no trecho em que se ocupa, a título principal, desse aspeto:
              «Esta norma não infringe, porém, o princípio da separação de poderes, condensado no artigo 114.º, n.º 1, da Constituição. É sabido que o princípio da separação de poderes, tal como está previsto no artigo 114.º, n.º 1, da Lei Fundamental, veda, por um lado, que um órgão de soberania se atribua, fora dos casos em que a Constituição expressamente o permite ou impõe, competência para o exercício de funções que essencialmente são conferidas a outro e diferente órgão e, do outro lado, que um determinado órgão de soberania se atribua competências em domínios para os quais não foi concebido, nem está vocacionado (cf., neste sentido, os Pareceres da Comissão Constitucional n.ºs 16/79 e 1/80, in Pareceres da Comissão Constitucional, Vol. VIII e XI, p. 205 ss, e 23 ss; o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 26/84, publicado no Diário da República, II Série, de 4 de abril de 1984; Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., cit., p. 497; e Nuno Piçarra, A Separação de Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 1989, p. 247 – 265)».
       O RJIP, ao reconhecer às comissões parlamentares de inquérito os poderes de investigação das autoridades judiciais, contanto apenas que não se encontrem constitucionalmente reservados a tais autoridades, não exclui linhas tangenciais, nem mesmo de intersecção com os processos judiciais, fazendo a consulta sobressair o que se determina, porventura de modo mais restritivo, no Regimento da Assembleia da República[29]:

«Artigo 237.º

Poderes das comissões parlamentares de inquérito

              As comissões parlamentares de inquérito gozam dos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais e demais poderes e direitos previstos na lei.»

       De qualquer modo, não constituindo, nem podendo os órgãos parlamentares exercer funções jurisdicionais, «os poderes de investigação daquelas comissões não podem nunca desembocar na prolação de uma sentença condenatória com força de caso julgado, nem podem afetar os direitos fundamentais que, em investigação criminal, só podem sê-lo por decisão judicial (v.g. revistas e buscas, apreensões, etc.)».

       E prossegue, sublinhando que a investigação própria destes órgãos parlamentares, de modo a conter-se aos limites constitucionais, deve ser ordenada finalisticamente à produção de um relatório que contribua para o eficaz exercício das funções constitucionais da Assembleia da República, por exemplo, «tomar medidas (legislativas ou outras) sobre o assunto inquirido».
       Logo após, e continuando a seguir de perto o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 195/94, inventariam-se as principais características das comissões parlamentares de inquérito, segundo o direito que conforma a sua constituição, os poderes de que dispõem e a atividade que empreendem:
              — O seu objeto deve ser devidamente delimitado e determinado, e tem de dizer respeito às competências parlamentares, pelo que não podem as comissões de inquérito tratar de «questões que tenham a ver com interesses estritamente privados ou incidir sobre matérias que extravasem da competência da Assembleia da República ou se incluam na competência exclusiva de outros órgãos constitucionais[30]».
              — O facto de disporem de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais com vista à obtenção de meios de prova não lhes permite subtrair aos tribunais a reserva de aplicação da lei penal.
              — A investigação que desenvolvem, nunca podendo ser mais invasiva do que a investigação criminal, encontra-se diretamente vinculada aos preceitos constitucionais sobre direitos, liberdades e garantias — nomeadamente à inviolabilidade moral e física dos cidadãos (artigo 25.º, n.º 1, da Constituição), ao direito ao bom nome, reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1), à inviolabilidade do domicílio, ao sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada (artigo 34.º) — e, tal como o relatório conclusivo, não pode antecipar a imputação de crimes a ninguém, pois todos se presumem inocentes até transitar em julgado uma sentença de condenação (artigo 32.º, n.º 2).
              — Assiste-lhes a coadjuvação das autoridades judiciais e administrativas em termos semelhantes à que assiste aos tribunais, nos termos do artigo 205.º, n.º 3.
              — Apesar de o inquérito parlamentar poder correr concomitantemente com um inquérito penal, aquilo que for apurado como verdade pelas comissões parlamentares de inquérito ou que no termo dos seus trabalhos for deliberado não vincula os tribunais.

       §11. — Mais se observa «que as CPI constituem uma emanação de um órgão de soberania dotado de legitimidade democrática qualificada e que, nos atuais Estados de Direito, os inquéritos parlamentares constituem um importante instrumento de que o Parlamento dispõe para o desempenho das funções que lhe estão atribuídas, designadamente as funções de fiscalização do cumprimento da Constituição e das leis e de apreciação dos atos do Governo e da Administração[31]».
       Diríamos, pela nossa parte que importa ter em consideração serem as comissões parlamentares de inquérito órgãos auxiliares da Assembleia da República, a qual, porém, não lhes delega, nem poderia delegar, poderes de soberania (artigo 111.º, n.º 2, da CRP).
       A vontade funcional dos membros de uma comissão ou dos Deputados requerentes de um inquérito parlamentar não pode ser imputada à Assembleia da República.

       E pese embora sejam órgãos políticos que «apenas procuram apurar a responsabilidade política ou simplesmente realizar uma tarefa de informação do Parlamento», nem por isso deixam de estar diretamente vinculados aos preceitos constitucionais atinentes a direitos, liberdades e garantias, em conformidade com o artigo 18.º, n.º 1, da Constituição, o que os obriga a respeitar a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada, assim como a reserva de juiz.
       Por conseguinte, e louvando-se no comentário constitucional de J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA[32], é afirmado no Despacho n.º40/XVI/1.ª que a inviolabilidade dos meios de comunicação privada impede as comissões de cometerem ingerências nos meios de comunicação privada, salvo (a) previsão legal, (b) em matéria de processo penal (e não para outros efeitos) e mediante decisão judicial (artigo 32.º, n.º 4 da Constituição). Por outro lado, essa mesma decisão judicial, ao autorizar intervenções restritivas de direitos, liberdades e garantias, tem de satisfazer a critérios de necessidade, adequação, proporcionalidade e determinabilidade (artigo 18.º, n.º 2 e n.º 3).
       §12. — Em termos que se antevê serem controversos, é considerado no pedido de consulta que «as restrições estão autorizadas apenas em processo criminal (artigo 32.º, n.º 4) e estão igualmente sob reserva de lei (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3), só podendo ser decididas por um juiz (artigo 32.º, n.º 4, todos da CRP)[33]».
       Controversos, antecipamos nós, pois a Constituição determina que «As comissões parlamentares de inquérito gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais» (artigo 178.º, n.º 5), sem, à primeira vista, estabelecer distinção alguma entre poderes do juiz em processo criminal ou em qualquer outro processo (civil, administrativo).
       Dir-se-ia, como tal, que se as intervenções restritivas só podem ser decididas por um juiz, então, também podem sê-lo por uma comissão parlamentar de inquérito, desde que no exercício de um poder de investigação.
       Vale isto por dizer que a tarefa de delimitar, em extensão, os poderes das comissões parlamentares de inquérito se afigura bem mais complexa do que pode parecer.
        §13. — Em seguida, no Despacho, é trazido à consideração deste corpo consultivo o seguinte:

              «Ora, num universo social em que os sistemas informáticos adquirem progressivamente um papel mais presente na atividade humana, assumindo-se como instrumentos de comunicação e repositórios de informação de natureza pessoal e profissional, a pesquisa do seu conteúdo constitui invariavelmente uma intrusão na vida privada. No caso das mensagens de correio eletrónico, o acesso indiscriminado permite facilmente traçar um retrato fiel, e muito completo, da vida do utilizador em causa, agregando informação atinente aos distintos planos da vida de cada pessoa — as distintas máscaras com que cada um se apresenta no plano social, laboral e familiar (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021).

              O potencial ablativo de liberdade e a gravidade da intromissão na esfera privada — e até na esfera íntima — da pessoa, que decorre da simples visualização da respetiva caixa de correio eletrónico são, pois, de tal forma significativos que devem mobilizar-se, neste campo, as mais intensas garantias que a Constituição confere à inviolabilidade das comunicações e à privacidade dos dados pessoais no domínio da informática; é essencial assegurar o cumprimento do dever estadual de abstenção, ou não ingerência, nestes domínios, a não ser em casos objetiva e rigorosamente delimitados, claramente justificados, e mediante atuação de órgãos que assegurem uma intervenção isenta e imparcial, e um elevado grau de proteção dos direitos fundamentais afetados (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021).»

       De novo se justifica uma observação da nossa parte. Não cremos que esteja em causa a intromissão coerciva em caixas de correio eletrónico, no teor das informações e documentos que os Senhores Deputados pretendem obter, pois o cumprimento de tal diligência, embora dirigido ao Presidente da República[34], supõe-se ficar a cargo de cada destinatário individual, a quem a informação diz respeito, sem pesquisas nem apreensões alheias ao consentimento individual.

       À partida, não se trata de aplicar o disposto no artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 25 de setembro (geralmente identificada como Lei do Cibercrime[35]), relativo à apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante, mas, com maior plausibilidade, do artigo 14.º, n.º 1, respeitante à injunção para apresentação ou concessão do acesso a dados por parte de — numa formulação demasiado vaga, é certo — quem sobre os mesmos tiver disponibilidade.
       No entanto, observa o Senhor Presidente da Assembleia da República que uma leitura restritiva daquela disposição, que não salvaguardasse o correio já lido, colidiria com a jurisprudência uniformizada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de junho de 2023[36], pois ali se entendeu «ser inquestionável que o artigo 17.º, da Lei do Cibercrime não faz qualquer distinção entre as mensagens de correio eletrónico abertas ou fechadas no momento de exigir a intervenção do juiz de instrução para autorizar ou ordenar a sua apreensão.» Como tal, a apreensão de correio eletrónico, ainda por ler ou já lido, não abdica de autorização judicial.
       Falta saber, porém, se a autorização do juiz de instrução não caberá nos poderes das comissões parlamentares de inquérito, uma vez que, de acordo com o artigo 13.º, n.º 1, do RJIP, dispõem, em princípio, de todos os poderes das autoridades judiciais, e ainda que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021, de 30 de agosto[37], aponte nesse sentido, o que parece estar em causa no requerimento dos Senhores Deputados é uma injunção e não, uma apreensão.
       Seguidamente, trazem-se à ponderação desta instância consultiva os particularismos que possam envolver os inquéritos parlamentares movidos ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea b) do RJIP, e os poderes de investigação que assistem aos Deputados requerentes do inquérito, pois «são de realização obrigatória, não estando a sua efetivação sujeita a deliberação da comissão» (artigo 13.º, n.º 4):

              «É certo que, tratando-se de um requerimento apresentado ao abrigo do disposto no artigo 13.º, n.º 4 do RJIP, as “informações e documentos” que se julguem úteis à realização do inquérito, solicitadas pelos Deputados requerentes do inquérito, são de realização obrigatória, não estando a sua efetivação sujeita a deliberação da comissão. No entanto, suscitam-se dúvidas quanto à possibilidade de inclusão das “comunicações e telecomunicações privadas” de inquiridos, concretamente o registo e/ou cópia de todas as comunicações (nomeadamente, cartas, mensagens escritas por meio de telemóvel ou via internet – Whatsapp, Messenger, Telegram e mensagens de correio eletrónico[38]) no núcleo essencial do direito de inquérito parlamentar previsto no normativo ínsito no artigo 13.º, n.º 4 do RJIP.

              Na verdade, se o artigo 178.º, n.º 5, da CRP atribuísse às CPI todos os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, estas ficariam inclusive habilitadas, por sua iniciativa, e esgotadas as possibilidades legalmente previstas de fazer colaborar com ela terceiros recalcitrantes, emitir com carácter executório (i) mandados de condução sob custódia para assegurar a comparência perante ela de depoentes recalcitrantes, (ii) mandados de revista, de busca e de apreensão domiciliária dos documentos recusados, ou mesmo (iii) determinar a intercetação de comunicações e telecomunicações privadas de inquiridos. Tais competências, como se sabe, cabem na competência dos tribunais penais (Nuno Piçarra, Poderes e limites da atuação das comissões parlamentares no direito brasileiro e no direito português, in o Direito, G..C – Gráfica de Coimbra).»

       Depois de se objetar com o disposto no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição, — garantia de que só em matéria de processo criminal podem ser obtidos meios de prova através de tais ingerências — reafirmam-se as dúvidas quanto ao poder de as comissões parlamentares de inquérito solicitarem «a pessoas singulares os meios de comunicação privada, independentemente de as mensagens se encontrarem ou não assinaladas como abertas[39]».

       O ponto mais sensível e, consequentemente, mais controverso, encontra-se na vinculação produzida pela requisição de tais diligências, em particular por se revelarem potencialmente intrusivas nas comunicações, em dados pessoais e na reserva da intimidade da vida privada e familiar.

 
V.

                                                   Razão de ordem.

       §14. — Percorrido o pedido de consulta, as considerações que o acompanham e vistos os fundamentos e a delimitação do objeto a que se propõe o Inquérito Parlamentar n.º 4/XVI/1.ª (CH) e a Comissão constituída nos termos do Despacho do Presidente da Assembleia da República n.º 18/XVI, de 9 de maio de 2024, passaremos a delinear a ordem por que orientaremos a nossa exposição e que nem sempre coincidirá com a sequência por que vêm especificadas as questões.

       Assim, em primeiro lugar, empreenderemos um enquadramento do inquérito parlamentar na Constituição, no Regimento da Assembleia da República e, por fim, na Lei n.º 5/93, de 1 de março.
       Num segundo momento, iremos recortar o estatuto e poderes do Presidente da Assembleia da República, de modo a saber se — e em que termos — pode recusar a sua assinatura ao requerimento que lhe foi apresentado, nos termos do artigo 13.º, n.º 4, da Lei n.º 5/93, de 1 de março, com vista a obter dos serviços da Presidência da República o acesso a mensagens recebidas e expedidas, em papel ou em suportes digitais, além do registo de telefonemas.
       Importa esclarecer, neste âmbito, se e em que termos se encontra vinculado a providenciar pela obtenção dos meios de prova requisitados, não pela Comissão, mas por Deputados requerentes do inquérito, nos termos do artigo 13.º, n.º 4, do RJIP; se decorre, ou não, uma menor vinculação do facto de não ter sido a requisição deliberada colegialmente pela comissão.
       De todo o modo, porém está em causa apurar se o Presidente da Assembleia da República pode recusar-se a providenciar diligências que repute contrárias à lei, às normas e princípios constitucionais, mais concretamente, por poderem implicar acesso a dados pessoais (provavelmente, sensíveis, alguns deles) ao conteúdo de documentos que permitem reconstituir comunicações privadas, ainda que processadas em serviços públicos, mas que são oriundas ou se encontram em poder de particulares (alguns, alheios ao exercício de funções públicas).
       A admitir que o Presidente da Assembleia da República, apesar da «realização obrigatória», estatuída pelo artigo 13.º, n.º 4, possa desvincular-se da sua execução, por as considerar ilegítimas, impõe-se conhecer da legalidade do requerimento.
       Como tal, cuidaremos de analisar os poderes de investigação das comissões parlamentares de inquérito, tanto na perspetiva estritamente hermenêutica do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 13.º, como também sob o ângulo da atribuição a tais órgãos de poderes das autoridades judiciais, em consonância com o disposto no artigo 178.º, n.º 4, da Constituição, e com o modo como este preceito foi concretizado pelo n.º 1 do artigo 13.º do RJIP.
       À cabeça, encontram-se os condicionalismos que, de modo expresso, o legislador fixou e que se prendem, no essencial, com a especificação e fundamentação do próprio requerimento, tendo em conta, sobretudo, que do mesmo se pretende seja assinalado com advertência relativa às reações criminais contra o incumprimento, ou seja, com indicação de incorrerem os seus destinatários na prática de um crime de desobediência qualificada, por remissão do artigo 19.º, n.º 1, do RJIP, para o artigo 348.º, n.º 2, do Código Penal.
       Eis, segundo cremos, o cerne do problema — a legitimidade da ordem — pois a cominação com o crime de desobediência (qualificada) assenta, de modo necessário, no não cumprimento de uma ordem legítima por quem está em condições de a cumprir, obrigado ao seu cumprimento e em condições de o fazer.
       A legitimidade da ordem deve ainda ser conferida em face do objeto do inquérito parlamentar, levando-nos a equacionar os limites do seu âmbito no sistema de governo, pois, é, no mínimo, questionável a legitimidade de um inquérito parlamentar que tenha em vista apreciar atos e condutas do Presidente da República e de um requerimento que pretenda obter documentos e informações em poder do titular do cargo ou dos serviços que lhe prestam apoio.
       Rareiam fontes doutrinais que se tenham pronunciado ex professo a respeito da posição do Presidente da República, neste contexto, ainda que, de modo esparso, os autores aludam à questão e se pronunciem em sentidos diferenciados, não sem refletirem o pessoal entendimento mais ou menos parlamentarista, mais ou menos semipresidencialista, do sistema de governo[40].
       Antecipamos, porém ser mais raro, ainda, encontrar quem sustente a possibilidade de um inquérito parlamentar visar — inconfessadamente, ou não — o Presidente da República.  
       O que não pode deixar de impressionar é o consenso, que diríamos universal, em torno das regiões autónomas e da insusceptibilidade de os atos dos seus órgãos de governo próprio poderem ser politicamente fiscalizados pela Assembleia da República. E outro tanto se defende, embora, talvez, com menor assertividade, em relação ao poder local.
       A apreciação da legitimidade da ordem ou injunção não termina na separação de poderes e nas conclusões a que chegarmos acerca do estatuto constitucional do Presidente da República[41] diante de uma comissão de inquérito parlamentar, porquanto é preciso conformar o poder de requisitar informações e documentos, julgados não mais do que úteis ao inquérito, pelo primado dos direitos, liberdades e garantias pessoais, cuja vulneração pode ser equacionada de antemão: o sigilo das comunicações contra ingerências de autoridades públicas, a reserva da intimidade da vida privada e familiar e a proteção contra o tratamento abusivo de dados pessoais.
       Para esse efeito, importa regressar ao ponto de partida. Se as comissões parlamentares de inquérito, nos termos do artigo 178.º, n.º 5, da Constituição, «gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais», encontram-se, de igual modo, subordinadas às normas e princípios de direito processual que conformam a validade dos atos judiciais?
       E, se assim for, encontram-se em condições de aplicar as normas de processo penal atinentes à investigação criminal, apesar de lhes estar vedado alvitrar sequer a imputação aos visados da prática de factos ilícitos típicos?
       Na verdade, com raras exceções, nem o RJIP nem o Regimento da Assembleia da República conformam o procedimento a observar pelas comissões parlamentares de inquérito, nas relações de poder que estabeleçam com os inquiridos.
       É certo haver remissões para o Código de Processo Penal, mas não será esse um argumento de peso para afirmar que, pelo contrário, a vinculação às normas processuais penais constitui exceção e não um princípio geral?
       Por outro lado, sem uma ordenação procedimental, como garantir um procedimento equitativo, como assegurar o respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais dos titulares de cargos políticos e dos depoentes, em especial, dos particulares intimados a prestar informações e a facultar o acesso a documentos?
       Será suficiente a aplicação direta dos preceitos constitucionais atinentes a direitos, liberdades e garantias, sabendo que nem todos se mostram exequíveis por si mesmos e que tal operação não dispensa um labor de concordância prática com outros interesses constitucionalmente protegidos?
       A complexidade adensa-se, em especial no contexto singular dos instrumentos de responsabilidade política e da sua fiscalização.
       Só depois de ultrapassarmos tal encruzilhada estaremos aptos a descortinar o devido enquadramento do poder de injunção, enunciado pelo artigo 13.º, n.ºs 3 e 4, do RJIP, mas que, ainda assim, se expõe às hesitações, incertezas e controvérsias que os meios telemáticos e os suportes digitais vêm despertando, com particular acuidade na justiça penal.
       A brevidade que nos é solicitada obriga-nos a abrir mão de uma retrospetiva histórica aprofundada e de uma comparação com o inquérito parlamentar em outras ordens constitucionais, mas não é possível abdicar das observações e considerações que, pontualmente se revelarem necessárias e não apenas convenientes. É o caso da evolução, entre nós, do modo como o legislador vem configurando os poderes de investigação das comissões parlamentares de inquérito, desde a aprovação da Constituição de 1976.
       Conforta-nos poder contar com prestimosos contributos científicos, inteiramente dedicados ao inquérito parlamentar e darmo-nos conta da atenção que os constitucionalistas e os cultores do direito parlamentar têm concedido ao tema em periódicos nacionais e estrangeiros, proporcionando um acompanhamento sistemático das suas vicissitudes, relevando, outrossim, a doutrina deste corpo consultivo, versando o inquérito parlamentar[42].

      
 
VI.

O inquérito parlamentar na Constituição.
       §15. — O inquérito parlamentar ganhou tradição no liberalismo monárquico: primeiro, sob a Constituição de 1838, e mais tarde, na terceira vigência da Carta Constitucional (1842-1910).
       A Constituição de 1838 assim determinava:
«ARTIGO 39.º

              Cada uma das Câmaras tem o direito de proceder, por meio de comissões de inquérito, ao exame de qualquer objeto da sua competência.»
       Cessada a sua vigência em 1842, e sem que a redação originária da Carta o previsse, seria o Ato Adicional de 1852 a recuperar tal preceito, o que fez nos termos seguintes:
«ARTIGO 14.º

              Cada uma das Câmaras das Cortes tem o direito de proceder, por meio de Comissões de Inquérito, ao exame de qualquer objeto da sua competência.
              § Único — Ficam deste modo adicionados e ampliados os artigos trinta e seis, parágrafo primeiro, e cento e trinta e nove da Carta Constitucional.»

       Com o derrube da monarquia constitucional, em 1910, o inquérito parlamentar conheceria uma longa ausência na nossa ordem jurídica até à aprovação da Constituição de 1976.

       A redação originária, porém, limitava-se a cativar-lhe um lugar. O então artigo 181.º, n.º 1, dispunha que a Assembleia da República teria as comissões previstas no regimento e poderia «constituir comissões eventuais de inquérito ou para qualquer outro fim determinado».
       A Revisão Constitucional de 1982 aditaria duas importantes disposições ao artigo 181.º: uma, prevendo a constituição obrigatória de comissões parlamentares de inquérito, se requeridas por 1/5 dos Deputados em efetividade de funções, até ao limite de uma por Deputado e por sessão legislativa (n.º 5); a outra, determinando gozarem «de poderes próprios das autoridades judiciais» (n.º 6).
       Com a renumeração levada a cabo pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, o artigo 181.º passaria a 178.º, consolidando-se o fundamental do inquérito parlamentar e das respetivas comissões no plano constitucional e que passamos a analisar.
       §16. — Cremos dever-se a J.J.GOMES CANOTILHO[43] a mais aturada análise e classificação das diversas funções da Assembleia da República — «assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses», de acordo com o artigo 147.º da Constituição — a partir das suas competências reservadas, partilhadas ou concorrentes.
       A par da proeminente função legislativa, o Autor recorta uma função eletiva e de criação, uma função de autorização, uma função de representação, uma função “europeia” e duas funções, de certo modo complementares, entre si, de fiscalização e de controlo.
       Às funções de fiscalização e controlo correspondem as perguntas e interpelações ao Governo sobre quaisquer atos seus ou dos órgãos da Administração Pública que dele dependam, a promoção de debates e os inquéritos parlamentares.
       Na verdade, constitui poder de cada um dos Deputados «Participar e intervir nos debates parlamentares, nos termos do Regimento» [artigo 156.º, alínea c)] e «fazer perguntas ao Governo sobre quaisquer atos deste ou da Administração Pública» com direito a «obter resposta em prazo razoável, salvo o disposto na lei em matéria de segredo de Estado» (alínea d)], «Requerer e obter do Governo ou dos órgãos de qualquer entidade pública os elementos, informações e publicações oficiais que considerem úteis para o exercício do seu mandato» [alínea e]) e podem, outrossim, «Requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito» [alínea f)].
       Por outro lado, assistem aos grupos parlamentares os poderes de «Provocar, com a presença do Governo, o debate de questões de interesse público atual e urgente» [artigo 180.º, n.º 2, alínea c)] e de «Provocar, por meio de interpelação ao Governo, a abertura de dois debates em cada sessão legislativa sobre assunto de política geral ou sectorial» [alínea d)].
       Podem, de igual modo, «Requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito» [alínea f)], «Apresentar moções de rejeição do programa do Governo» [alínea h)], «Apresentar moções de censura ao Governo» [alínea i)] e assiste-lhes o direito a serem informados, «regular e diretamente, pelo Governo, sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público» [alínea j)].
       Aos Deputados não integrados em grupos parlamentares — por serem únicos representantes de um partido político ou por terem deixado de estar inscritos no grupo parlamentar a que pertenciam — não deixam de ser reconhecidos direitos e garantias, nos termos do Regimento (artigo 180.º, n.º 4).

       §17. — Se é nos termos do artigo 162.º, alínea a), da Constituição, que a Assembleia da República é incumbida de «Vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da Administração», o inquérito parlamentar, no entanto, surge regulado apenas sob a disciplina das comissões parlamentares[44]:
«Artigo 178.º
Comissões

              1 — A Assembleia da República tem as comissões previstas no Regimento e pode constituir comissões eventuais de inquérito ou para qualquer outro fim determinado.
              2 — A composição das comissões corresponde à representatividade dos partidos na Assembleia da República.
              3 — (…).
              4 — Sem prejuízo da sua constituição nos termos gerais, as comissões parlamentares de inquérito são obrigatoriamente constituídas sempre que tal seja requerido por um quinto dos Deputados em efetividade de funções, até ao limite de uma por Deputado e por sessão legislativa.
              5 — As comissões parlamentares de inquérito gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais.
              6 — As presidências das comissões são no conjunto repartidas pelos grupos parlamentares em proporção com o número dos seus Deputados.
              7 — (…)».

       Embora adstritas a uma única e concreta missão — empreender e concluir um inquérito parlamentar — as comissões de inquérito são verdadeiras comissões parlamentares.
       Sem prejuízo, no entanto, de serem comissões eventuais, no sentido de a sua constituição ser extraordinária e o funcionamento transitório (n.º 1), ao contrário das comissões permanentes, criadas, nos termos do Regimento, no início de cada legislatura.
       De todo o modo, a posição sistemática que ocupam no artigo 178.º quis deixar bem claro que as comissões de inquérito pertencem à categoria mais ampla das comissões parlamentares.
       «As mesmas distinguem-se pelo carácter ad hoc, excecional e dirigido a um objetivo concreto, assumindo uma identidade própria, juntamente com características e poderes específicos», observam JÓNATAS MACHADO/ SÉRGIO MOTA[45], motivo por que «nunca é demais sublinhar que as CPI surgem enquadradas dentro dos poderes do Parlamento, o qual permanece o senhor da investigação», devendo ser «compreendidas como assumindo uma natureza de órgãos auxiliares e subordinados em face do Parlamento (-)»

       São integradas, exclusivamente por Deputados em efetividade de funções, numa composição plural que deve conferir representação aos diferentes partidos políticos com assento parlamentar, em proporção, tanto quanto possível, à extensão de cada grupo parlamentar (n.º 2).
       Conquanto os inquéritos parlamentares e a constituição das respetivas comissões careçam de aprovação pela maioria dos Deputados, permite-se, de modo a reforçar o estatuto da oposição — ou das oposições —, libertando-a do bloqueio por parte da maioria parlamentar, que 1/5 dos Deputados em efetividade de funções promovam inquéritos[46] até ao limite de um por Deputado e por sessão legislativa.
       Estas comissões parlamentares são de constituição obrigatória (n.º 4) ou, numa expressão comum, talvez menos rigorosa, de criação potestativa[47].
       Pretendeu-se que os Deputados requerentes de um inquérito dispusessem de poderes de investigação mais amplos do que aqueles que nos termos do artigo 156.º da Constituição, lhes assistem, individualmente:

              — Fazer perguntas ao Governo sobre quaisquer atos deste ou da Administração Pública (o que exclui perguntas sobre particulares alheios ao exercício de funções públicas) e obter resposta em prazo razoável, salvo o disposto na lei em matéria de segredo de Estado [alínea d)]; e,
              — Requerer e obter do Governo ou dos órgãos de qualquer entidade pública os elementos, informações e publicações oficiais que considerem úteis para o exercício do seu mandato, o que, de igual modo, exclui elementos, informações ou publicações de natureza privada ou social [alínea e)].
       Não obstante serem de marcação obrigatória as «reuniões em que os membros do Governo estarão presentes para responder a perguntas e pedidos de esclarecimento dos Deputados, as quais se realizarão com a periodicidade mínima fixada no Regimento», os Deputados que não se conformem com os elementos assim obtidos podem, por si, ou pelos grupos parlamentares em que se encontram inscritos, requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito [artigo 156.º, alínea f), e artigo 180.º, alínea f), respetivamente].
       Mas, se é certo que o artigo 178.º, n.º 5, da Constituição, confere às comissões parlamentares de inquérito «poderes de investigação próprios das autoridades judiciais» (e não, das autoridades judiciárias[48]) tal não significa que se encontrem investidas de todos os poderes das autoridades judiciais[49], nem significa, que o conceito de autoridade judicial coincida — ou tenha, necessariamente de coincidir — com os poderes do juiz no Código de Processo Penal. Deixa de fora, isso sim, os poderes do Ministério Público, enquanto autoridade judiciária, mas não judicial [artigo 1.º, alínea b), do CPP].
       O legislador dispõe, aqui, de uma margem não despicienda de livre decisão para identificar os poderes das autoridades judiciais que devam assistir às comissões parlamentares de inquérito e, sobretudo, para definir os termos em que devem ser exercidos.
       Uma margem que, em todo o caso, não pode pôr em causa o essencial da separação e interdependência de poderes (artigo 111.º, n.º 1, da Constituição), nem conferir às comissões poderes inquisitórios que não sejam de investigação, o que exclui, evidentemente, poderes para administrar a justiça e reprimir a violação da legalidade democrática, mas que deixa de fora, outrossim, os poderes de controlo para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, como é o caso da generalidade dos poderes do juiz de instrução, ao longo do inquérito, em processo penal (artigo 202.º, n.º 2).
       A procura desse equilíbrio deu lugar, desde a aprovação da atual Constituição, a várias soluções legislativas e regimentais: primeiro, a Lei n.º 43/77, de 18 de junho, e, mais tarde, a Lei n.º 5/93, de 1 de março, alterada em 1997, revista em 2007, modificada em 2019, e, muito recentemente, em 2024.
       Nunca, porém foi disciplinado um procedimento, cuja falta se faz sentir, principalmente nas relações das comissões com os visados, os depoentes e os demais sujeitos chamados a colaborar com o inquérito parlamentar.
       §18. — O simples reenvio para os poderes das autoridades judiciais contrasta com múltiplas e variadas normas constitucionais que ilustram a «indispensabilidade de organização e procedimento justos para a garantia de direitos fundamentais[50]», e cuja conformidade constitui pressuposto ou requisito de validade — por vezes, até, de existência jurídica[51] — «das leis e dos demais atos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas» (artigo 3.º, n.º 3):

              (i) O procedimento eleitoral que conforma o exercício do poder político através do sufrágio universal, igual, direto, secreto e periódico (artigo 10.º, n.º 1), como pedra angular da democracia representativa (artigo 2.º) e com a consequente consagração, no artigo 113.º, dos princípios gerais de direito eleitoral, além da sua específica concretização nas normas sobre a eleição do Presidente da República (artigo 121.º e seguintes), dos Deputados à Assembleia da República (artigo 149.º e seguintes), dos deputados às assembleias legislativas das Regiões Autónomas (artigo 231.º, n.º 2) e dos membros de alguns órgãos do poder local (artigo 239.º);
              (ii) A garantia de um direito processual eleitoral a ser aplicado pelos tribunais (artigo 113.º, n.º 6) e a competência do Tribunal Constitucional para julgar em última instância a regularidade e a validade dos atos eleitorais [artigo 223.º, n.º 2, alínea c)];
              (iii) Os procedimentos do referendo nacional, regional ou local (artigos 115.º e 240.º), do referendo sobre a aprovação de tratados que visem a construção e aprofundamento da união europeia (artigo 295.º) e os particularismos da consulta direta que condiciona a instituição, em concreto, das regiões administrativas (artigo 256.º);
              (iv) O procedimento administrativo, conformado por lei e que assegura «a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito» (artigo 267.º, n.º 5) e garanta os direitos dos administrados relativos aos atos, contratos e regulamentos em que sejam diretamente interessados (artigo 268.º, n.º 1);
              (v) O procedimento de organização e funcionamento dos órgãos colegiais como garantia do princípio democrático: publicidade das reuniões das assembleias que funcionem como órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local (artigo 116.º, n.º 1), garantia da presença da maioria do número legal de membros (quórum) como condição essencial para deliberarem (n.º 2) e o princípio da maioria simples (ou relativa) no apuramento da pluralidade de votos (n.º 3);
              (vi) As diversas leis processuais que reforçam a independência e conformam o exercício da função jurisdicional pelos tribunais (artigo 205.º), incluindo a execução das sentenças (artigo 205.º, n.º 3);
              (vii) A necessidade de um regime da organização, funcionamento e processo no Tribunal Constitucional [artigo 164.º, alínea c), e artigo 223.º];
              (viii) Os procedimentos de atuação do Provedor de Justiça, a fim de obter a cooperação da Administração Pública para apreciar as queixas que recebe e formular as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças (artigo 23.º, n.º 1 e n.º 4);
              (ix) A necessidade de um regime de organização e funcionamento da entidade administrativa independente com funções de regulação da comunicação social (artigo 39.º, n.º 2);
              (x) As garantias elementares dos processos sancionatórios, nomeadamente contraordenacional e disciplinar (artigo 32.º, n.º 10, e artigo 269.º, n.º 3);
              (xi) O processo criminal como paradigma do equilíbrio entre a repressão de infrações e a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias (artigo 27.º e seguintes):
              (xii) Os procedimentos de expulsão e extradição (artigo 33.º);
              (xiii) O concurso público como procedimento ordenado a garantir a liberdade e igualdade dos opositores no acesso à função pública (artigo 47.º, n.º 2);
              (xiv) O procedimento de gestão do serviço nacional de saúde de modo a garantir que seja descentralizado e participado (artigo 64.º, n.º 4);
              (xv) Os procedimentos de elaboração dos instrumentos de gestão territorial (artigo 65.º, n.º 5) e dos planos económicos e sociais [artigo 81.º, alínea j), e artigo 91.º];
              (xvi) O procedimento orçamental [artigos 105.º, 106.º e 164.º, alínea r)];
              (xvii) A reserva de lei da Assembleia da República em matéria de processo penal [artigo 165.º, n.º 1, alínea c)], de um regime geral para os procedimentos disciplinares e de outro para os processos contraordenacionais [artigo 165.º, n.º 1, alínea d)];
              (xviii) A necessidade de um procedimento próprio para a criação, extinção e modificação de autarquias locais [artigo 164.º, alínea n)];
              (xix) A necessidade de um regime geral para os procedimentos de requisição e de expropriação por utilidade pública [artigo 165.º, n.º 1, alínea e)];
              (xx) O procedimento contra o Presidente da República por crime praticado no exercício das suas funções [artigo 130.º, n.º 2, e artigo 163.º, alínea c]], e os procedimentos para suspensão do exercício de funções por membro do Governo acusado criminalmente (artigo 196.º, n.º 2), de perda do mandato por Deputado (artigo 160.º) ou de levantamento da imunidade parlamentar (artigo 157.º, n.º 2), e a suspensão de Deputado para efeitos de ação penal contra si (n.º 4);
              (xxi) O procedimento legislativo parlamentar (artigo 161.º e seguintes) e o procedimento de apreciação parlamentar de atos legislativos de outros órgãos (artigo 169.º);
              (xxii) O procedimento próprio de funcionamento do Governo (artigo 198.º, n.º 2);
              (xxiii) O procedimento de declaração dos estados de exceção constitucional [artigos 19.º, 134.º, alínea d), 138.º, 161.º, alínea l), 162.º, alínea b), 179.º, n.º 2, alínea f), e 197.º, n.º 1, alínea f)];
              (xxiv) Os procedimentos de tutela administrativa sobre os eleitos locais e órgãos autárquicos que integram (artigo 242.º);
              (xxv) A tipicidade das medidas de polícia e a vinculação da atividade das polícias (administrativa e judiciária) a leis próprias (artigo 272.º, n.º 2 e n.º 3);
              (xxvi) O processo de efetivação da responsabilidade por infrações financeiras [artigo 214.º, n.º 1, alínea c)];
              (xxvii) O processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade (artigo 278.º e seguintes);
              (xxviii) Os processos de fiscalização sucessiva da constitucionalidade e da legalidade (artigo 280.º e seguintes);
              (xxix) O procedimento de verificação da inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º);
              (xxx) O procedimento de revisão constitucional (artigo 284.º e seguintes);
              (xxxi) O processo judicial equitativo como direito fundamental (artigo 20.º, n.º 4).

       Se a função mais notória de todos estes procedimentos e processos consiste em ordenar atividades adstritas a um fim primordial, talvez a mais importante seja a de fazer valer os direitos, liberdades e garantias: de defesa ou de participação constitutiva.
       Pergunta-se, ainda assim, MARIA DE FÁTIMA MATA-MOUROS, logo no proémio da sua dissertação, pelo seguinte[52]:

              «À generosidade do catálogo dos direitos fundamentais consagrado na Constituição Portuguesa de 1976 corresponderá, todavia, a estrutura procedimental adequada a conferir plena eficácia aos mesmos?»

       E, na verdade, no que toca às comissões parlamentares de inquérito, a Constituição, no artigo 178.º, n.ºs 1, 2, 4, 5 e 6, definiu a sua constituição e composição, mas, como vimos, não delineou um procedimento que adaptasse o exercício de poderes judiciais de investigação à função política do Estado.
       §19. — Com efeito, o exercício de poderes das autoridades judiciais não é nem pode ser acompanhado pela observância integral das normas e princípios processuais que os tribunais aplicam no desempenho da função jurisdicional.
       As comissões parlamentares de inquérito não são, nem podem ser tribunais, não podem administrar a justiça em nome do povo (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), nem lhes compete a última palavra na defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, como tão-pouco lhes compete reprimir a violação da legalidade democrática ou dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (n.º 2).
       Por outro lado, não lhes cumpre exercer a ação penal, nem lhes compete a defesa da legalidade democrática que se encontram reservadas ao Ministério Público (artigo 219.º, da CRP).
       Contudo, pode competir a uma comissão especial, obrigatoriamente criada para esse efeito[53], sob proposta de um quinto dos Deputados em efetividade de funções e a aquiescência de, pelo menos, dois terços dos Deputados em iguais condições, desencadear, junto do Supremo Tribunal de Justiça, o processo de apuramento da responsabilidade do Presidente da República por crime praticado no exercício de funções (artigo 130.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, e artigo 33.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho[54]).
       Na falta de indicações constitucionais específicas a respeito do procedimento a observar, a delicadeza que reveste alguns inquéritos parlamentares não pode deixar de despertar questões sensíveis e complexas, tanto em matéria de direitos, liberdades e garantias[55], como também em face da separação e interdependência de poderes[56].
       A incompatibilidade entre o exercício da função política do Estado e as normas e princípios do processo penal, do processo civil ou do contencioso administrativo salta à vista.
       Em todos estes regimes processuais, os poderes inquisitórios do juiz[57] contam com o seu estatuto de independência e imparcialidade. Algo que, por natureza, não tem lugar no exercício da função política do Estado, ainda que se procure obviar à participação nas comissões parlamentares de inquérito de Deputados em conflito de interesses[58].
       Nem é difícil captar nos sinais dos tempos que a falta de um instrumento procedimental de contenção pode abrir portas a vetores inquisitórios excessivos que só uma sentença condenatória ou absolutória permitiria justificar, começando pelos estreitos ou inexistentes meios de recurso ao dispor dos cidadãos que se julguem lesados, sejam eles titulares de cargos públicos ou simples particulares, chamados a depor ou a prestar informações.
        §20. — De qualquer modo, além da já mencionada conformação decorrente do princípio da separação de poderes e sem embargo dos mecanismos de interdependência com arrimo constitucional, cumpre às comissões parlamentares de inquérito observar e respeitar, direta ou indiretamente:

              (1) O âmbito da fiscalização política a exercer pela Assembleia da República: sobre si própria (velando pelo cumprimento da Constituição e da lei) e sobre os atos do Governo e da Administração, da qual o Governo constitui o órgão superior [artigo 162.º, alínea a] e artigo 182.º];
              (2) As garantias próprias de um Estado de direito democrático (artigo 2.º, da Constituição), nomeadamente as garantias de moderação ou proibição do excesso no exercício de poderes de autoridade, de contraditório, de proteção da confiança legítima, de publicidade dos atos oficiais, de previsibilidade da atuação dos poderes públicos[59];
              (3) O princípio da constitucionalidade de todos os atos do Estado, enquanto condição primária da sua validade (artigo 3.º, n.º 3);
              (4) O respeito pelo regime autonómico político-administrativo dos Açores e da Madeira, pelo princípio da subsidiariedade e pela autonomia das autarquias locais (artigo 6.º, n.º 1, e artigo 225.º e seguintes);
              (5) A observância das normas e princípios de direito internacional público que vigoram na ordem jurídica interna (artigo 8.º, n.º 1), das convenções internacionais a que Portugal se vinculou (n.º 2[60]) e das normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte, desde que a sua aplicação direta se encontre estabelecida nos tratados constitutivos (n.º 3);
              (6) A vinculação pelas disposições dos tratados que regem a União Europeia e pelas normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências e que se apliquem internamente, sem mais, nos termos definidos pelo direito da União Europeia (n.º 4);
              (7) A direta vinculação pelos preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias ou a outros direitos fundamentais cuja natureza seja análoga (artigo 17.º), uma vez que são diretamente aplicáveis às entidades públicas e privadas (artigo 18.º, n.º 1), sempre interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948 (artigo 16.º, n.º 2), relevando, em especial para a atividade das comissões parlamentares de inquérito:
                     (a) O direito a uma proteção efetiva da parte dos tribunais contra atos lesivos praticados à ordem de um inquérito parlamentar (artigo 20.º, n.º 1);
                     (b) O direito a patrocínio judiciário, a ser acompanhado por defensor e a ver respeitadas as regras próprias de um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 2 e n.º 4);
                     (c) O direito de desobedecer a ordem que ofenda os direitos, liberdades e garantias, na impossibilidade de «recorrer à autoridade pública» (artigo 21.º);
                     (d) O direito a ser civilmente reparado por lesões devidas a ações ou omissões que os Deputados das comissões parlamentares de inquérito pratiquem no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem (artigo 22.º);
                     (e) Os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação (artigo 26.º, n.º 1);
                     (f) As garantias efetivas que a lei tem de prever contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias (artigo 26.º, n.º 2);
                     (g) A garantia contra a privação total ou parcial da liberdade, exceto em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança (artigo 27.º, n.º 1);
                     (h) A proibição de obter elementos de prova mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na sua vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações (artigo 32.º, n.º 8);
                     (i) A inviolabilidade do domicílio e do sigilo da correspondência (artigo 34.º, n.º 1);
                     (j) A proibição de ingerência na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, sendo que às comissões de inquérito não assistem as exceções reservadas à aplicação da lei processual criminal (artigo 34.º, n.º 4);
                     (k) A proibição do tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis (artigo 35.º, n.º 3);
                     (l) A inviolabilidade dos dados pessoais (artigo 35.º, n.º 4);
                     (m) A proibição de censura sobre a livre divulgação do pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio (artigo 37.º, n.º 1 e n.º 2);
                     (n) O direito de resposta e de retificação (artigo 37.º, n.º 4);
                     (o) As garantias de proteção da independência e do sigilo profissionais dos jornalistas [artigo 38.º, n.º 2, alínea b)];
                     (p) A garantia de não se ser perguntado pelas suas convicções ou prática religiosa, nem ser prejudicado por se recusar a responder (artigo 41.º, n.º 2);
                     (q) A garantia das igrejas e das outras comunidades religiosas contra intromissões públicas, designadamente na sua organização, no exercício das suas funções e no culto (artigo 41.º, n.º 4);
                     (r) O direito à objeção de consciência (artigo 41.º, n.º 6);
                     (s) A proteção dos direitos de autor (artigo 42.º, n.º 2);
                     (t) A exclusão da responsabilidade de funcionários ou agentes que atuem no cumprimento de ordens ou instruções emanadas de legítimo superior hierárquico e em matéria de serviço, se previamente delas tiverem reclamado ou exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito (artigo 271.º, n.º 2);
                     (u) A cessação do dever de obediência perante o superior hierárquico, com relação a ordens ou instruções cujo cumprimento importe a prática de qualquer crime (artigo 271.º, n.º 3);
                     (v) O direito à fundamentação das decisões dos tribunais (artigo 205.º, n.º 1) e dos atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos (artigo 268.º, n.º 3).
              (8) A composição representativa dos partidos políticos segundo a sua representatividade parlamentar (artigo 115.º, n.º 1);
              (9) O estatuto da oposição e os direitos das minorias parlamentares no seu próprio funcionamento como órgãos auxiliares do Parlamento (artigo 115.º, n.º 2);
              (10) O funcionamento com presença da maioria do número legal dos seus membros (quórum), sob pena de inexistência jurídica das deliberações (artigo 116.º, n.º 2);
              (11) O princípio maioritário — simples ou relativo[61] — dos órgãos colegiais, quando do apuramento dos votos, salvo disposição em contrário (artigo 116.º, n.º 3);
              (12) A responsabilidade política e criminal dos seus membros enquanto titulares de cargos políticos (artigo 117.º, n.º 1), sem prejuízo da imunidade parlamentar «pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções» (artigo 157.º, n.º 1);
              (13) A caducidade dos inquéritos parlamentares não concluídos no termo final da legislatura, mesmo que antecipado por dissolução (artigo 172.º, n.º 3[62]);
              (14) A independência funcional relativamente aos demais trabalhos parlamentares e suas interrupções (artigo 174.º, n.º 5);
              (15) A assistência pelo corpo permanente de funcionários técnicos e administrativos parlamentares e por especialistas requisitados ou temporariamente contratados, em número que o Presidente da Assembleia da República considere necessário (artigo 181.º);
              (16) A reserva de jurisdição (artigo 202.º, n.º 2) e as reservas de aplicação da lei processual, compreendendo o mandado para entrada não consentida no domicílio (artigo 34.º, n.º 2), a aplicação de medidas de coação que se prendam diretamente com direitos, liberdades e garantias (artigos 27.º, 28.º e artigo 32.º, n.º 4), a expulsão de quem tenha entrado ou permaneça regularmente no território nacional, de quem tenha obtido autorização de residência, ou de quem tenha apresentado pedido de asilo não recusado (artigo 33.º, n.º 2) e a extradição (n.º 4);
              (17) A sujeição às decisões dos tribunais (artigo 205.º, n.º 2);
              (18) O respeito pelas reservas da função administrativa (artigo 266.º, n.º 2), pela independência das entidades administrativas criadas com esse estatuto (artigo 267.º, n.º 3) e pela autonomia das associações públicas (n.º 4);
              (19) A incolumidade das investigações judiciárias em curso (artigo 219.º, n.º 2);
              (20) A relação das Forças Armadas com o seu Comandante Supremo e com o Governo (artigo 275.º, n.º 3).
       Corolário deste excurso constitucional é considerar que os poderes de investigação das comissões ou dos Deputados — que o artigo 178.º, n.º 4, da Constituição, admite sejam equipolentes a poderes das autoridades judiciais — não podem, em caso algum, conhecer menores limitações e condicionamentos do que aqueles que conformam a atividade de investigação praticada pelo juiz.

VII.

Inquérito parlamentar e direito da União Europeia.

       §21. Vimos resultar do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição, a aplicação às comissões parlamentares de inquérito, não só «das disposições dos tratados que regem a União Europeia», como também das «normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências» desde que «nos termos definidos pelo direito da União» e sempre «com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.»

       São, pois então, aplicáveis às comissões parlamentares de inquérito as prescrições contidas no Regulamento Geral da Proteção de Dados[63] (RGPD) e que, em parte, conferem exequibilidade a direitos e garantias que a Constituição consagra no artigo 35.º, nomeadamente ao definir o conceito de dados pessoais, as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, e ao garantir a sua proteção (n.º 2).
       Ainda recentemente, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), por acórdão de 16 de janeiro de 2024[64] (Österreichische Datenschutzebehörde), concluiu, sob reenvio do Supremo Tribunal Administrativo da Áustria, que as comissões parlamentares de inquérito, ao contrário dos tribunais, se encontram vinculadas pelo RGPD.
       Note-se que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio perguntava ao TJUE, se o artigo 16.º, n.º 2, primeiro período, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e o artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do RGPD, deveriam ser interpretados no sentido de que uma atividade, pela simples razão de ser exercida por uma comissão de inquérito, instituída pelo Parlamento de um Estado‑Membro, no exercício do seu poder de fiscalização do poder executivo, estaria fora do âmbito de aplicação do direito da União, sem, por conseguinte, estar abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento.
       Respondeu o TJUE não poder considerar-se «que uma atividade está fora do âmbito de aplicação do direito da União e, por conseguinte, não é abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento, pela simples razão de ser exercida por uma comissão de inquérito instituída pelo Parlamento de um Estado‑Membro no exercício do seu poder de fiscalização do poder executivo».
       No caso, uma comissão de inquérito instituída pela Câmara dos Deputados fizera publicar uma ata com referências ao depoimento de uma testemunha, identificando-a nominalmente, ao arrepio da anonimização que fora expressamente pedida.
       Ainda que razões de proteção da segurança nacional pudessem derrogar a aplicação do RGPD, pois tratava-se de um inquérito que visava o combate à corrupção, entendeu o TJUE, que a divulgação do nome da testemunha em nada contribuía para esse fim.
       E mais entendeu «que o artigo 77.º, n.º 1, e o artigo 55.º, n.º 1, do RGPD, devem ser interpretados no sentido de que, quando um Estado‑Membro tenha optado, em conformidade com o artigo 51.º, n.º 1, deste regulamento, por instituir uma única autoridade de controlo, sem todavia lhe atribuir competência para fiscalizar a aplicação do referido regulamento por uma comissão de inquérito instituída pelo Parlamento desse Estado‑Membro no exercício do seu poder de fiscalização do poder executivo, estas disposições conferem diretamente a essa autoridade competência para conhecer das reclamações relativas a tratamentos de dados pessoais efetuados pela referida comissão de inquérito.»

 
VIII.
Responsabilidade política e fiscalização parlamentar.

       §22. — O inquérito parlamentar decorre da competência parlamentar de fiscalização política do órgão que responde politicamente perante a Assembleia da República: o Governo (artigo 190.º da CRP).
       A responsabilidade política, nos termos do artigo 117.º, n.º 1, da CRP[65], onera todos os titulares de cargos políticos, mas não da mesma forma e nem sempre perante a Assembleia da República.
       O Governo conduz a política geral do país e constitui o órgão superior da Administração Pública (artigo 182.º). Por isso, a responsabilidade política se estende aos atos praticados pelos órgãos que se encontram sob a sua direção, superintendência ou tutela administrativa [artigo 199.º, alínea d)].
       Atos esses que a Assembleia da República, em caso algum, pode revogar, anular ou modificar, porque não toma parte no exercício da função administrativa do Estado, sem prejuízo de pedir explicações ao Governo e fazer desencadear os meios de responsabilização política.
       As competências parlamentares de fiscalização política encontram-se enunciadas pela Constituição, nos seguintes termos:
«Artigo 162.º

Competência de fiscalização

              Compete à Assembleia da República, no exercício de funções de fiscalização:
              a) Vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da Administração;
              b) Apreciar a aplicação da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência;
              c) Apreciar, para efeito de cessação de vigência ou de alteração, os decretos-leis, salvo os feitos no exercício da competência legislativa exclusiva do Governo, e os decretos legislativos regionais previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º;
              d) Tomar as contas do Estado e das demais entidades públicas que a lei determinar, as quais serão apresentadas até 31 de dezembro do ano subsequente, com o parecer do Tribunal de Contas e os demais elementos necessários à sua apreciação;
              e) Apreciar os relatórios de execução dos planos nacionais.»
       A vigilância pelo cumprimento da Constituição e das leis, a que se refere a alínea a) do artigo 162.º começa pela própria atividade da Assembleia da República, instada a fiscalizar as propostas e projetos de lei[66] ao longo do procedimento legislativo, passa por cumprir e fazer cumprir as normas programáticas da Constituição e estende-se à atividade legislativa do Governo, nos termos do artigo 169.º, pelo controlo incidental dos decretos-leis, em geral, e, de modo particular, dos decretos-leis aprovados no uso de autorizações legislativas parlamentares, a fim de fazer valer o objeto, o sentido, a extensão e a duração tal como fixados, de acordo com o artigo 165.º, n.º 2.
       Manifesta-se, de igual modo, no poder conferido ao Presidente da Assembleia da República [artigo 281.º, n.º 2, alínea b)] e a 1/10 dos Deputados [alínea f)] de requererem ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral, de normas jurídicas aprovadas pelo próprio Parlamento ou por outros órgãos com poderes legislativos ou regulamentares[67].
       Permite-se, ainda, a 1/5 dos Deputados requererem a fiscalização preventiva de decreto enviado para promulgar como lei orgânica (artigo 278.º, n.º 3, da Constituição[68]).
       A vigilância no cumprimento da Constituição e das leis é praticada, bem assim, no controlo dos requisitos de qualificação, efetuado quando da proclamação dos resultados de cada votação[69] (artigo 92.º, n.º 3, do Regimento), ou ainda, por meio da incumbência aos serviços da Assembleia de elaborarem «uma nota técnica para cada um dos projetos e propostas de lei» e que deve conter «uma análise da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais previstos» [artigo 131.º, n.º 2, alínea a)].
       §23. — Não menos relevante é o papel do Presidente da Assembleia da República na fiscalização política da constitucionalidade, designadamente o poder de recusar a admissão de projetos ou propostas de lei, por inconstitucionalidade das suas normas (ou violação de lei de valor reforçado), nos seguintes termos do Regimento:
«Artigo 120.º

Limites da iniciativa

              1 — Não são admitidos projetos e propostas de lei ou propostas de alteração que:
              a) Infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados;
              b) Não definam concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
              2 — Os Deputados, os grupos parlamentares, as Assembleias Legislativas das regiões autónomas e os grupos de cidadãos eleitores não podem apresentar projetos de lei, propostas de lei ou propostas de alteração que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento.
              3 — Os projetos e as propostas de lei definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão legislativa.»
       Dispõe-se, quanto ao procedimento próprio, o seguinte:
«Artigo 125.º

Processo
              1 — Os projetos e propostas de lei são entregues na Mesa para efeitos de admissão pelo Presidente da Assembleia e de publicação no Diário, nos termos da Constituição e do Regimento.

              2 — No prazo de 48 horas, o Presidente da Assembleia deve comunicar ao autor ou ao primeiro signatário a decisão de rejeição.
              3 — Os projetos e propostas de lei e as propostas de alteração são registados e numerados pela ordem da sua entrega na Mesa.
              4 — Os projetos e propostas de lei são identificados, em epígrafe, pelo número, legislatura e sessão legislativa.
              5 — Por indicação dos subscritores, os projetos de lei podem ainda conter em epígrafe o nome do grupo parlamentar proponente ou do primeiro Deputado subscritor, pelo qual deve ser designado durante a sua tramitação.»
       Tal recusa de admissão não é definitiva, pois o Regimento estabelece uma garantia de recurso do despacho do Presidente da Assembleia:
«Artigo 126.º

Recurso

              1 — Admitido um projeto ou proposta de lei e distribuído à comissão parlamentar competente, ou rejeitado, o Presidente comunica o facto à Assembleia.
              2 — Até ao termo da reunião subsequente, qualquer Deputado pode recorrer, por requerimento escrito e fundamentado, da decisão do Presidente da Assembleia.
              3 — Interposto recurso, o Presidente submete-o à apreciação da comissão parlamentar pelo prazo de 48 horas.
              4 — A comissão parlamentar elabora parecer fundamentado, o qual é agendado para votação na reunião plenária subsequente ao termo do prazo referido no número anterior.
              5 — O parecer é lido e votado no Plenário, podendo cada grupo parlamentar produzir uma intervenção de duração não superior a dois minutos, salvo decisão da Conferência de Líderes que aumente os tempos do debate.»

       §24. — Entre a provocação de debates [artigo 180.º, alíneas c) e d)] e das interpelações de política geral ou sectorial [artigo 180.º, alínea d)], das perguntas ao Governo sobre quaisquer atos deste ou da Administração Pública [artigo 156.º, alínea e)], da requisição ao Governo e aos órgãos de qualquer entidade pública de informações e publicações oficiais [alínea f)], a constituição de comissões parlamentares de inquérito [artigo 156.º, alínea g) e artigo 180.º, alínea f)] constitui lídima expressão dos poderes de fiscalização política da Assembleia da República.

       Este meio, destinado a «apreciar os atos do Governo e da Administração» [artigo 162.º, alínea a)], confere aos Deputados e aos grupos parlamentares poderes qualificados de investigação e de responsabilização política do Governo por atos seus ou da Administração.
       O inquérito parlamentar é, por conseguinte, um instrumento fundamental de fiscalização política, a qual, nas palavras de JOSÉ FONTES[70], tem «por função habilitar a Assembleia da República com os dados por ela pretendidos», mas não, contudo, «apurar factos com força de verdade legal, faculdade essa atribuída diretamente aos órgãos jurisdicionais do Estado», em sentido muito próximo ao que foi assinalado no Parecer da Comissão Constitucional n.º 14/77, de 10 de maio[71].
       A ir mais longe, poderia «transmutar-se em poder materialmente administrativo ou jurisdicional» (JÓNATAS MACHADO/ SÉRGIO MOTA[72]).

       §25. — A fiscalização política — sem excluir os inquéritos parlamentares — tem por fundamento e limite a responsabilidade política, com o sentido, nas palavras de J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA[73], de «”prestar contas” pelos resultados das decisões, atos ou omissões que os titulares de funções políticas praticaram no exercício dos respetivos cargos».

       Dever de prestar contas que tem início com a investidura em cargos políticos, nos termos da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho[74].
       Ali se estabelece o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, suas obrigações declarativas e respetivo regime sancionatório; definem-se impedimentos e incompatibilidades, cuja violação pode determinar a perda do cargo ou mandato, e estabelece-se uma continuada obrigação declarativa de rendimentos, património e de informações que possam relevar para o apuramento de conflitos de interesses.
       Em comentário ao artigo 117.º, n.º 1, da Constituição[75], J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA aprofundam a razão de ser e o sentido da responsabilidade política, do modo seguinte:
              «A responsabilidade política conexiona-se com o princípio do Estado de direito democrático: responsabilidade pelos atos praticados no exercício de competências legais, direta ou indiretamente cobertas pela legitimidade democrática. Por outro lado, a responsabilidade política pressupõe uma certa margem de liberdade de decisão (liberdade de conformação, discricionariedade), pois é a liberdade de decisão conexionada com o carácter funcional dos cargos políticos que justifica e legitima a existência de mecanismos de controlo, através dos quais se “pedem contas” relativamente a erros, má direção, insuficiências e omissões no exercício das competências. Finalmente, a responsabilidade é política sob vários pontos de vista: (a) porque o objeto da atividade se insere no espaço do “político” (…); (b) porque as sanções (desde a simples censura à demissão e exoneração) são determinadas tendo em conta tábuas de valores políticos; (c) porque implica sempre, em maior ou menor grau, rutura ou perturbação das relações de confiança existente entre o titular do controlo político e o titular sujeito ao mesmo controlo.
              O facto de se tratar de uma responsabilidade política não significa de modo algum a existência de uma dicotomia ou antagonismo entre responsabilidade “jurídica” e responsabilidade “política”. A responsabilidade política é também uma responsabilidade juridicamente conformada, quer através de instituições jurídicas com competência para controlo sobre os atos (tribunais de contas, tribunais administrativos), quer através da definição jurídica, a nível constitucional, de formas exteriorizadas dos atos sancionatórios de controlo (censura, demissão, exoneração, veto, etc.).
              A responsabilidade política pressupõe um exame e um juízo de censura política sobre a conduta dos titulares de cargos políticos, efetivando-se, tipicamente, pela possibilidade de destituição, de exoneração, etc. uma responsabilidade com este âmbito não existe, porém, no que respeita aos titulares dos cargos políticos diretamente eleitos (PR, deputados, etc.), visto que os eleitos não podem ser destituídos nem o respetivo mandato pode ser revogado. Quanto a estes cargos a responsabilidade política é imperfeita, consistindo apenas na censura pública – responsabilidade difusa

       A responsabilidade política, bem vemos, concretiza-se e manifesta-se em modos e intensidades muito diversos entre si. Todos eles, porém, assentes num vínculo de confiança política — pessoal e institucional — cuja quebra pode determinar a cessação de funções no cargo ou a antecipação do termo final do mandato.
       Também PAULO OTERO[76] distingue na responsabilidade política um modelo concentrado e a falta de um modelo ou aquilo que se convencionou designar responsabilidade difusa.
       O modelo concentrado encontra a sua disciplina na Constituição e opera «no quadro de relações interorgânicas tipificadas e objeto de procedimentalização na sua tramitação de meios e efeitos sancionatórios», compreendendo duas variantes.
       A primeira, de mera responsabilidade institucional, não permite destituir o titular responsável senão com um fundamento político minimamente objetivo. Não basta a quebra da confiança pessoal. É o caso da demissão do Governo pelo Presidente da República como medida necessária ao funcionamento regular das instituições democráticas (artigo 195.º, n.º 2, da CRP).
       A segunda constitui para o Autor a responsabilidade política stricto sensu. Trata-se de convolar a perda de confiança política em imediata demissão. É o que sucede, por exemplo, com a responsabilidade individual dos ministros perante o Primeiro-Ministro (artigo 191.º, n.º 2) ou com o derrube do Governo por moção de censura [artigo 195.º, n.º 1, alínea f)].
       Difusa, ao invés, é a responsabilidade fora de quadros institucionais que só as eleições ou certos referendos permitem aferir.

       O certo é que, independentemente da quebra de confiança pessoal ou institucional, a responsabilidade política compreende a prestação de informações, explicações, justificações ou até de retificações[77] que comportam, em si, ou podem comportar uma dimensão sancionatória, não só com relação ao modo como o poder público foi ou não exercido, mas também em relação à probidade, à idoneidade moral ou às aptidões pessoais do titular do cargo.
       Tudo isto, em termos que não podem ser transpostos dos arquétipos comuns oriundos da responsabilidade civil, criminal, disciplinar ou financeira.
       Mais do que punitivas ou aflitivas, as sanções políticas mostram-se, no essencial, dotadas de um efeito compulsório, induzindo a atos públicos de contrição, ao aperfeiçoamento do desempenho, a uma mudança de estratégia ou, no limite, à demissão.
       A dimensão sancionatória da responsabilidade política é realçada por JAIME VALLE[78], nos seguintes termos:

              «A noção de responsabilidade política em sentido amplo estrutura-se em torno de uma ideia de sujeição da atuação de quem exerce o poder político a uma apreciação ou juízo de outrem, que pode censurar ou concorrer para a modificação daquela atuação, ou constranger ou condicionar o seu desenvolvimento futuro, ou mesmo, no limite, determinar a cessação de funções do titular de cargo político (-). Para nós, não obstante a existência de tentativas de extensão do âmbito da responsabilidade política, procurando encontrar-lhe uma dimensão positiva, não sancionatória, de regulação interinstitucional, integrada num processo relacional (-), o âmago do instituto continua a residir no seu carácter sancionatório, nas consequências negativas que traz para a atuação ou para a posição do seu sujeito passivo (-). A não ser assim, a responsabilidade política diluir-se-ia inexoravelmente, julga-se, no conjunto de regras que regem o funcionamento do poder político, perdendo qualquer autonomia enquanto marco regulatório autónomo do sistema de governo — todo o relacionamento entre os órgãos e entidades do poder político, todas as decisões políticas, corresponderiam simultaneamente à aferição e à criação de critérios de responsabilidade política.»

       Há, ainda, uma outra nota característica da responsabilidade política e não menos relevante, como observa PEDRO LOMBA[79]: «[a] indeterminação dos seus pressupostos, [que] não permite definir aprioristicamente as situações que podem justificar a responsabilidade sancionatória dos sujeitos políticos responsáveis», uma vez que «as motivações de discordância política podem prevalecer sobre as condutas concretas daqueles sujeitos.»

       Não haja dúvidas de que o inquérito parlamentar, enquanto instrumento de fiscalização política dos atos e omissões do Governo e da Administração Pública, convoca, direta ou indiretamente, a sujeição a sanções que, manifestadas em sinais de quebra dos laços de confiança política, podem imprimir, por reflexo ou por acréscimo, efeitos lesivos ao bom nome e reputação dos visados, à reserva da sua vida privada e familiar ou configurar tratamentos discriminatórios.
       §26. — As sanções políticas — decorram, ou não, de um inquérito parlamentar — permitem reconhecer os mais relevantes vínculos de responsabilidade política do sistema de governo, em termos que, no essencial, são revelados pela própria Constituição, interessando-nos, de momento, configurar a responsabilidade política da Assembleia da República e do Governo perante o Presidente da República, a quem compete:

              (1) Convocar extraordinariamente a Assembleia da República ou a sua Comissão Permanente [artigo 133.º, alínea c)];
              (2) Dirigir mensagens à Assembleia da República, sempre que o entenda [alínea d)];
              (3) Dissolver a Assembleia da República [artigo 133.º, alínea e)], com respeito por alguns limites temporais e circunstanciais[80], ouvidos os partidos nela representados e o Conselho de Estado;
              (4) Nomear o Primeiro-Ministro [artigo 133.º, alínea f)], ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais (artigo 187.º, n.º 1) e aceitar a sua demissão, exonerando-o, por ocasião da nomeação e posse de um novo primeiro-ministro [artigo 133.º, alínea g) e artigo 186.º, n.º 4];

              (5) Demitir o Governo, se tal for necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, depois de ouvido o Conselho de Estado [artigo 133.º, alínea g) e artigo 195.º, n.º 2];

              (6) Nomear e exonerar os membros do Governo, sob proposta do Primeiro-Ministro [artigo 133.º, alínea h), artigo 186.º, n.º 2, e artigo 187.º, n.º 2];
              (7) Aprovar ou recusar propostas de referendo nacional (artigo 115.º, n.º 1);
              (8) Promulgar ou vetar politicamente os decretos da Assembleia da República [artigo 134.º, alínea b), e artigo 136.º, n.º 1] e promulgar, vetar ou assinar os decretos do Governo [artigo 134.º, alínea b) e artigo 136.º, n.º 4];
              (9) Ratificar ou recusar a ratificação dos tratados [artigo 135.º, alínea b)] e assinar as resoluções de aprovação das demais convenções internacionais [artigo 133.º, alínea b)];
              (10) Ser informado pelo Primeiro-Ministro acerca dos assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do país [artigo 201.º, n.º 1, alínea c)];

              (11) Requerer a fiscalização abstrata da constitucionalidade, preventiva (artigo 278.º) ou sucessivamente [artigo 281.º, n.º 2, alínea a)] e a verificação da inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º, n.º 1).
       §27. — Vista, especificamente, a responsabilidade política do Governo e dos seus membros configura-se no seguinte modo:

«Artigo 189.º
(Solidariedade governamental)
              Os membros do Governo estão vinculados ao programa do Governo e às deliberações tomadas em Conselho de Ministros.
«Artigo 190.º
(Responsabilidade do Governo)
              O Governo é responsável perante o Presidente da República e a Assembleia da República.
Artigo 191.º

(Responsabilidade dos membros do Governo)

              1 — O Primeiro-Ministro é responsável perante o Presidente da República e, no âmbito da responsabilidade política do Governo, perante a Assembleia da República.
              2 — Os Vice-Primeiros-Ministros e os Ministros são responsáveis perante o Primeiro-Ministro e, no âmbito da responsabilidade política do Governo, perante a Assembleia da República.
              3 — Os Secretários e Subsecretários de Estado são responsáveis perante o Primeiro-Ministro e o respetivo Ministro.»

       A partir deste quadro, podem equacionar-se as principais sanções políticas sobre o Governo:

              a) A rejeição do seu programa pela maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções (artigo 192.º, n.º 4, da Constituição), com a sua consequente demissão [artigo 195.º, n.º 1, alínea d)];
              b) A demissão por iniciativa do Primeiro-Ministro [artigo 195.º, n.º 1, alínea b)], ao perscrutar nas circunstâncias políticas uma diluição da confiança, designadamente ao ver recusado pelo Parlamento um voto de confiança «sobre uma declaração de política geral ou sobre qualquer assunto relevante de interesse nacional» (artigo 193.º);
              c) A recusa de aprovação de uma moção de confiança, com a consequente demissão do Governo [artigo 195.º, n.º 1, alínea e)];
              d) A aprovação de uma moção de censura, por maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções, e a consequente demissão do Governo [artigo 194.º e artigo 195.º, n.º 1, alínea f)];
              e) A exoneração do Primeiro-Ministro pelo Presidente da República, depois de ouvir o Conselho de Estado, «quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas» (artigo 195.º, n.º 2);
              f) O exercício do poder de veto político dos decretos enviados para promulgação presidencial como decretos-leis ou decretos regulamentares (artigo 136.º, n.º 4).

       §28. — Relativamente à Assembleia da República, só o Presidente da República[81] dispõe de poderes suscetíveis de comprometer politicamente a sua atividade, nomeadamente[82]:

              a) Marcar as eleições legislativas [artigo 133.º, alínea b), da CRP];
              b) Dissolver a Assembleia da República [artigo 133.º, alínea e)], no que constitui uma sanção coletiva, já que os Deputados não respondem individualmente perante o Presidente da República;      
              c) Vetar, por discordância política, os decretos enviados para promulgar como lei ou como lei orgânica, mesmo que confirmados após pronúncia por inconstitucionalidade (artigo 279.º, n.º 2), solicitando nova apreciação do diploma em mensagem fundamentada (artigo 136.º, n.º 1), o que a Assembleia da República só pode ultrapassar por maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções que confirmem o decreto (n.º 2), ou por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções, tratando-se de decreto que careça da forma de lei orgânica ou que respeite a relações externas, limites entre os sectores de propriedade dos meios de produção, ou da regulamentação dos atos eleitorais previstos na Constituição que não revistam a forma de lei orgânica (n.º 3);
              d) Convocar extraordinariamente a Assembleia da República [artigo 133.º, alínea c)], «para se ocupar de assuntos específicos» (artigo 174.º, n.º 4);
              e) Dirigir-lhe mensagens, sempre que o julgue conveniente, as quais podem conter censuras ou advertências políticas [artigo 133.º, alínea d)];
              f) Recusar a ratificação de tratado já aprovado por resolução parlamentar [artigo 135.º, alínea b), e artigo 279.º, n.º 4];        
              g) Recusar a promulgação dos atos sem condições de adquirirem existência jurídica (preterição dos requisitos de qualificação[83]), mesmo sem dispor do poder de veto, como sucede em relação as leis de revisão constitucional (artigo 286.º, n.º 3);
              h) Recusar a assinatura dos acordos internacionais que não satisfaçam aos requisitos de qualificação[84] [artigo 134.º, alínea b)];
              i) Requerer a fiscalização preventiva de normas contidas em decreto que este órgão lhe envie para promulgação (artigo 278.º, n.º 1 e n.º 4) e recusar-se a promulgá-lo se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade (artigo 279.º, n.º 1) ainda que a Assembleia da República confirme o decreto por maioria de dois terços dos Deputados presentes e superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções (n.º 2);
              j) Requerer a fiscalização preventiva de normas contidas em tratado que este órgão, depois de aprovar, lhe envie para ratificação (artigo 278.º, n.º 1 e n.º 4) e recusar-se a ratificá-lo se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade (artigo 279.º, n.º 1) ainda que a Assembleia da República confirme o tratado por maioria de dois terços dos Deputados presentes e superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções (n.º 4);
              k) Requerer a declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade ou ilegalidade dos atos normativos aprovados pela Assembleia da República [artigo 281.º, n.º 2, alínea a)], mesmo de resoluções com conteúdo normativo cuja publicação não tenha de ser precedida de promulgação (artigo 166.º, n.º 6);
              l) Requerer a verificação da inconstitucionalidade por omissão de lei parlamentar necessária a conferir exequibilidade a uma norma constitucional (artigo 283.º, n.º 1).
             

       O exercício de tais poderes ver-se-ia comprometido se o Presidente da República tivesse de responder politicamente perante o Parlamento. Compreende-se, pois, que a exposição do Presidente da República aos meios de controlo parlamentar assuma uma dimensão reduzida[85].
       §29. — E assim é, na verdade. O Presidente da República carece do assentimento parlamentar para se ausentar do território nacional (artigo 129.º, n.º 1), excetuadas as passagens por território estrangeiro em trânsito e viagens não oficiais por não mais de cinco dias, para o que basta simples comunicação por escrito (n.º 2);
       E justamente, o único caso de perda do cargo pelo Presidente da República, por motivos políticos, tem lugar neste contexto: ter-se ausentado do território nacional sem o assentimento da Assembleia da República ou, se fosse o caso, da Comissão Permanente (artigo 129.º, n.º 3, da Constituição).
       Ao invés, a perda do cargo pela prática de crime cometido no exercício de funções só ocorre com o trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que o condene (artigo 130.º, n.º 3).
       Até lá, o Presidente da República, assim querendo, permanece em funções, apesar da quebra de confiança manifestada pela Assembleia da República[86], ao promover o processo. Numa iniciativa — recorde-se — que tem de obter a aprovação por 2/3 dos Deputados em efetividade de funções, sob proposta de um mínimo de 1/5 dos Deputados em idênticas condições [artigo 130.º, n.º 2, e artigo 163.º, alínea c)], segundo um mecanismo com raízes no impeachment presidencial que o direito constitucional dos Estados Unidos da América adaptou do parlamentarismo britânico com relação aos ministros da Coroa (the king can do no wrong).
       Os demais vínculos de dependência do Presidente da República em relação à Assembleia ou ao Governo mostram-se ténues, em termos de responsabilidade política, até porque, no caso da recusa parlamentar de autorizações, podem atingir, a título principal, o Governo:

              (1) Autorização parlamentar para declarar guerra ou concluir a paz [artigo 135.º, alínea c)];
              (2) Autorização parlamentar para declarar o estado de sítio ou de emergência (artigo 138.º, n.º 1);
              (3) Dever de fundamentação do veto político de decreto enviado pelo Presidente da Assembleia da República para promulgação como lei[87], por ocasião da solicitação de nova apreciação do diploma (artigo 136.º, n.º 1);
              (4) Promulgação obrigatória de atos normativos confirmados pela Assembleia da República após veto político (artigo 136.º, n.º 2 e n.º 3);
              (5) Tomada de posse perante a Assembleia da República (artigo 127.º, n.º 1);
              (6) Conhecimento parlamentar da mensagem de renúncia ao mandato como condição da sua eficácia jurídica (artigo 131.º, n.º 2; e,
              (7) Referenda ministerial necessária à existência jurídica de atos praticados pelo Presidente da República (artigo 142.º).

       A bem dizer, a maior parte destes vínculos não configura verdadeiras sanções políticas.
       Em rigor, como se viu, o campo das sanções políticas que possam atingir o Presidente da República não vai além da perda do cargo por ausência do território nacional não consentida (artigo 129.º, n.º 3), depois de verificada pelo Tribunal Constitucional [artigo 223.º, n.º 2, alínea b)].
       §30. — Uma vez que a responsabilidade política proporciona sanções atípicas, por vezes, inominadas, desprovidas de forma, e que podem resultar do curso de um inquérito parlamentar ou decorrer do seu relatório final, não se vê como pudesse o estatuto constitucional do Presidente da República expor o seu titular a tais vicissitudes.

       Referimo-nos à repreensão ou admoestação do visado, mais ou menos velada, mais ou menos vigorosa ou contundente, e que pode levar o titular de cargo público à retratação, admitindo o erro (ainda que alheio), à contrição pública, pedindo desculpas, ou à demissão espontânea, se interpretar as circunstâncias como perda absoluta de confiança no seu desempenho.
       Efeito comum a tais sanções é o juízo popular que o proscénio da comissão de inquérito proporciona através da comunicação social. Juízo que se manifesta de modo inorgânico e difuso, nos comentários, críticas e invetivas verbalizados, individual ou coletivamente. Adquirem intensidades diversas, segundo a propagação que a imprensa escrita, as rádios, as televisões e as redes sociais lhes conferem.
       A dimensão sancionatória da responsabilidade política é assinalada pela doutrina em diferentes matizes, havendo mesmo quem reconheça ao próprio dever de responder perante uma comissão parlamentar de inquérito o caráter de sanção política[88].
       Nas palavras de PAULO OTERO[89], a responsabilidade política envolve sempre «uma apreciação ou um juízo sobre a conveniência, a oportunidade e o mérito substantivo de condutas políticas», motivo por que «determina que o sujeito a ela vinculado tenha a obrigação de informar, explicar, justificar ou apenas assumir os efeitos dessa conduta, encontrando-se ainda adstrito a ter de suportar a crítica, a retificação da conduta ou até a perda sancionatória do respetivo cargo».
       Apesar de as sanções políticas não conhecerem um parâmetro preciso, é possível, no entanto, divisar contornos tendenciais, como explica PEDRO LOMBA[90]:

              «Se a responsabilidade política precisa de critérios tendenciais de decisão(X), podemos antecipar os seguintes: (1) A exigibilidade da obrigação de demissão é mais intensa em relação aos atos críticos praticados no exercício das funções dos titulares de cargos políticos do que em relação aos atos pessoais. A este respeito, pode falar-se num princípio da prioridade dos atos funcionais sobre os atos pessoais para a execução da sanção de responsabilidade política; (2) Em segundo lugar, precisamos de uma decisão ou conduta política merecedoras de um forte sentimento de rejeição coletiva; excluída está a possibilidade de se exigir a demissão de um titular de cargos políticos com base num qualquer juízo de prognose. Forçar a demissão de um sujeito político responsável apenas porque, presumivelmente, esse sujeito desempenhará as suas funções de forma defeituosa afasta a responsabilidade política de uma função reativa; (3) Por outro lado, os membros do Governo ou de órgãos executivos são mais suscetíveis à obrigação de demissão do que os titulares de outros órgãos políticos, como os deputados e o Presidente da República. Não por acaso, nas democracias parlamentares as condições de responsabilidade sancionatória dos deputados são limitadas, ao passo que, no respeitante ao Presidente, podem nem existir; (4) A responsabilidade sancionatória pode atingir, a título vicariante, outros sujeitos que não o titular político responsável, desde que seja manifesta a sua comparticipação na conduta objeto de responsabilidade; (5) A demissão será mais facilmente exigível se ela não produzir efeitos intoleráveis consequentes, isto é, se dela resultar um prejuízo institucional claramente superior à aplicação da responsabilidade política. Com efeito, não parece que o dever de demissão possa ser o mesmo em condições de normalidade constitucional e durante situações de emergência. Havendo fortes riscos de subversão ou ameaça à ordem pública, a efetivação da responsabilidade política pode ser atenuada; (6) A obrigação de demissão será ainda inequívoca, ou muito provável, se uma conduta política patentear uma incompetência elevada de um agente político para o cumprimento das suas funções; (7) É ainda possível perspetivar um dever de demissão quando, nos órgãos colegiais sujeitos ao princípio da solidariedade, um dos seus membros atua contra esse princípio. Nesta hipótese será o próprio princípio da solidariedade a impor o dever de demissão».
       A atipicidade dos meios de responsabilização política deve-se à sua própria natureza. De resto, também não se exige, propriamente uma infração política, tão-pouco um dano ou prejuízo[91], mas uma conduta valorada negativamente segundo critérios éticos ou funcionais, mais ou menos fluidos, sem sequer se exigir a prova de factos conclusivos de uma atuação subjetivamente culposa, como explica J.J. GOMES CANOTILHO[92]:

              «A responsabilidade político-constitucional não tem nada a ver com os conceitos de culpa pessoal, dolo ou negligência. Um Ministro que possui poderes de direção, superintendência e tutela, pode não ser disciplinar ou criminalmente responsável por decisões erradas, falhas nos serviços ou comportamentos ilegais dos órgãos, funcionários ou agentes do seu ministério, mas isso não impedirá eventualmente a sua responsabilidade política pelas disfunções verificadas nesses mesmos serviços.»
       Por seu turno, JOSÉ DE MATOS CORREIA/ RICARDO LEITE PINTO[93] interrogam-se pelo lugar, na responsabilidade política, da presunção de inocência, do ónus da prova, da certeza da culpabilidade, do princípio da legalidade, da natureza pessoal da falta, da imparcialidade e do duplo grau de jurisdição na responsabilidade.
       Concluem que nenhuma destas garantias é válida no domínio da responsabilidade política[94]:
              «Quanto à presunção de inocência, ela é justamente contrária, em razão das funções que o titular do cargo político exerce e de acordo com o qual é responsável.
              Por seu lado, o ónus da prova não é de quem acusa, mas sim do titular do cargo político, que terá que demonstrar que agiu de acordo com os deveres da sua função.
              O mesmo se diga da certeza da culpabilidade. Sendo inquestionável que o exercício da responsabilidade exigirá um mínimo de nexo causal entre o comportamento do governante e os factos, não é necessário valorar os requisitos de capacidade e da causalidade com o mesmo rigor que na responsabilidade penal ou, até, na civil e administrativa. Pode perfeitamente admitir-se a sanção política sem a comprovação da culpabilidade, como é o caso paradigmático da culpa por factos dos subordinados. Aqui, o que sobretudo releva é a prova da diligência ou da falta dela, empregue para cumprir os deveres inerentes à função. A questão é especialmente importante no âmbito da responsabilidade política difusa e tomou grande amplitude no contexto do direito constitucional inglês (-), onde parece ter-se desenvolvido uma teoria e uma prática mais exigente do que em outros países (-).
              Com a legalidade, ou seja a previsão prévia de uma infração típica, também não há similitude. A responsabilidade política é, em larga medida, retroativa, avaliando-se pelas consequências constatadas e não existindo, portanto, qualquer elenco dos factos que podem, ou não, determiná-la. E é assim naturalmente, porque para além dos procedimentos constitucionais que estão tipificados, os factos reprováveis, a sua magnitude e a intensidade da sanção, não o estão. Tudo depende, em última análise, do critério da oportunidade política, se bem que este possa ser ponderado à luz das convenções constitucionais existentes em cada país.
              Por outro lado, a responsabilidade política não assume necessariamente natureza pessoal, já que o Governo responde, por definição, pelos serviços colocados sob a sua tutela e, nesse sentido, pode (…) responder por uma falta política de outrem.
              No que toca à imparcialidade, isto é, ao direito daquele que é julgado a ver as suas atitudes valoradas por quem não tem interesse ou intervenção direta no litígio, e se encontra ademais colocado numa posição supra partes, também ela se não verifica. Ao contrário até, na medida em que aqueles a quem cabe o direito de fazer cessar um mandato, por via da utilização dos variados mecanismos de responsabilidade política, apresentam normalmente um interesse direto na questão, pretendendo retirar consequências benéficas da decisão que tomam ou em cuja adoção participam.
              Finalmente, a garantia do duplo grau de jurisdição — isto é, da possibilidade de recurso ou de submissão a fiscalização do ato que acarreta a responsabilização —, encontra-se afastada. No plano político, porque as decisões que isso visam acarretam, por via de regra, um efeito imediato — v.g. a queda do Governo — que não pode posteriormente ser apagado. No plano jurídico, porque exceto naqueles casos em que tenha havido preterição de formalidades essenciais — v.g. não atingimento da maioria requerida ou ilegitimidade dos apresentantes de uma moção de censura — estar-se-á perante um ato de conteúdo político, cuja apreciação excede a capacidade de intervenção dos tribunais».
       E, no termo desta análise, concluem[95]:
              «O contraste é pois, evidente. A responsabilidade política, embora desempenhando um papel largamente repressivo, no sentido em que visa julgar o passado, tem igualmente a preocupação de prevenir o futuro (-). O certo é que, (…), é bem mais fácil fazer a distinção teórica entre responsabilidade política e responsabilidade penal do que concretizá-la na prática. Acontecendo mesmo que a intersecção entre uma e outra é constante, compreende-se que este seja um dos pontos movediços e mais polémicos de toda esta matéria.»

       §31. — A responsabilidade política e os seus instrumentos não têm de replicar o processo penal. A crescente tendência para a criminalização do erro, do comportamento politicamente incorreto ou civicamente impróprio, tem vindo a ser criticada pela doutrina francesa, particularmente por motivo da instituição de uma jurisdição especial para os delitos de responsabilidade: a Cour de justice de la République[96].
       No entanto, há também o risco de os mecanismos de responsabilidade política arrastarem para a exposição pública e para possíveis lesões ao bom nome e reputação de pessoas que não respondem politicamente: funcionários e agentes da Administração ou mesmo particulares sem quaisquer funções públicas, em especial, quando o membro do Governo se furta a assumir a responsabilidade política, endossando-a aos seus colaboradores ou a altos funcionários que dele dependem.
       Mais a mais, entre nós, os instrumentos de fiscalização política, designadamente o inquérito parlamentar, não distinguem um “arguido” ou “visado” dos demais sujeitos, de tal sorte que não há lugar para os direitos de audiência e defesa, garantidos nos procedimentos sancionatórios ao arguido pelo artigo 32.º, n.º 10, da Constituição.

       O contraditório nas comissões parlamentares de inquérito parlamentar fica a cargo dos seus membros, mas a condição indiferenciada entre visados, suspeitos, testemunhas ou até especialistas técnicos permite que as inquirições facilmente resvalem.
       Se o objeto do inquérito for omisso, os diversos depoentes não se distinguem de um “réu” ou de um “arguido”, sem disporem de meios de salvaguarda efetiva dos direitos que um processo equitativo proporcionaria.
       O défice procedimental tem, ainda, como consequência serem juridicamente irrelevantes os possíveis atropelos à obtenção de meios de prova, a menos que a própria comissão de inquérito se retrate. Com efeito, a invalidade esfuma-se numa mera irregularidade por faltarem meios que assegurem o primado da Constituição e da lei.
       Por último, se é certo que a defesa do visado se mostraria fundamental, a verdade é que sem uma concreta acusação não pode haver verdadeira defesa, pois como GERMANO MARQUES DA SILVA/ HENRIQUE SALINAS[97] fazem notar sagazmente, «a defesa pressupõe a prévia acusação», sendo «o direito de se defender (…) por muitos considerado um princípio natural de qualquer tipo de processo, uma exigência fundamental do Estado de Direito material».
       A responsabilidade política, pelo contrário, pode prestar-se a insinuações, ambiguidades e rumores, sem uma acusação concreta, não obstante dever obedecer a um mínimo de condicionalismos jurídicos, pois, «nada que esteja inscrito na Constituição deve ser alheio ao domínio do jurídico[98]».

 
IX.

O inquérito parlamentar na Lei e no Regimento.

       §32. — Entrada em vigor a Constituição de 1976, coube, primeiro, ao Regimento da Assembleia da República e, depois, à Lei n.º 43/77, de 18 de junho, disciplinar os inquéritos parlamentares, numa redação preservada de vicissitudes, ao longo de quase 16 anos.
       Em larga medida, graças ao contributo hermenêutico prestado pela Comissão Constitucional, através do Parecer n.º 14/77, de 10 de maio[99].

       Seguindo de muito perto o texto constitucional, a Lei n.º 43/77, de 18 de junho, dispôs que os inquéritos parlamentares teriam «por função vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da Administração» (artigo 1.º, n.º 2), e por objeto «qualquer matéria de interesse público relevante para o exercício das atribuições da Assembleia da República» (n.º 2).
       Relevância que passa por estar, ou não, ao alcance da Assembleia da República retirar consequências legislativas ou de responsabilidade política, o que exclui, naturalmente o exercício de poderes disciplinares, de imputação criminal ou contraordenacional.
       A iniciativa do inquérito partiria dos grupos parlamentares e dos Deputados de partidos não constituídos em grupo parlamentar, das comissões especializadas permanentes ou eventuais da Assembleia, de um mínimo de trinta Deputados ou, até, do Governo, através do Primeiro-Ministro (artigo 2.º, n.º 2), conquanto a abertura do inquérito não dispensasse a aprovação em Plenário (n.º 1).
       E já então se dispunha que «Qualquer projeto ou proposta de resolução tendente à realização de um inquérito deve indicar o seu objeto e os seus fundamentos, sob pena de rejeição liminar pelo Presidente da Assembleia, sem prejuízo de recurso, nos termos do Regimento» (artigo 2.º, n.º 3).
       Os inquéritos parlamentares só poderiam ser realizados através de comissões eventuais da Assembleia, especialmente constituídas para cada caso, nos termos do Regimento (artigo 3.º, n.º 1), sujeitas a uma duração máxima de seis meses (n.º 2), que, para o desempenho da sua missão, gozariam «de todos os poderes de investigação das autoridades judiciais» (artigo 4.º, n.º 1), sem prejuízo da «coadjuvação das autoridades judiciais e administrativas, nos mesmos termos que os tribunais» (n.º 2).
       Todos os poderes de investigação judicial e não apenas alguns, em contradição com o que viria a ser aditado, como n.º 5 do ex-artigo 181.º, pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro: «As comissões parlamentares de inquérito gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais».
       Originariamente, como se observou, a Constituição de 1976 fora muito parcimoniosa, nesta matéria, limitando-se a dispor no artigo 181.º, n.º 1, que a Assembleia da República teria as comissões previstas no regimento e poderia «constituir comissões eventuais de inquérito ou para qualquer outro fim determinado».
       A 1.ª Revisão Constitucional terá, assim, procurado constitucionalizar o disposto no artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 43/77, de 18 de junho[100], mas acabou por abrir caminho a uma inconstitucionalidade superveniente, já que a redação adotada incumbe o legislador ordinário de especificar quais, de entre os poderes de investigação da autoridade Judicial, assistem às comissões parlamentares de inquérito.
       Por princípio, as reuniões das comissões não seriam públicas (artigo 6.º, n.º 1) e os depoimentos feitos perante os Deputados seus membros só poderiam ser consultados ou publicados com autorização do autor (n.º 4).
       Quanto à convocação para depor, dispunha-se o seguinte:
«Artigo 7.º

(Convocação de pessoas)

              1 — As comissões parlamentares de inquérito podem convocar qualquer cidadão para depor sobre factos relativos ao inquérito.
              2 — As convocações serão assinadas pelo presidente da comissão ou, a solicitação deste, pelo Presidente da Assembleia da República e deverão conter as indicações seguintes:
              a) O objeto do inquérito;
              b) O local, o dia e a hora do depoimento;
              c) As sanções previstas no artigo 10.º da presente lei.
              3 — A convocação será feita sob a forma de aviso para qualquer ponto do território, nos termos do artigo 83.º do Código de Processo Penal, podendo, contudo, no caso de funcionários, agentes do Estado ou de outras entidades públicas, ser efetuada através do respetivo superior hierárquico.»
       Já a obtenção de informações e o acesso a documentos não se encontravam previstos na Lei n.º 43/77, de 18 de junho. Os Deputados teriam de recorrer, na falta de colaboração espontânea, aos seus poderes individuais e que não compreendiam o acesso a informações ou a documentos de particulares.
       Por seu turno, a falta de comparência ou a recusa de depoimento só se teriam por justificadas «nos termos gerais da lei processual» (artigo 8.º, n.º 1), o que sugeria, deste modo, uma remissão para a lei processual civil. Garantia-se à obrigação de comparecer perante a comissão «precedência sobre qualquer outro ato ou diligência oficial» (n.º 2). A recusa de comparência de funcionários, de agentes do Estado ou do pessoal de outras entidades públicas não era admitida, sem embargo, porém, de poderem «requerer a alteração da data da convocação, por imperiosa necessidade de serviço, contanto que assim não fique frustrada a realização do inquérito» (n.º 3).
       À escusa de funcionário ou agente por segredo tinham-se fixado limites apertados: «No depoimento de funcionários e agentes só será admitida a recusa de resposta com fundamento em interesse superior do Estado devidamente justificado, conforme os casos, pelo Conselho da Revolução ou pelo Governo ou em segredo de justiça» (artigo 8.º, n.º 5) e à forma dos depoimentos aplicavam-se as normas do Código de Processo Penal (de 1929) sobre prova testemunhal (n.º 6).
       Em matéria sancionatória, determinava-se, no artigo 10.º, que sem justificação, de acordo com as prescrições citadas, a falta de comparência, a recusa de depoimento ou o não cumprimento das ordens de uma comissão parlamentar de inquérito no exercício das suas funções constituíram crime de desobediência, punível com pena de prisão não inferior a três meses (n.º 1), cumprindo ao presidente da comissão comunicá-lo ao Presidente da Assembleia da República, «com os elementos indispensáveis à instrução do processo, para efeito de participação à Procuradoria-Geral da República» (n.º 2).
       Nos artigos 11.º e 12.º, cuidava-se do relatório final e da sua apresentação, permitindo-se que a Assembleia da República, sob proposta da comissão, admitisse a apresentação de relatórios separados sobre cada uma das suas partes, a entender-se que o objeto do inquérito fosse suscetível de investigações parcelares (artigo 11.º, n.º 2).
       Juntamente com o relatório, as comissões parlamentares de inquérito poderiam apresentar à Assembleia um projeto de resolução (artigo 12.º, n.º 1). Depois de apresentado o relatório abrir-se-ia um debate, em cujo termo seriam votados os projetos de resolução propostos (n.º 2). O relatório, contudo, não seria objeto de votação.
       §33. — A Lei n.º 5/93, de 1 de março, conservou, no essencial, as disposições atinentes à função e objeto do inquérito parlamentar:
 
«Artigo 1.º

Funções e objeto

              1 — Os inquéritos parlamentares têm por função vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da Administração.
              2 — Os inquéritos parlamentares podem ter por objeto qualquer matéria de interesse público relevante para o exercício das atribuições da Assembleia da República.
              3 — Os inquéritos parlamentares são realizados através de comissões eventuais da Assembleia especialmente constituídas para cada caso, nos termos do Regimento.»
       O Regimento, por seu turno, antecipa a função de controlo da constitucionalidade e legalidade do objeto pelo Presidente da Assembleia da República:

«Artigo 233.º
Objeto dos inquéritos parlamentares

              1 — Os inquéritos parlamentares destinam-se a averiguar do cumprimento da Constituição e das leis e a apreciar os atos do Governo e da Administração.
              2 — Qualquer requerimento ou proposta tendente à realização de um inquérito deve indicar os seus fundamentos e delimitar o seu âmbito, sob pena de rejeição liminar pelo Presidente.»      
       Não obstante, continua a não ser fácil delimitar o âmbito do inquérito parlamentar, como reconhece J.J. GOMES CANOTILHO[101]:

              «A regra é a de que o direito de inquérito existe em relação a assuntos para os quais o parlamento é competente, mas não para questões que são da exclusiva competência de outro órgão de soberania. Mas esta teoria — Korollar-Theorie lhe chama a doutrina alemã — que limita as comissões de inquérito ao âmbito da competência do Parlamento, não é fácil de precisar, porque se ela pretende manter válido, também nesse campo, o princípio da separação e interdependência dos órgãos de soberania, há casos em que o princípio sofre entorses na própria Constituição. A lei (…) admite, hoje, a possibilidade de inquéritos parlamentares a factos objeto de processo criminal (artigo 5.º/2), competindo à AR deliberar através de resolução sobre a suspensão do inquérito».

       O artigo 1.º consagra, em nosso entender, um duplo critério de preenchimento cumulativo.
       O primeiro, funcional: «vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da Administração» (n.º 1).
       O segundo, material, na ordem das atribuições, o que não significa exatamente o mesmo que competências: «Os inquéritos parlamentares podem ter por objeto qualquer matéria de interesse público relevante para o exercício das atribuições da Assembleia da República» (n.º 2).
       Há quem, no entanto, propenda para uma leitura disjuntiva dos dois critérios.
       Assim, JORGE MIRANDA[102], um dos raros publicistas a admitir que um inquérito parlamentar possa visar o Presidente da República ou os Tribunais, limita-o, porém a domínios ou matérias que respeitem a atribuições da Assembleia da República. No caso do Presidente da República, as viagens ao estrangeiro, por conta da competência parlamentar para lhes prestar ou recusar assentimento. No caso dos tribunais, o funcionamento das secretarias judiciais.
       NUNO PIÇARRA[103] vai bem mais longe. Longe de mais, em nosso entender, pois, sem cuidar do equilíbrio constitucional de poderes, admite ser suficiente ao inquérito parlamentar ter como propósito vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis, ao considerar que «artigo 162.º, alínea a), permite sujeitar a inquérito parlamentar, para além dos próprios Deputados individualmente considerados, os outros órgãos de soberania — Presidente da República e tribunais (incluindo as respetivas administrações acessórias) (-) —, bem como quaisquer órgãos constitucionais — o Ministério Público, os Representantes da República nas Regiões Autónomas e até, em casos-limite, os órgãos próprios destas».
       Esta posição maximalista — em revisão do pensamento do Autor exposto anteriormente[104] — vai ao ponto de não excluir «o domínio da sociedade civil e, portanto, das atividades privadas — tanto as relacionadas com o Estado ou por ele afetadas, como as que, não o estando, demonstrem uma relevância pública suficientemente ponderosa».
       Não cremos, porém, que o artigo 162.º, alínea a), da Constituição, consinta à fiscalização parlamentar iludir o seu primeiro e fundamental pressuposto: a responsabilidade política.
       A fiscalização política não dispensa um vínculo de responsabilidade política, o qual falta por completo no caso dos tribunais, do Ministério Público ou dos Representantes da República; que inexiste, de igual modo, no caso dos governos e das assembleias legislativas das Regiões Autónomas e, muito menos, no caso das entidades privadas.
       A vigilância pelo cumprimento da Constituição e das leis não justifica, por si, um inquérito parlamentar. O que dela pode resultar, isso sim, é a necessidade de ir além, a tratar-se de atos do Governo ou da Administração, e abrir um inquérito parlamentar.
       Como pode justificar, entre outros meios ao dispor da Assembleia da República, a apreciação parlamentar de decretos-leis por inconstitucionalidade ou por violação de leis de valor reforçado (artigo 169.º, da CRP), a iniciativa, por 1/10 dos Deputados, de requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral [artigo 281.º, n.º 2, alínea f)] ou, simplesmente, o aperfeiçoamento legislativo com vista a assegurar mais eficazmente o primado da Constituição e das leis que entenda terem sido infringidas impunemente.
       Por seu turno, o critério das atribuições parlamentares e da relevância (artigo 1.º, n.º 2, do RJIP) só pode funcionar depois de verificado o pressuposto antecedente, de modo a excluir inquéritos parlamentares que, não obstante visarem o mérito ou a legalidade de atos do Governo ou da Administração, se situem em domínios relativamente aos quais não possa a Assembleia da República adotar providências políticas ou legislativas [v.g. a negociação e assinatura de convenções internacionais, nos termos do artigo 197.º, n.º 1, alínea b), da CRP].
       Assim — explicam JÓNATAS MACHADO/SÉRGIO MOTA[105] — o objeto do inquérito parlamentar deve obedecer «a um critério de pertinência e adequação, cuja viabilidade depende, em boa medida, da clareza, precisão e determinabilidade das normas que estão na base de uma dada CPI e que circunscrevem a respetiva área de atuação», pelo que «a informação investigada deve ser pertinente para a prossecução de objetivos constitucional e legalmente legítimos». Por conseguinte, de modo a conter possíveis tendências inquisitórias centrípetas, são necessárias reservas à «função de conhecimento como uma função parlamentar autónoma, na medida em que esta doutrina não permite balizar convenientemente os poderes de cognição e investigação das CPI (-)»
       A apreciação restrita a atos do Governo e da Administração procura compensar a reserva de administração que assiste a estes órgãos, mas que a Assembleia da República conforma através dos seu poder legislativo e orçamental, consistindo, pois, em «averiguar da forma como as leis estão a ser aplicadas e observadas pela Administração e pelos particulares, tendo em vista a deteção de um eventual défice de execução (Vollzugsdefizit) ou da necessidade de revogação ou modificação[106]».
       §34. — Vigiar e apreciar são dois termos que, em qualquer caso, indicam um natural afastamento da função jurisdicional e que, neste contexto, respeitam exclusivamente à função política do Estado.
       Não se trata de estabelecer um meio concorrente com os tribunais no controlo da constitucionalidade e da legalidade, mas sim, fundamentalmente de impedir práticas contrárias às normas constitucionais e legais que conformam a produção legislativa.
       Da vinculação do inquérito parlamentar à função de fiscalização política da constitucionalidade e da legalidade e da sua circunscrição à apreciação dos atos do Governo e da Administração (compreendendo o mérito, oportunidade e conveniência dos mesmos), decorre a delimitação do objeto e do fim dos inquéritos parlamentares.
       De novo nos valemos de J. J. GOMES CANOTILHO[107] para delinear os possíveis âmbitos do inquérito parlamentar:
              «(1) os inquéritos legislativos destinados a colher informações com vista à preparação de projetos legislativos; (2) os inquéritos adequados a assegurar a manter a reputação e prestígio do Parlamento; (3) os inquéritos tendentes a controlar abusos e irregularidades do Governo e da Administração.»

       Fora do possível âmbito de um inquérito parlamentar encontram-se as questões da exclusiva competência de outro órgão de soberania, não obstante as alterações introduzidas ao artigo 5.º do RJIP pela Lei n.º 126/97, de 10 de dezembro, terem passado a admitir inquéritos parlamentares a factos que se encontrem sob investigação das autoridades judiciárias[108].

       Ainda assim, porque a investigação parlamentar obedece a um escopo político e porque nem os Deputados, nem as comissões parlamentares de inquérito, nem sequer a Assembleia da República dispõe de legitimidade para «administrar a justiça em nome do povo» (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), toda e qualquer imputação de infrações penais e a consequente investigação permanecem à margem do seu alcance.
       O inquérito parlamentar não constitui uma alternativa, nem pode substituir-se ao inquérito penal, antecipando ou procurando condicionar o seu curso, pelo que deve abster-se de toda e qualquer iniciativa que possa comprometer a reserva da «ação penal orientada pelo princípio da legalidade» (artigo 219.º, n.º 2, da Constituição).
       Por isso, depois de a Assembleia da República ser informada pelo Procurador-Geral da República de que «com base nos mesmos factos» se encontra em curso um processo criminal (artigo 5.º, n.º 2), cumpre-lhe «deliberar sobre a eventual suspensão do processo de inquérito parlamentar até ao trânsito em julgado da correspondente sentença judicial» (n.º 3).
       Por último, não podem os inquéritos parlamentares «incidir sobre a esfera privada do cidadão» (GOMES CANOTILHO[109]), porquanto «a proteção dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrada vale perante inquéritos parlamentares não devendo esses inquéritos transformar-se em “processos penais” apócrifos sem a observância dos princípios constitucionais e legais vinculativos destes».
       «Na realização das suas funções», expõem JÓNATAS MACHADO/SÉRGIO MOTA[110], «o Parlamento pode dirigir a sua atividade de investigação a titulares de cargos públicos e a pessoas coletivas de direito público, bem como a pessoas físicas ou a empresas privadas, diretamente ou apenas na medida em que as mesmas sejam pertinentes para a investigação de um determinado assunto, relacionado com a atividade do Governo ou da Administração (-)».
       A ir mais longe, incorre em usurpação de poderes.

       §35. O objeto do inquérito parlamentar tem ainda de se conformar com limites temporais, o que decorre de uma disposição, cujo teor, por sinal, reitera serem os atos do Governo ou da Administração o seu único âmbito material:

«Artigo 8.º

Do objeto das comissões de inquérito

              1 — Os inquéritos parlamentares apenas podem ter por objeto atos do Governo ou da Administração ocorridos em legislaturas anteriores à que estiver em curso quando se reportem a matérias ainda em apreciação, factos novos ou factos de conhecimento superveniente.
              2 — Durante o período de cada sessão legislativa não é permitida a constituição de novas comissões de inquérito que tenham o mesmo objeto que dera lugar à constituição de outra comissão que está em exercício de funções ou que as tenha terminado no período referido, salvo se surgirem factos novos.
              (…)».
 

       Pretende-se que o inquérito tenha atualidade e não arraste para um tempo recuado o esforço de investigação que ele importa. Um tempo em relação ao qual, muito provavelmente, perdeu sentido a responsabilidade política. Daí a relevância da legislatura como marco temporal associado a uma determinada distribuição de lugares no Parlamento e ao apoio a um determinado governo, cujos atos são apreciados no inquérito parlamentar.
       Não se trata de prescrição da responsabilidade política, mas da sua praticabilidade relativamente a titulares de cargos políticos em funções. Uma vez mais, responsabilidade política e responsabilidade penal revelam diferentes sentidos de descoberta da verdade.
       §36. — A iniciativa de inquérito parlamentar é regulada no artigo 2.º, configurando o regime comum, dos inquéritos iniciados por «deliberação expressa do Plenário tomada até ao 15.º dia posterior à publicação do respetivo projeto no Diário da Assembleia da República ou à sua distribuição em folhas avulsas» [n.º 1, alínea a)], sob proposta de grupos parlamentares, de comissões ou de Deputados, a par de um regime especial, introduzido pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril[111]. Trata-se dos inquéritos a empreender sob requerimento de um quinto dos Deputados em efetividade de funções até ao limite de um por Deputado e por sessão legislativa [alínea b)], conferindo exequibilidade ao disposto no artigo 178.º, n.º 4, da CRP.

       Tais inquéritos não podem ser condicionados quanto à sua oportunidade e conveniência pelos demais Deputados, pois determina-se a constituição obrigatória da pertinente comissão, o que, em todo o caso, não significa inexistir propriamente uma sujeição, pois o requerimento pode vir a ser rejeitado, por incumprimento de pressupostos e requisitos formais ou substanciais, pelo Presidente da Assembleia da República[112]:
«Artigo 4.º

Constituição obrigatória da comissão de inquérito

              1 — As comissões parlamentares de inquérito requeridas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º são obrigatoriamente constituídas.

              2 — O referido requerimento, dirigido ao Presidente da Assembleia da República, deve indicar o seu objeto e fundamentos e, se tal for o entendimento dos seus subscritores, a lista preliminar dos cidadãos a convocar para a prestação de depoimentos e das eventuais diligências a efetuar, não sendo suscetível de apreciação ou recusa, salvo com os fundamentos previstos no número seguinte.
              3 — O Presidente verifica a existência formal das condições previstas no número anterior e o número e identidade dos deputados subscritores, notificando de imediato o primeiro subscritor para suprir a falta ou faltas correspondentes, caso se verifique alguma omissão ou erro no cumprimento destas formalidades ou caso a indicação do objeto e fundamentos do requerimento infrinja a Constituição ou os princípios nela consignados.
              4 — Recebido o requerimento ou verificado o suprimento referido no número anterior, o Presidente toma as providências necessárias para definir a composição da comissão de inquérito até ao 8.º dia posterior à publicação do requerimento no Diário da Assembleia da República.
              5 — Dentro do prazo referido no número anterior, o Presidente da Assembleia da República, ouvida a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, agenda um debate sobre a matéria do inquérito, desde que solicitado pelos requerentes da constituição da comissão ou por um grupo parlamentar.»

       Deve assinalar-se que, acordo com o n.º 3, compete ao Presidente da Assembleia da República (n.º 3) não só fiscalizar a observância dos requisitos formais[113], como também a compatibilidade do objeto e fundamento do inquérito com «a Constituição ou os princípios nela consignados», o que, no entender de NUNO PIÇARRA[114], tem por fim evitar que o Parlamento endosse um inquérito «quando o seu objeto extravase manifestamente as competências que a CRP lhe atribui» ou sejam inobservados, «por exemplo, os princípios da determinabilidade ou da proporcionalidade».

       A definição precisa do objeto e da sua utilidade refletem-se, ainda, na intangibilidade.
       Assim, de modo a preservar o objeto do inquérito requerido a título potestativo, este, como verificámos, não poderá ser modificado pela comissão constituída. Pode, quanto muito, ser aclarado, mas, ainda assim, é preciso «o assentimento dos requerentes» (artigo 8.º, n.º 3).
       E para que não haja divergências, nem dúvidas sequer, quanto ao objeto, o artigo 7.º obriga à publicação da resolução e da parte dispositiva do requerimento que determinar a realização de um inquérito deste tipo, não no Diário da Assembleia da República, mas no Diário da República.

       §37. — Também o funcionamento da comissão apresenta particularismos no caso dos inquéritos de requerimento dito potestativo:

«Artigo 6.º

Funcionamento da comissão

              1 — Compete ao Presidente da Assembleia da República, ouvida a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, fixar o número de membros da comissão, observado o limite previsto no número seguinte, dar-lhes posse e determinar o prazo da realização do inquérito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º e do previsto na alínea a) da mesma disposição, quando a respetiva resolução o não tenha feito.
              2 — A composição da comissão deve ser proporcional à representatividade dos grupos parlamentares, devendo o número de membros e a sua distribuição pelos diversos grupos parlamentares ser fixados por deliberação da Assembleia da República, sob proposta do seu Presidente, ouvida a Conferência de Líderes, a qual deve mencionar, no caso de serem os requerentes do inquérito, os Deputados únicos representantes de um partido que integram a comissão.
              3 — Os membros da comissão podem ser substituídos por deputados suplentes, cuja fixação deve observar o limite máximo de dois suplentes para cada um dos dois grupos parlamentares com maior representatividade e de um suplente para cada um dos restantes grupos parlamentares.
              4 — A substituição prevista no número anterior vigora pelo período correspondente a cada reunião em que ocorrer, nela participando os membros suplentes como membros de pleno direito e podendo assistir às restantes reuniões sem direito ao uso da palavra e sem direito de voto.
              5 — Os membros da comissão tomam posse perante o Presidente da Assembleia da República até ao 15.º dia posterior à publicação no Diário da Assembleia da República da resolução ou do requerimento que determine a realização do inquérito.
              6 — É condição para a tomada de posse de membro da comissão, incluindo membros suplentes, declaração formal de inexistência de conflito de interesses em relação ao objeto do inquérito, bem como de compromisso de isenção no apuramento dos factos sujeitos a inquérito.
              7 — A comissão inicia os seus trabalhos imediatamente após a posse conferida pelo Presidente da Assembleia da República, logo que preenchida uma das seguintes condições:
              a) Estar indicada mais de metade dos membros da comissão, representando no mínimo dois grupos parlamentares, um dos quais deve ser obrigatoriamente de partido sem representação no Governo;
              b) Não estar indicada a maioria do número de deputados da comissão, desde que apenas falte a indicação dos deputados pertencentes a um grupo parlamentar.
              8 — Nas comissões parlamentares de inquérito constituídas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, o presidente da comissão é obrigatoriamente designado de entre os representantes na comissão dos grupos parlamentares a que pertencem os requerentes do inquérito, se tal designação não resultar já da repartição prevista no n.º 6 do artigo 178.º da Constituição.
              9 — Cabendo a presidência, nos termos do n.º 6 do artigo 178.º da Constituição, a grupo parlamentar não requerente do inquérito, a presidência de comissão parlamentar a constituir subsequentemente na legislatura em curso é atribuída a este, desde que não se trate de comissão de inquérito constituída ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º
              10 — As deliberações da comissão que constem da ordem de trabalhos são tomadas por maioria dos votos individualmente expressos por cada Deputado.
              11 — Compete ao presidente representar a comissão, garantir o seu regular funcionamento e zelar pela realização dos direitos e cumprimento dos deveres de todos os intervenientes.
              12 — O regulamento da comissão deve assegurar, para cada audição, a possibilidade de intervenção de todos os seus membros.»

       Porque os inquéritos parlamentares são urgentes, podem as reuniões da comissão ter lugar em qualquer dia da semana e durante as férias, sem dependência de autorização prévia do Plenário (artigo 8.º, n.º 1). Não obstante, o presidente da comissão deve dar prévio conhecimento das reuniões ao Presidente da Assembleia, e em tempo útil, para que tome as providências necessárias (n.º 2).

       Nas comissões de inquérito de regime especial, o relator é designado pelos membros da comissão indicados pelos requerentes do inquérito (artigo 10.º, n.º 6), parecendo excluir-se a eventual designação de relatores múltiplos.
       Também no que toca à duração do inquérito e da comissão constituída, os inquéritos de regime especial beneficiam de tratamento diferenciado.
       Assim, se, em geral, o tempo máximo é de 180 dias, findo o qual a comissão se extingue (artigo 11.º, n.º 1), sem prejuízo de, a requerimento fundamentado da comissão, o Plenário poder conceder ainda um prazo adicional de 90 dias (n.º 2), já nos inquéritos de regime especial a prorrogação é de concessão obrigatória, desde que requerida pelos deputados dos grupos parlamentares a que pertencem os requerentes da constituição da comissão (n.º 3).
       É possível que a comissão não logre aprovar um relatório final. Nesse caso, o presidente da comissão envia ao Presidente da Assembleia da República uma informação, relatando as diligências realizadas e as razões da inconclusividade dos trabalhos (artigo 11.º, n.º 6).
       Relativamente ao estatuto dos Deputados que sejam membros destas comissões, dispõe o artigo 12.º.
       Só podem ser substituídos em virtude de perda ou suspensão do mandato ou em caso de escusa justificada, sem prejuízo de poderem ser substituídos por deputados suplentes, cuja fixação deve observar o limite máximo de dois para cada um dos dois grupos parlamentares com maior representatividade e de um suplente para cada um dos restantes grupos parlamentares (n.º 1).
       É ao Presidente da Assembleia que cumpre anunciar no Plenário seguinte as faltas injustificadas (n.º 3). A serem a mais de quatro reuniões, o Deputado perde a qualidade de membro da comissão (n.º 4).
       Os trabalhos da comissão obrigam os deputados ao sigilo, cuja violação vincula a comissão de inquérito a promover uma investigação sumária e deliberar, por maioria qualificada de 2/3, sobre a sua verificação e a identidade do seu autor (n.º 5), com a consequente perda da qualidade de membro da comissão (n.º 4).
       De novo releva a intervenção do Presidente da Assembleia da República, pois deve ser informado do conteúdo da deliberação mencionada, «quando dela resulte o reconhecimento da existência da respetiva violação e a identidade do seu autor», a fim de declarar a perda, por parte deste, da qualidade de membro da respetiva comissão e dar conta desta sua decisão ao Plenário (n.º 6).
       §38. — Apesar de as comissões parlamentares de inquérito funcionarem na sede da Assembleia da República podem, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, «funcionar ou efetuar diligências, sempre que necessário, em qualquer ponto do território nacional». As reuniões, diligências e inquirições são sempre gravadas, salvo se, por motivo fundado, a comissão deliberar noutro sentido. Nesse caso, das diligências realizadas e dos depoimentos ou declarações obtidos lavrar-se-á uma ata especial, de modo a narrar pormenorizadamente o que ali se disse e se passou, sendo anexados os depoimentos e declarações, depois de assinados pelos seus autores, em envelope devidamente lacrado (n.º 2).
       As reuniões e as diligências praticadas são públicas (artigo 15.º, n.º 1), salvo se a comissão, em deliberação tomada em reunião pública e devidamente fundamentada, assim o não entender: por motivo de as reuniões e diligências incidirem em matéria sujeita a segredo de Estado, a segredo de justiça ou a sigilo por razões de reserva da intimidade das pessoas [alínea a)], por os depoentes se oporem à publicidade da reunião, com fundamento na salvaguarda de outros direitos fundamentais [alínea b)], ou por o caráter público colocar em perigo o segredo das fontes de informação, salvo autorização dos interessados [alínea c)].
       Tais precauções, em especial as que se referem à reserva da intimidade das pessoas, não foram, porém, expressamente enunciadas a respeito da produção de prova documental, no artigo 13.º.
       Refira-se que, nos termos do artigo 15.º, n.º 2, as atas das comissões, assim como todos os documentos na sua posse, podem ser consultados depois de aprovado o relatório final, salvo se corresponderem a reuniões ou diligências não públicas. De modo semelhante, a transcrição dos depoimentos prestados perante as comissões parlamentares de inquérito em reuniões não públicas só pode ser consultada ou publicada com autorização dos seus autores (n.º 3).

       §39. — Consideremos, em seguida, a convocação para depor perante uma comissão parlamentar de inquérito:

«Artigo 16.º

Convocação de pessoas e contratação de peritos

              1 — As comissões parlamentares de inquérito podem convocar qualquer cidadão para depor sobre factos relativos ao inquérito, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
              2 — O Presidente da República, bem como os ex-Presidentes da República por factos de que tiveram conhecimento durante o exercício das suas funções e por causa delas, têm a faculdade, querendo, de depor perante uma comissão parlamentar de inquérito, gozando nesse caso, se o preferirem, da prerrogativa de o fazer por escrito.
              3 — Gozam, também, da prerrogativa de depor por escrito, se o preferirem, o Presidente da Assembleia da República, os ex-Presidentes da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro e os ex-Primeiros-Ministros, que remetem à comissão, no prazo de 10 dias a contar da data da notificação dos factos sobre que deve recair o depoimento, declaração, sob compromisso de honra, relatando o que sabem sobre os factos indicados.
              4 — Nas comissões parlamentares de inquérito constituídas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, as diligências instrutórias referidas nos números anteriores requeridas pelos Deputados que as proponham são de realização obrigatória até ao limite máximo de 15 depoimentos, cabendo aos requerentes a faculdade de determinar a data da sua realização, e até ao limite máximo de 8 depoimentos requeridos pelos Deputados restantes, ficando os demais depoimentos sujeitos a deliberação da comissão.
              5 — As convocações são assinadas pelo presidente da comissão ou, a solicitação deste, pelo Presidente da Assembleia da República e devem conter as indicações seguintes, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3:
              a) O objeto do inquérito;
              b) O local, o dia e a hora do depoimento;
              c) As sanções aplicáveis ao crime previsto no artigo 19.º da presente lei.
              6 — A convocação é feita para qualquer ponto do território, sob qualquer das formas previstas no Código de Processo Penal, devendo, no caso de funcionários e agentes do Estado ou de outras entidades públicas, ser efetuada através do respetivo superior hierárquico.
              7 — As diligências previstas no n.º 1 podem ser requeridas até 15 dias antes do termo do prazo fixado para a apresentação do relatório.
              8 — As comissões podem requisitar e contratar especialistas para as coadjuvar nos seus trabalhos mediante autorização prévia do Presidente da Assembleia da República.»

       Aqui se encontram duas normas da maior relevância para a consulta, pois, em razão do seu caráter de lei geral[115], devem aplicar-se também à prestação de informações e de documentos[116].
       A primeira é a do n.º 2 e que confirma o estatuto constitucional do Presidente da República.
       Além de não poder ser visado no inquérito parlamentar, só presta às comissões parlamentares de inquérito a colaboração que entender conveniente e razoável.
       Mesmo que instado a fazê-lo, e nunca sob cominação, a prestação de informações e documentos em poder do Presidente da República ou dos serviços que lhe prestam apoio decorre sempre da sua iniciativa.
       A segunda (n.º 5) tem a ver com a intervenção do Presidente da Assembleia da República, a fim de assinar e expedir, sob solicitação, as convocatórias e, por analogia, os pedidos de informação.
       Podendo o presidente da Comissão fazê-lo, mas preferindo confiar tal ato ao Presidente da Assembleia da República, não é de excluir que pretenda submetê-lo a um escrutínio neutro, relativamente à atividade da Comissão, cuja constituição, aliás, partiu de um ato daquele órgão e do prévio exame que dispensou ao objeto e fundamentação do requerimento de inquérito parlamentar.       
       Em matéria de depoimentos, de novo encontramos remissões para o Código de Processo Penal:

«Artigo 17.º

Depoimentos
              1 — A falta de comparência ou a recusa de depoimento perante a comissão parlamentar de inquérito só se tem por justificada nos termos gerais da lei processual penal.

              2 — A obrigação de comparecer perante a comissão tem precedência sobre qualquer ato ou diligência oficial.
              3 — Não é admitida, em caso algum, a recusa de comparência de funcionários, de agentes do Estado e de outras entidades públicas, podendo, contudo, estes requerer a alteração da data da convocação, por imperiosa necessidade de serviço, contanto que assim não fique frustrada a realização do inquérito.
              4 — A forma dos depoimentos rege-se pelas normas aplicáveis do Código de Processo Penal sobre prova testemunhal.»
       A falta de comparência, a recusa de depoimento ou o não cumprimento de ordens legítimas de uma comissão parlamentar de inquérito no exercício das suas funções constituem crime de desobediência qualificada, para os efeitos previstos no artigo 348.º, n.º 2, do Código Penal, a menos que a falta de comparência ou a recusa de depoimento tenham obtido justificação.
       Não é assim, porém, com o incumprimento de intimação para prestar informações ou documentos. A ordem pode, quando muito, ser cancelada pela comissão, atendendo a razões ponderosas deduzidas pelo requisitado (artigo 13.º, n.º 5, in fine), mas não se preveem razões que obriguem a comissão a fazê‑lo.
       E, com efeito, o artigo 19.º, n.º 1, remete apenas para o artigo 17.º, em cujas disposições não surge prevista a justificação para o não cumprimento de ordem legítima:

«Artigo 19.º
Desobediência qualificada

              1 — Fora dos casos previstos no artigo 17.º, a falta de comparência, a recusa de depoimento ou o não cumprimento de ordens legítimas de uma comissão parlamentar de inquérito no exercício das suas funções constituem crime de desobediência qualificada, para os efeitos previstos no Código Penal.
              2 — Verificado qualquer dos factos previstos no número anterior, o presidente da comissão, ouvida esta, comunicá-lo-á ao Presidente da Assembleia, com os elementos indispensáveis à instrução do processo, para efeito de participação à Procuradoria-Geral da República.»

       Deve ser observado que o n.º 1 acentua a necessidade de as ordens serem legítimas, de harmonia com o tipo penal da desobediência.
       Abstém-se, por outro lado, de referir os «pedidos» de informação ou de acesso a documentos, pois estes, sob cominação, convolam-se em verdadeiras intimações, ordens, cuja ilegitimidade pode justificar a recusa de obediência.

       §40. Por fim, os artigos 20.º e 21.º cuidam, respetivamente, do relatório e do debate e da eventual resolução.
       Com efeito, o inquérito deve compreender um relatório final (artigo 20.º, n.º 1), de cujo teor devem constar, obrigatoriamente, o objeto do inquérito, o questionário, se o houver, uma nota técnica elencando sumariamente as diligências efetuadas pela comissão, as conclusões do inquérito, aprovadas com base no projeto de relatório ou nas propostas alternativas apresentadas, contendo cada uma delas o respetivo fundamento sucintamente formulado, o sentido de voto de cada membro da comissão, assim como as declarações de voto entregues por escrito, bem como as propostas que não tenham sido incorporadas na versão final, com a indicação dos seus proponentes.
       A serem formuladas recomendações, devem também constar do relatório [artigo 20.º, n.º 1, alínea e)].
       Assim como as conclusões aprovadas com base no projeto de relatório ou nas propostas alternativas apresentadas, as recomendações são numeradas e votadas individualmente e em separado (n.º 3)
       O relator pode renunciar a essa condição se não se revir no conteúdo final do relatório, apurado de acordo com a votação (n.º 4). Em tal caso, «a comissão pode indicar um substituto para efeitos de apresentação do relatório em Plenário» (n.º 5).
       O relatório e as declarações de voto são publicados no Diário da Assembleia da República (n.º 6).
       Todavia, nem o relatório nem as propostas de resolução serão objeto de votação no Plenário (artigo 21.º, n.º 7 e n.º 8).
       Ainda que o Presidente da Assembleia da República deva inscrever a sua apreciação na ordem do dia (n.º 1) e de, juntamente com o relatório, a comissão parlamentar de inquérito poder apresentar um projeto de resolução (n.º 2), ocorre apenas uma apreciação, precedida de debate no Plenário (n.º 3).
       O Plenário pode, no entanto, deliberar sobre a publicação integral ou parcial das atas da comissão (n.º 6), observado o disposto no artigo 15.º em matéria de sigilo, segredo e reserva.
 
X.
Do Presidente da Assembleia da República.

 

       §41. — O Presidente da Assembleia da República[117] é um órgão constitucional que, embora integre o complexo de órgãos parlamentares, desempenha funções próprias no sistema de governo, dentro e fora do Parlamento.
       O papel do Deputado eleito Presidente da Assembleia da República não se reduz ao de um simples primus inter pares[118].
       Tão-pouco se limitam as suas competências ao estrito quadro parlamentar, pois cumprem-lhe relevantes competências próprias que exerce com independência relativamente à Assembleia da República, designadamente a de assegurar a continuidade do órgão Presidente da República, durante os impedimentos temporários do seu titular, bem como durante a vacatura do cargo até tomar posse um novo Presidente eleito (artigo 132.º, n.º 1, da CRP).
       De igual modo, integra, por inerência, o Conselho de Estado [artigo 142.º, alínea a), da CRP], independentemente dos cinco cidadãos eleitos pela Assembleia da República, nos termos do artigo 142.º, alínea h), da Constituição.
       Nos termos do Regimento, competem-lhe, quanto a outros órgãos — em especial, nas relações com o Presidente da República — funções verdadeiramente interconstitucionais[119]:
«Artigo 19.º

Competência relativamente a outros órgãos:

              Compete ao Presidente da Assembleia da República relativamente a outros órgãos:
              a) Enviar ao Presidente da República, para os efeitos da alínea b) do artigo 134.º da Constituição, os decretos da Assembleia da República;
              b) Enviar ao Presidente da República, para os efeitos da alínea b) do artigo 135.º da Constituição, os tratados internacionais, depois de aprovados;
              c) Comunicar, para os efeitos previstos no artigo 195.º da Constituição, ao Presidente da República e ao Primeiro-Ministro os resultados das votações sobre moções de rejeição do programa do Governo, bem como sobre moções de confiança e de censura ao Governo;
              d) Marcar, de acordo com o Governo, as reuniões plenárias em que os seus membros estão presentes para responder a perguntas e pedidos de esclarecimento dos Deputados;
              e) Assinar os documentos expedidos em nome da Assembleia;
              f) Chefiar as delegações da Assembleia de que faça parte.»
       Ao assinar os documentos expedidos em nome da Assembleia da República [artigo 19.º, alínea e)], cumpre-lhe, consequentemente, dar-se conta da observância dos critérios formais e materiais a que devem obedecer, pois é o Presidente que representa a Assembleia da República, e do modo especial, junto dos outros órgãos de soberania.
       A assinatura de ato praticado por uma comissão parlamentar de inquérito, órgão auxiliar do Parlamento, que se extingue logo que concluída a sua missão, faz dele um verdadeiro ato parlamentar, imputado à Assembleia da República, à semelhança do que se prevê no artigo 151.º, n.º 1, alínea g), do Código do Procedimento Administrativo[120], relativamente a atos praticados por órgãos colegiais.
       Por seu turno, na atividade parlamentar, o Presidente desempenha uma função dinamizadora essencial, de par com outra, não menos importante, de moderação e controlo da observância das normas constitucionais e regimentais.
       §42. — É de tal função que cuidaremos, em especial, retomando, aqui e ali, os poderes que pudemos recensear em matéria de fiscalização política da constitucionalidade, quer das iniciativas legislativas, quer dos inquéritos parlamentares.
       Assim, compete-lhe fixar a ordem do dia, «segundo a prioridade das matérias definidas no Regimento, e sem prejuízo do direito de recurso para o Plenário da Assembleia e da competência do Presidente da República prevista no n.º 4 do artigo 174.º» (artigo 176.º, n.º 1, da CRP) e decidir as solicitações de prioridade formuladas pelo Governo e pelos grupos parlamentares «para assuntos de interesse nacional de resolução urgente» (n.º 2), sem prejuízo do direito que assiste a todos os grupos parlamentares de determinarem a ordem do dia de um certo número de reuniões, segundo critério a estabelecer no Regimento, garantindo-se sempre, em todo o caso, a posição dos partidos minoritários ou não representados no Governo (n.º 3).
       Cumpre-lhe, nos termos do artigo 281.º, n.º 2, alínea b), da Constituição, requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral.
       De acordo com o Regimento, é ao Presidente que compete representar a Assembleia da República, dirigir e coordenar os seus trabalhos, presidindo à Mesa [artigo 16.º, n.º 1, alínea a)] e exercer autoridade sobre os funcionários e agentes parlamentares e sobre as forças de segurança «postas ao serviço da Assembleia» (artigo 12.º, n.º 1).
       Cabe-lhe admitir a justificação das faltas por Deputado que não tome assento na Assembleia até à quarta reunião ou deixe de comparecer a quatro reuniões do Plenário por cada sessão legislativa [artigo 3.º, alínea b), e artigo 18.º, n.º 1, alínea a)].
       Compete-lhe pedir parecer à comissão parlamentar competente sobre conflitos de competências entre comissões parlamentares [artigo 16.º, n.º 1, alínea n)], mandar publicar no Diário da República as resoluções da Assembleia não sujeitas a promulgação nem a assinatura do Presidente da República [alínea m)], manter a ordem e a disciplina, bem como a segurança da Assembleia, podendo para isso requisitar e usar os meios necessários e tomar as medidas que entender convenientes [alínea n)], ordenar retificações no Diário [alínea r)], apreciar a regularidade das candidaturas apresentadas por Deputados para cargos eletivos, bem como anunciar os resultados da eleição e proclamar os candidatos eleitos [alínea s)], superintender o pessoal ao serviço da Assembleia [alínea s)] e «Em geral, assegurar o cumprimento do Regimento e das deliberações da Assembleia» [alínea t)].
       De igual modo, é o Presidente que solicita à Comissão Parlamentar de Transparência e Estatuto dos Deputados a apreciação de conflitos de interesses ou a realização de inquéritos a factos ocorridos no âmbito da Assembleia da República que comprometam a honra e dignidade de qualquer Deputado, bem como a violação grave de deveres pelos Deputados [artigo 18.º, n.º 1, alínea c)].
       De si depende a iniciativa de fixação do calendário de cada sessão legislativa (artigo 49.º, n.º 3), determinar, em caso de dúvida, a verificação do quórum no Plenário (artigo 58.º, n.º 3), interromper as reuniões para garantir o bom andamento dos trabalhos [artigo 69.º, n.º 2, alínea c)] e controlar o uso da palavra pelos Deputados quando se revele incompatível com o fim para que foi pedido (artigo 79.º, n.º 2), for desviado do assunto ou assumir carácter injurioso ou ofensivo (artigo 89.º, n.º 3).
       É o Presidente da Assembleia da República que verifica e assina a redação final dos decretos enviados para promulgação (artigo 156.º, n.º 4) e que decide sobre a reclamação de inexatidões (artigo 157.º, n.º 2).
       Como vimos, incumbem-lhe, por outro lado, poderes de fiscalização da constitucionalidade das normas contidas em projetos e propostas de lei (artigo 125.º, n.º 1), podendo recusar a sua admissão (n.º 3) por desconformidade com os requisitos formais previstos na Constituição e no Regimento (artigo 120.º, e artigo 125,º, n.º 2), sem prejuízo de recurso (artigo 126.º, n.º 2) a apreciar pelo Plenário após parecer da comissão de Assuntos Constitucionais (artigo 126.º, n.º 4).
       §43. — Por fim, em matéria de inquéritos parlamentares, é ao Presidente da Assembleia da República que compete:
              (a) Autorizar excecionalmente reuniões das comissões parlamentares de inquérito no decurso de reuniões do Plenário (artigo 67.º, n.º 1, do RAR) e mandá-las interromper para os Deputados votarem (n.º 2);
              (b) Rejeitar liminarmente os inquéritos parlamentares que não identifiquem, de modo adequado, o seu objeto e fundamento ou infrinjam a Constituição ou os seus princípios (artigo 3.º, n.º 1, e artigo 4.º, n.º 2 e n.º 3, do RJIP);
              (c) Agendar um debate preliminar sobre a matéria do inquérito, se for solicitado pelos requerentes da constituição da comissão ou por um grupo parlamentar (artigo 4.º, n.º 5);
              (d) Comunicar ao Procurador-Geral da República o conteúdo da resolução ou a parte dispositiva do requerimento que determine a realização de um inquérito (artigo 5.º, n.º 1);
              (e) Fixar o número de membros da comissão e dar-lhes posse (artigo 6.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 5);
              (f) Tomar conhecimento de não ter a comissão conseguido aprovar um relatório conclusivo das investigações e das razões da inconclusividade dos trabalhos (artigo 11.º, n.º 6);
              (g) Anunciar ao Plenário as faltas injustificadas dos membros das comissões parlamentares de inquérito (artigo 12.º, n.º 3) e declarar a perda do cargo, se for caso disso (n.º 6);
              (h) Assinar as convocações para depor perante a Comissão Parlamentar de Inquérito, se o for solicitado pelo presidente da Comissão (artigo 16.º, n.º 5) e, por analogia, os pedidos de informação ou de acesso a documentos (artigo 13.º, n.º 3 e n.º 4);
              (i) Autorizar a requisição ou a adjudicação dos serviços de especialistas (artigo 16.º, n.º 8);
              (j) Participar ao Procurador-Geral da República a falta de comparência, a recusa de depoimento ou o não cumprimento de ordens legítimas de uma comissão parlamentar de inquérito no exercício das suas funções e que, por não serem justificadas, constituam crime de desobediência qualificada (artigo 19.º, n.º 2); e,
              (k) Inscrever o relatório e as declarações de voto na ordem do dia do Plenário (artigo 21.º, n.º 1) e fixar a grelha de tempo do debate (n.º 4).

       §44. — São duas as principais finalidades ínsitas nas competências do Presidente da Assembleia da República com relação ao inquérito parlamentar[121].
       Por um lado, enquadrar o inquérito parlamentar no contexto institucional da Assembleia da República. A comissão parlamentar de inquérito é um órgão auxiliar do Parlamento e não um satélite na sua órbita.
       Por outro lado, vigiar pelo cumprimento da Constituição e da lei. Sem poder condicionar o inquérito parlamentar, impondo os seus próprios juízos de oportunidade ou conveniência, cumpre-lhe, porém, assinalar os limites heterónomos que condicionam a atividade da comissão, de modo a não comprometer o equilíbrio de poderes no interior da Assembleia da República, a relação com os outros órgãos de soberania e com os cidadãos, nos seus direitos fundamentais.

       São, no essencial, funções naturais dos presidentes de órgãos colegiais e que se descortinam nos poderes que o Código do Procedimento Administrativo lhes reconhece: estabelecer a ordem do dia (artigo 25.º, n.º 1), «abrir e encerrar as reuniões, dirigir os trabalhos e assegurar o cumprimento das leis e a regularidade das deliberações[122]» (artigo 21.º, n.º 2), suspender ou encerrar antecipadamente as reuniões (n.º 3) e reagir judicialmente contra deliberações tomadas pelo órgão quando as considere ilegais (n.º 4).
       Este último poder — de impugnar contenciosamente as deliberações contrárias à lei do órgão a que preside — não encontra correspondência no direito parlamentar, com exceção da iniciativa de fiscalização da constitucionalidade, por não haver, entre nós, um escrutínio jurisdicional dos atos políticos sem conteúdo normativo, mas é, precisamente este défice de controlo que confere aos pouvoirs d’empêcher do Presidente da Assembleia da República um caráter verdadeiramente ímpar e imprescindível.
       Refira-se que além de o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais[123] excluir da jurisdição administrativa, e de modo inequívoco, a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa [artigo 4.º, n.º 3, alínea a)], a jurisprudência mostra-se bastante criteriosa na distinção entre ato político e ato legislativo[124].
       Observam MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/ PEDRO COSTA GONÇALVES/ J. PACHECO DE AMORIM[125] que «para além da qualidade comum e idêntica de todos os membros do órgão colegial — que consiste na titularidade, neles todos, da vontade colegial —, o certo é que, para assegurar o correto e harmónico funcionamento deste, é necessário dotar um ou alguns dos seus membros de poderes e deveres funcionais diferenciados, de projeção interna ou de representação jurídica».
       §45. — O Presidente da Assembleia da República encontra-se na primeira linha da observância da Constituição e da lei pelo Parlamento, cumprindo-lhe exercer com esse escopo todas as competências que a Constituição, o Regimento e a lei lhe confiram.
       O desempenho das suas múltiplas competências subordina-se à Constituição, à lei e ao Regimento e não se encontra adstrito às deliberações de nenhum outro órgão da Assembleia da República se não aquelas que forem tomadas pelo Plenário, designadamente em recurso dos seus atos.
       Ao ser-lhe presente um requerimento dos Deputados autores de um inquérito parlamentar com vista à obtenção de meios de prova, o Presidente da Assembleia da República, não apenas deve conferir o preenchimento dos requisitos formais, como também deve recusar a sua assinatura se as diligências requisitadas se revelarem manifestamente contrárias a normas e princípios constitucionais, a disposições regimentais ou a outras normas de direito interno ou internacional que se apliquem.
       Mais ainda quando se trate de prestar informações e documentos sob a advertência de o incumprimento fazer incorrer o seu autor na prática de um crime de desobediência qualificada (artigo 13.º, n.º 5, e artigo 19.º, n.º 1, do RJIP), uma vez que tal indicação constitui seu requisito formal (artigo 13.º, n.º 6).
       Assim, cumpre ao Presidente da Assembleia da República exercer controlo sobre a observância dos fundamentos e objeto do inquérito parlamentar, de modo que a comissão de inquérito não atue ultra vires, uma vez que a própria delimitação do inquérito foi por si verificada e de modo a impedir ingerências arbitrárias nos direitos, liberdades e garantias ou no núcleo essencial dos demais poderes do Estado, na autonomia política dos Açores e da Madeira ou na autonomia do poder local.
       Um poder funcional que radica, também ele, no artigo 162.º, alínea a): vigiar pelo cumprimento da Constituição e da lei. A mesma disposição constitucional que serve de esteio ao inquérito parlamentar.
       §46. — A pertinência de uma tal indicação releva ainda com maior acuidade por motivo da legitimidade da ordem, cujo incumprimento pode fazer incorrer o agente na prática de um crime de desobediência qualificada (artigo 19.º, n.º 1, do RJIP), como, de resto, é próprio da tipologia do facto ilícito, incriminado pelo Código Penal:
«Artigo 348.º

Desobediência

              1 — Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:
              a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou
              b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
              2 — A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.»
       É bem de ver que a prática do crime pressupõe que a ordem ou mandado (a) sejam legítimos, (b) tenham sido regularmente comunicados, o que implica a sua clareza[126], entre outros requisitos, e (c) sejam emanados da autoridade ou funcionário competentes.
       Pressupõe, de igual modo, a prova de que o destinatário da ordem ou mandado se encontrava em condições de cumprir a ordem dada[127].
       Impõe-se, assim, conhecer da legalidade do pedido de informações quanto aos aspetos que sugerem maiores dúvidas: a devida fundamentação, em conformidade com o artigo 13.º, n.º 3, do RJIP; a própria legalidade do inquérito parlamentar em tudo o que respeita ao Presidente da República, enquanto órgão de soberania alheio aos atos do Governo e da Administração Pública; a conformidade com os poderes de investigação.
       A realização obrigatória a que se refere o artigo 13.º, n.º 4, diz respeito à própria comissão, sem obrigar o Presidente da Assembleia da República a abster‑se de um escrutínio de possíveis ilegalidades manifestas, eventualmente em contradição com os critérios com que examinou e admitiu o requerimento do inquérito.
       Com efeito, ao garantir-se a tais Deputados, minoritários, que as diligências requeridas são de realização obrigatória, está a dispor-se, simplesmente que não se encontram condicionadas pela maioria dos membros da comissão (artigo 13.º, n.º 4, do RJIP).
       Contudo, não podem sujeitar o Presidente da Assembleia da República a conferir-lhes execução, sem mais, como se este órgão se encontrasse numa posição subalterna.
       Posição que, ainda assim, o desobrigaria ao cumprimento das ordens ou instruções quando dali resultasse a prática de qualquer crime (artigo 271.º, n.º 3, da CRP) ou lhe permitiria exercer o direito de respeitosa representação: «É excluída a responsabilidade do funcionário ou agente que atue no cumprimento de ordens ou instruções emanadas de legítimo superior hierárquico e em matéria de serviço, se previamente delas tiver reclamado ou tiver exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito» (n.º 2).
       Ora, é às comissões parlamentares de inquérito que assenta o estatuto de órgãos auxiliares e subordinados[128]; não ao Presidente da Assembleia da República.
       Por outro lado, não é certo que a requisição de informações tenha de ser praticada pelo Presidente da Assembleia da República, pois as convocações para depor, pessoalmente ou por escrito, «são assinadas pelo presidente da comissão ou, a solicitação deste, pelo Presidente da Assembleia da República» (artigo 16.º, n.º 5).
       A solicitação pode representar uma deferência para com o Presidente da Assembleia da República, com especial sentido se os destinatários forem exteriores ao Parlamento, pois cumpre-lhe representar a Assembleia da República, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea a), do RAR.
       Nem por isso, contudo, a solicitação se transforma num poder potestativo.
       Assim, o Presidente da Assembleia da República deve devolver à procedência a requisição de informações e documentos que lhe pedem faça chegar aos serviços de apoio ao Presidente da República, se entender que a mesma não satisfaz aos requisitos de especificação e de fundamentação, se exorbitar dos poderes de investigação proporcionados pelo inquérito, a ponto de comprometer o modo como a Constituição ordenou a separação de poderes e as relações de interdependência entre órgãos de soberania, ou se atentar manifestamente contra preceitos constitucionais diretamente aplicáveis, como é o caso das disposições atinentes a direitos, liberdades e garantias.
       Até porque, como se viu, os Senhores Deputados não se encontram impedidos de o solicitar ao presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito. Este, apesar de ter subscrito o pedido de informações, na condição de requerente do inquérito parlamentar, não está impedido de o fazer.
       §47. — Pode, no entanto, descortinar-se em tal devolução uma recusa de cooperação criminalmente relevante?
       A Lei n.º 34/87, de 16 de julho, ao determinar os crimes de responsabilidade próprios dos titulares de cargos políticos no exercício das suas funções, bem como as sanções aplicáveis e os respetivos efeitos, inscreve no seu enunciado o crime de recusa de cooperação por titular de cargo político nos termos seguintes:
«Artigo 25.º

Recusa de cooperação

              O titular de cargo político que, tendo recebido requisição legal da autoridade competente para prestar cooperação, possível em razão do seu cargo, para a administração da justiça ou qualquer serviço público, se recusar a prestá-la, ou sem motivo legítimo a não prestar, será punido com prisão de três meses a um ano ou multa de 50 a 100 dias.»

       Perante tal disposição, é imperioso notar que o Presidente da Assembleia da República não foi requisitado a prestar cooperação, possível em razão do seu cargo. Na verdade, foram solicitados os seus bons ofícios para fazer chegar uma requisição de cooperação à Presidência da República, intimando-a a prestar informações e documentos de terceiros. A designação Presidência da República é, nem mais nem menos do que o Presidente da República, e cujo estatuto constitucional o subtrai aos poderes dos inquiridores parlamentares.

       Por outro lado, se a requisição não for conforme à lei, dispõe de um motivo legítimo para o não fazer. Ao pretender-se que o pedido seja expedido sob cominação, o Presidente da Assembleia da República deve assegurar-se, ainda mais aturadamente, da legitimidade da ordem ínsita na requisição de informações e documentos.
       Pelas razões que passaremos a enunciar, a ordem não é legítima, em razão da falta de fundamentação, em razão do destinatário e em razão, ainda, do objeto da solicitação: comunicações e documentos pessoais salvaguardados constitucionalmente contra ingerências não conformes com direitos, liberdades e garantias, nos termos em que a lei os protege.   
XI.
Reserva da vida privada e fundamentação.
       §48. — Se as comissões parlamentares de inquérito (ou a sua mesa, quando a comissão não estiver reunida) podem, a requerimento fundamentado dos seus membros, solicitar por escrito aos órgãos do Governo, às autoridades judiciárias, aos órgãos e serviços da Administração, às demais entidades públicas, incluindo as entidades reguladoras independentes, ou a entidades privadas (sem distinção entre pessoas singulares ou coletivas) as informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito (artigo 13.º, n.º 3), também terão de ser fundamentadas as diligências instrutórias solicitadas potestativamente pelos Deputados requerentes do inquérito, pois o artigo 13.º, n.º 4, remete para o número anterior, em relação ao qual representa norma especial; não excecional.
       Para se conterem aos limites do objeto do inquérito, devem os Deputados especificar as informações e documentos a que pretendem ter acesso, sem recurso a fórmulas vagas nem ambíguas, tanto mais que o registo de telefonemas e a cópia de cartas, correio eletrónico, mensagens escritas por meio de telefone ou via internet podem bulir com a proteção de dados pessoais ou com a reserva da intimidade da vida privada e familiar, ainda que se tratasse de documentos administrativos.
       A serem informações ou documentos cuja prestação possa contender com preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias — diretamente aplicáveis às comissões, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da Constituição — concernentes à preservação do princípio da separação de poderes (artigo 111.º, n.º 1) a fundamentação pelos Deputados não pode cingir-se a um juízo de utilidade.
       Acresce um juízo de necessidade e o ónus de satisfazer, de igual modo, aos demais padrões do princípio da proibição do excesso: adequação, a montante, e proporcionalidade, a jusante.
       Como tal, a possível vulneração de preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias, nomeadamente o acesso a dados pessoais (artigo 35.º, n.º 4, da CRP) e a ingerência restritiva na reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1) devem levar o Presidente da Assembleia a não conceder seguimento à intimação que não reflita sequer um juízo acerca da utilidade das informações e documentos cujo conteúdo se pretende obter; muito menos, um juízo de adequação, necessidade e proporcionalidade.
       Deve insistir-se em que a requisição de informações à Presidência da República não estabelece concatenação alguma com o relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, nem com os depoimentos já prestados, bastando-se os Deputados com a nota de imprensa, divulgada em 4-04-2024, na versão noticiada por um semanário. A utilidade das indagações parlamentares deveria ser aferida pelo teor da informação de que a comissão já dispõe ou de que não pode dispor por meios mais elementares e menos invasivos.
       §49. — Os elementos que pretendem obter não são documentos administrativos. Com efeito, a Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto[129], no seu artigo 3.º, n.º 1, alínea a), considera documento administrativo qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades compreendidos no seu âmbito de aplicação (artigo 4.º), seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, mas logo afasta (a) as notas pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante, qualquer que seja o seu suporte; (b) os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa, mas da atividade política e legislativa, bem como a sua preparação; e (c) os documentos produzidos no âmbito das relações diplomáticas do Estado português (artigo 3.º, n.º 2).
       Se o acesso a documentos políticos ou diplomáticos por parte de comissões parlamentares de inquérito tem apenas por limite os segredos de Estado ou de funcionário e o núcleo da função executiva, já a proteção das notas pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante, qualquer que seja o seu suporte, constitui critério adequado contra a possível devassa por qualquer autoridade pública investida de poderes de investigação.
       Reflete a reserva devida à vida privada e familiar e que não se restringe ao núcleo essencial da intimidade pessoal. É o valor intrínseco da intimidade que se projeta na vida privada e familiar. A esfera de proteção é bem mais ampla do que esse núcleo individual.
       Deve antes ser configurada sobre a distinção entre informação atinente à vida pública e informação do foro da vida privada, como sugere PAULO MOTA PINTO[130]: «a “esfera íntima” não coincide com a esfera de segredo dado que deve ser reconhecido um direito geral à reserva sobre a vida privada, que inclui também a proibição de atos tendentes à tornada de conhecimento».
       Assim, considerou o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 24 de janeiro de 2012[131], que a proteção de dados pessoais não impede o acesso a informação relativa ao «percebimento de despesas de representação e de subsídio de residência auferidos no desempenho de um cargo público, sendo públicos, por exigência legal». Como tal, «não respeitarão à vida privada dos seus titulares e, por isso, os documentos que os atestam não poderão, nessa parte, ser considerados nominativos».
       Como entendeu, outrossim, não ser inconstitucional a norma do Estatuto do Ministério Público que atribui relevo disciplinar «aos atos da vida privada dos magistrados do Ministério Público que se repercutam na sua vida pública e sejam incompatíveis com o decoro e a dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções, especialmente no que tem a ver com a imagem de imparcialidade e isenção que deste exercício decorre[132]».
       Vida pública e vida privada não conhecem fronteiras estanques com tempos ou lugares reservados a uma ou a outra. Nota CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA[133] como a proteção da privacidade pode subitamente impor-se ao aproveitamento de conhecimentos fortuitos obtidos por métodos ocultos de investigação criminal, pois a cada passo é possível deparar com informação recatada.
       Neste pressuposto, de a reserva não se reduzir à intimidade, a teoria germânica dos três círculos concêntricos[134], serve, isso sim, à qualificação da gravidade das intromissões ilícitas.
       Pressuposto que vem sendo adotado com muita constância pelo Tribunal Constitucional, ao abster-se de diferenciar intimidade e vida privada[135], cujo âmbito de reserva delimitou, no Acórdão n.º 355/97, de 7 de maio[136], como compreendendo «a vida pessoal, a vida familiar, a relação com outras esferas de privacidade (v.g. a amizade), o lugar próprio da vida pessoal e familiar (o lar ou domicílio) e, bem assim, os meios de expressão e de comunicação privados (a correspondência, o telefone, as conversas orais, etc.)». Não menos, porém os elementos de identificação pessoal, os códigos, senhas e contrassenhas de acesso a contas bancárias, o estado de saúde, os aspetos relativos à vida afetiva.
       Importa insistir em que a vida privada não radica, de modo necessário, num determinado local[137], designadamente no domicílio. A sua reserva projeta-se em certas expressões da vida privada em lugares públicos, abertos ao público ou privativos, como as gavetas da secretária no local de trabalho ou o espaço de internamento hospitalar, o interior do automóvel ou os lavabos de uma estação do caminho-de-ferro.
       Não é excessivo admitir que o próprio conceito de domicílio venha a estender-se a determinados redutos portáteis da intimidade: já nem tanto a carteira, a agenda ou o diário manuscritos[138] ou a mala de viagem, mas principalmente o computador pessoal, o telefone móvel e outros equipamentos com funções múltiplas de comunicação, arquivo de correspondência, captação de imagens e sua guarda.
        E, como nota PAULO MOTA PINTO[139], «mesmo que no caso concreto a obtenção da informação não tenha sido ilícita (por exemplo, se foi consentida, acidental ou justificada pela atividade profissional desempenhada), a revelação a terceiros dessa informação pode ainda ser ilícita».
       É o que pode suceder com petições, representações, reclamações ou queixas apresentadas pelos cidadãos aos órgãos de soberania ou a outras quaisquer autoridades públicas com funções políticas ou administrativas (artigo 52.º, n.º 1, da CRP, e artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 43/90, de 10 de agosto[140]).
       Queremos com isso significar que a legitimidade das ingerências restritivas no domínio da autodeterminação informativa não obedece a um critério unívoco ou linear.     
       Nem basta a uma conduta permanecer aquém do tipo ilícito descrito no Código Penal[141]:
«Artigo 192.º

Devassa da vida privada
              1 - Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual:

              a) Intercetar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, mensagens de correio eletrónico ou faturação detalhada;
              b) Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objetos ou espaços íntimos;
              c) Observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado; ou
              d) Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa;
              é punido, no caso das alíneas a) e c), com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 240 dias e, no caso das alíneas b) e d), com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
              2 — O facto previsto na alínea d) do número anterior não é punível quando for praticado como meio adequado para realizar um interesse público legítimo e relevante.»
       Relevam os meios, os fins e a proporcionalidade entre ambos, de harmonia com os critérios fixados na Constituição de modo a restringir as restrições, mas não, por exemplo, o dolo específico inscrito no n.º 1.
       É bem de ver, pois, que as ingerências decorrentes de uma investigação criminal, de uma investigação judicial de paternidade[142] ou de uma investigação política, conquanto possam valer-se de poderes próprios das autoridades judiciais, não podem conhecer a mesma intensidade.
       Assim, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25 de maio de 2016[143], que a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, prevista no artigo 104.º e seguintes[144] do Código de Processo nos Tribunais Administrativos[145], «não pode ser utilizada para obter documentos destinados a instruir processos de natureza penal ou cível», pois «a obtenção de informações ou documentos que se mostrem necessários para instruir ações cíveis terá de realizar-se através dos mecanismos adequados, como os previstos nos artigos 417.º, 418.º e 436.º do CPC, sendo esse o meio adequado à satisfação da pretensão do requerente, permitindo a resolução célere da questão e com uma mais completa e concreta ponderação dos interesses em presença, incluindo a confidencialidade dos dados».
       §50. — A requisição de informações privadas deve, pois, ser contida ao estritamente necessário — algo a refletir na fundamentação exigida pelo artigo 13.º, n.º 3 do RJIP[146]. O critério da utilidade para o inquérito é demasiado amplo quando possa estar em causa o âmbito privado, «uma zona onde, à partida, as inibições são muito menores», onde «ocorre o contacto com pessoas mais próximas e longe do olhar de terceiros» e «a partilha de certos elementos é mais livre e descontraída» (ANTÓNIO BRITO NEVES[147]).
       O bem jurídico protegido é, deste prisma, a liberdade pessoal, mas encontra-se também no núcleo essencial da autoconsciência, a que se chama intimidade[148].
       Exigências de proporcionalidade sugerem que a requisição parlamentar de documentos pessoais permita o expurgo dos elementos mais sensíveis ou a conversão de dados sensíveis em indiferenciados (v.g. anonimização), no acesso às cartas, correio eletrónico, mensagens escritas ou outras, «entre a família das gémeas e as várias entidades a quem fizeram pedidos»; no acesso às cartas, correio eletrónico, mensagens escritas ou outras, «entre Nuno Rebelo de Sousa e a Presidência da República»; e no acesso ao correio eletrónico «de Nuno Rebelo de Sousa para Carla Silva».
       Embora especificado o correio eletrónico «de Carla Silva para Ana Isabel Lopes, enviado, de acordo com as informações já conhecidas, a 20/11/2019, a “pedir ajuda para o agendamento de uma consulta e avaliação por neuropediatra”)», não compete ao Presidente da Assembleia da República, até por não estar a par do desenrolar dos trabalhos da Comissão, saber quem são estas duas senhoras, nem tão-pouco que relação funcional ou pessoal têm com os serviços de apoio ao Presidente da República.
       E, apesar de requisitado o correio eletrónico trocado entre o Presidente da República e seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, em 21-10-2019, o requerimento não reflete qualquer ponderação quanto à reserva da intimidade da vida privada e familiar, que se alteia nas mensagens entre pais e filhos, nem quanto aos dados pessoais ali contidos, muito provavelmente dados sensíveis relativos à saúde das duas crianças.
       Não obstante um ou outro dos documentos a requisitar poderem, eventualmente ser documentos administrativos, não é de excluir, todavia, que sejam nominativos, i.e., que contenham «dados pessoais, na aceção do regime jurídico de proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados» [artigo 3.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto].
       Ora, ao teor de documentos administrativos nominativos só pode aceder-se sob «autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder» ou se for fundamentadamente demonstrado, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação (artigo 5.º, n.º 2).
       No caso das comissões parlamentares de inquérito, a demonstração de um «interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante» seria absurda para quem exerce poderes de investigação judicial, mas é bom recordar que, ao contrário dos tribunais, as comissões encontram-se vinculadas pelo Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 (Regulamento Geral de Proteção de Dados), como vimos ter o Tribunal de Justiça da União Europeia concluído em acórdão de 16 de janeiro de 2024 (C‑33/22).
                  
XII.
Do Presidente da República.
       §51. — O próprio âmbito do inquérito parlamentar, sem o que será desconforme com normas constitucionais, tem de ser restritivamente interpretado, pois ao propor-se «Apurar, independentemente dos decisores políticos envolvidos, todas as responsabilidades […][149]» não pode arrogar-se à fiscalização dos atos do Presidente da República, como não poderia outro qualquer inquérito parlamentar incidir na atividade dos tribunais, dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas ou até dos municípios e freguesias, violando o princípio da separação de poderes nas suas dimensões horizontal e vertical.
       A responsabilidade política do Presidente da República é, como vimos, meramente difusa, à falta de melhor expressão.
       Responsabilidade cujo único e legítimo credor é o povo, ainda que o exercício efetivo de tal direito dependa de uma recandidatura ao mandato consecutivo ou, já cumpridos dois mandatos consecutivos, depois de recuperar, em pleno, a capacidade eleitoral passiva[150].
       A responsabilidade política difusa (ou ilíquida) pode indiciar-se através dos canais e instrumentos trabalhados pela ciência política e a pela sociologia política para interpretar os juízos da opinião pública (v.g. sondagens, inquéritos de opinião).
       Em todo o caso, a tentativa de descortinar uma derradeira quebra da confiança política precipita-se, quase sempre, no domínio da conjetura e da incomensurabilidade.
       Por isso, não faltam vozes que preferem aludir a uma não responsabilidade, ou mesmo a uma irresponsabilidade política do Presidente da República.
       De modo especialmente assertivo, LUÍS BARBOSA RODRIGUES[151] considera que a irresponsabilidade política do Presidente da República resulta, muito simplesmente da impossibilidade «de destituição em razão de uma conduta desconforme, ela própria, com o regular funcionamento das instituições de que se afirma garante».
       E assim, conclui:
              «O Presidente da República é, assim, o único órgão de soberania, político, irresponsável.
               […].
              Não colhe, tão-pouco, a afirmação de que o Presidente da República é responsável perante o Soberano, considerada a suscetibilidade de uma posterior reeleição.
              Desde logo, porque não está constitucionalmente vinculado à sua própria recandidatura[152].
              A seguir, porque a recusa popular de reeleição pode conhecer fundamentos múltiplos, não traduzindo, necessariamente, o sentido de uma sanção dirigida a esse titular do cargo.
              Por fim — e mais relevantemente — porque a suscetibilidade da responsabilização do órgão Presidente da República não pode ostentar uma natureza intermitente, existindo no que se reporta ao primeiro mandato, mas inexistindo no que se refere a um segundo mandato.
              Assim, o Presidente da República destaca-se como a única exceção a um princípio geral da responsabilidade política dos titulares dos cargos políticos pelas ações e omissões resultantes do exercício das suas funções (artigo 117.º).
              Melhor: sistemicamente interpretado, esse princípio indica que apenas os titulares dos cargos políticos detentores de funções de direção respondem pelo inerente exercício.
              Que apenas quem dirige, quem escolhe, quem decide, pode, e deve, responder por semelhantes juízos.»
       Por outro lado, afirma JOSÉ MELO ALEXANDRINO[153] o seguinte:
              «O Presidente da República não responde politicamente perante nenhum outro órgão de soberania (estatuto de irresponsabilidade política), estando apenas sujeito a uma responsabilidade política difusa, ou seja, perante a opinião pública».
       JAIME VALLE[154], por seu turno, embora reconheça expressões concretas dessa responsabilidade, não apenas por ocasião de sufrágios eleitorais e referendários, mas também nas críticas que se fazem ouvir no espaço público, entende não poder confundir-se com a responsabilidade institucional, totalmente ausente do estatuto constitucional do Presidente da República[155]:

              «Não é difícil ver que a Constituição portuguesa de 1976 não sujeita o Presidente da República a qualquer responsabilidade política institucional, à semelhança do que sucede, de resto, com os Chefes de Estado em quase todas as demais Constituições. É o único órgão de soberania do poder político que é interorganicamente independente, quer quanto à sua formação (eleição por sufrágio universal), quer quanto à sua subsistência (-). […] A cessação antecipada de funções resulta sempre ou de um facto natural, ou da vontade do Presidente, ou de decisão de um órgão jurisdicional (ainda que propulsionada pelo Parlamento), nunca de uma decisão de um órgão do poder político fundada em motivos de ordem politica.»
       Por último, cumpre dar nota do entendimento perfilhado por J.J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA[156]: o Presidente da República é politicamente irresponsável «porque não compartilha da função governamental», embora não esteja imune à crítica, mesmo no foro parlamentar[157].
       Ainda quando aceite presidir ao Conselho de Ministros, nos termos do artigo 133.º, alínea i), da Constituição, fá-lo a solicitação do Primeiro-Ministro, que não abdica, nem poderia abdicar da condução da política geral do país (artigo 182.º).
       §52. — E, na verdade, é o que, tendencialmente se verifica com o Chefe de Estado nas monarquias constitucionais e nas repúblicas cujo presidente é designado por sufrágio universal direto.

       Apenas tendencialmente, na verdade, pois o Presidente Federal da Áustria, apesar de eleito por sufrágio direto e universal (artigo 60.º, §1. da Lei Constitucional Federal de 1920), pode ser destituído por referendo[158], a pedido da Assembleia Federal (§6.).
       No mais, responde institucionalmente ao Parlamento (artigo 68, §1.) que o pode acusar perante o Tribunal Constitucional, não pela prática de um crime, mas por violação da Constituição [artigo 142.º, §2., alínea a)].
       Por seu turno, a inviolabilidade do Presidente da República Francesa (artigo 67 da Constituição de 1958), também ele eleito por sufrágio direto e universal, admite duas exceções, uma das quais pode ser reconhecida como responsabilidade institucional: a destituição pelo Parlamento, constituído em Tribunal Supremo, no caso de falta aos seus deveres, manifestamente incompatível com o exercício do mandato (artigo 68).
       Nenhuma das exceções consente, porém ser visado por um inquérito parlamentar. Assim, em 2018, a inviolabilidade e a definição constitucional das relações entre o Presidente da República e o Parlamento (Assembleia Nacional e Senado) justificaram, em 2018, a rejeição de um inquérito parlamentar pelo Presidente da Assembleia Nacional que visava o Presidente Emmanuel Macron[159].
       Por seu turno, o Presidente da República Italiana, apesar de eleito por maioria de 2/3 de uma assembleia parlamentar ampliada[160] (às duas câmaras juntam-se delegados das regiões), nos termos do artigo 83 da Constituição de 1947, não responde politicamente pelos atos praticados no exercício de funções e apenas responde criminalmente sob acusação, por maioria absoluta de Deputados e Senadores, restrita, porém, aos delitos de alta traição ou de atentado contra a Constituição (artigo 90).
       O Presidente Federal alemão é também eleito indiretamente, mas a Lei Fundamental de Bona, no seu artigo 61-2, reserva a sua destituição ao Tribunal Constitucional, o qual decide depois de dar por verificada a violação intencional da Constituição ou de uma lei federal. Por meio de uma disposição provisória, o Tribunal Constitucional pode suspendê-lo do exercício do cargo, nunca antes, porém, da acusação se encontrar apresentada.
       Acusação que, nos termos do artigo 61-1, parte de qualquer uma das câmaras do Parlamento (o Bundesrat ou o Bundestag), mediante deliberação tomada por maioria de 2/3, a partir da iniciativa de 1/4 dos membros da câmara respetiva, e que será deduzida no Tribunal Constitucional por um deputado ou conselheiro federal.
       Contrariamente ao presidente italiano, não se trata, aqui, de responsabilidade criminal, pois é a gravidade da violação de norma constitucional ou de norma de direito ordinário federal que relevam, e não, a imputação de um crime, a sustentar a acusação.
       Trata-se, pois, de responsabilidade política institucional, não obstante o julgamento competir ao Tribunal Constitucional.
       Aos monarcas constitucionais assiste, frequentemente, uma garantia de inviolabilidade pessoal.
       Assim, a Constituição dos Países Baixos, de 1983, dispõe que são os ministros, e não o Rei — de resto, inviolável — os responsáveis pelos atos de governo (artigo 42‑2) e o Ato Constitucional do Reino da Dinamarca (1953) determina que o Rei não é responsável pelos seus atos e a sua pessoa é inviolável (§13), como é inviolável, de igual modo, o Rei dos Belgas, nos termos do artigo 88 da Constituição de 1831.
       Tão-pouco o Rei de Espanha responde política ou juridicamente, nos termos da Constituição de 1978[161].
       A respeito de um projeto de inquérito do parlamento regional catalão ao Rei Emérito e a outros membros da Casa Real, pronunciou-se o Conselho de Estado no Parecer n.º 202/2019, de 14 de março[162], nos termos seguintes:
              «O Rei, como titular da Coroa e Chefe de Estado, ostenta as funções constitucionalmente previstas no artigo 56.1 da Constituição. No exercício destas funções, o Rei não se encontra sujeito a responsabilidade — nem política, nem jurídica —, que é assumida, através do mecanismo da referenda, pelo Presidente ou pelos membros do Governo da Nação ou pelo Presidente do Congresso dos Deputados, conforme o caso, de acordo com o disposto nos artigos 56.3 e 64 do texto constitucional. Esta isenção de responsabilidade estende-se também àqueles atos praticados pelo Rei, ou por quem o tenha sido, à margem das suas funções constitucionais, sem referenda, pois no âmbito da sua vida privada, em virtude da prerrogativa da inviolabilidade, igualmente prevista no mencionado artigo 56.3 da Constituição. Tais prerrogativas, embora constitucionalmente atribuídas “à pessoa do Rei”, cumprem uma função institucional — não se trata, portanto, de uma qualidade estatutária meramente pessoal — que, abstraindo de qual seja o conteúdo específico dos atos praticados por quem, em cada momento, desempenhe tal magistratura, pondera a consideração da Monarquia parlamentar como “forma política do Estado espanhol” e do Rei como “símbolo da unidade e permanência” (…).
              Em torno destas decisões políticas fundamentais, articulam-se as prerrogativas aludidas (…) que excluem qualquer forma de controlo dos atos do Rei».
       §53. — É bom dizer, ainda, que a responsabilidade política meramente difusa não é, entre nós, um caso singular do Presidente da República, pois tão-pouco os Deputados à Assembleia da República respondem politicamente, senão perante a nação ou o povo, por ocasião do sufrágio a que possam recandidatar-se, nas mesmas ou em outras listas partidárias.
       Pese o facto de a Assembleia da República responder politicamente perante o Presidente da República, que a pode dissolver ad nutum, tal responsabilidade é colegial e não de cada um dos Deputados.
       A perda de mandato por um Deputado só pode ficar a dever-se à quebra de confiança política pelos seus pares e, ainda assim, em casos muito contados:
«Artigo 160.º

Perda e renúncia do mandato

              1 — Perdem o mandato os Deputados que:
              a) Venham a ser feridos por alguma das incapacidades ou incompatibilidades previstas na lei;
              b) Não tomem assento na Assembleia ou excedam o número de faltas estabelecido no Regimento;
              c) Se inscrevam em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio;
              d) Sejam judicialmente condenados por crime de responsabilidade no exercício da sua função em tal pena ou por participação em organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.
              2 — Os Deputados podem renunciar ao mandato, mediante declaração escrita.»
       Temos, pois, que a perda do mandato de Deputado decorre de razões estatutárias [n.º 1, alínea a)], disciplinares [alínea b)] ou criminais [alínea d), 1.ª parte].
       Apenas a inscrição em partido diverso daquele pelo qual se apresentou a sufrágio [n.º 1, alínea c)] ou a participação em organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista [alínea d), in fine] consubstanciam responsabilidade política, em sentido próprio.
       Sem prejuízo da responsabilidade partidária, sujeita a normas de cariz disciplinar, cada Deputado só responde perante os eleitores e a opinião pública.
       Mais ainda. O presidente da câmara municipal e os vereadores conhecem uma responsabilidade muito limitada perante a assembleia municipal.
       Não podem ser destituídos por este órgão, nem o executivo sai derrubado por aprovação da moção de censura prevista no artigo 53.º, n.º 1, alínea l), da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro[163], e que lhe permite «Votar moções de censura à câmara municipal, em avaliação da ação desenvolvida pela mesma ou por qualquer dos seus membros».
       A perda de mandato e a dissolução dos órgãos autárquicos encontra-se reservada aos tribunais, nos termos da lei que define as infrações de natureza tutelar: a Lei n.º 27/96, de 1 de agosto[164], cujo artigo 11.º, n.º 1, dispõe que «As decisões de perda do mandato e de dissolução de órgãos autárquicos ou de entidades equiparadas são da competência dos tribunais administrativos de círculo».
       As pertinentes ações são intentadas «pelo Ministério Público, por qualquer membro do órgão de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido, ou por quem tenha interesse direto em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação» (n.º 2).
       §54. — Os inquéritos parlamentares destinam-se a «vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da Administração» (artigo 1.º, n.º 1, do RJIP), em estreita sintonia com o alcance da fiscalização política da Assembleia da República [artigo 162.º, alínea a), da CRP], o que significa fazer cumprir a Constituição e a lei no próprio Parlamento e fiscalizar os atos do Governo — uma vez que este responde politicamente perante a Assembleia da República (artigo 190.º da Constituição) — e dos órgãos e serviços da Administração Pública, visto ser o Governo, não só «o órgão de condução da política geral do país», como também, até para esse efeito, «o órgão superior da Administração Pública» (artigo 182.º) sobre a qual exerce poderes de direção, superintendência ou tutela [artigo 199.º, alínea d)].
       Um governo subsiste enquanto subsistir a confiança política que a Assembleia da República lhe dispensa, a partir do momento em que não tiver rejeitado, nos termos do artigo 192.º, n.º 3, da Constituição[165], o seu programa de governação[166] e até ao momento em que lhe retire essa confiança, recusando aprovar moção com tal desiderato [artigos 193.º e 195.º, n.º 1, alínea e)] ou aprovando uma moção de censura «sobre a execução do seu programa ou assunto relevante de interesse nacional, por iniciativa de um quarto dos Deputados em efetividade de funções» (artigo 194.º, n.º 1).
       Ora, o Presidente da República encontra-se nos antípodas da condição do Governo perante a Assembleia da República e, não obstante, o RJIP ser literalmente omisso a respeito de um inquérito parlamentar que o pretenda responsabilizar, tal iniciativa revela-se contrária à separação e interdependência entre órgãos de soberania, tal como se encontram «estabelecidas na Constituição» (artigo 111.º, n.º 1).
       Ao contrário do que se dispunha no artigo 26.º,— 20.º, da Constituição de 1911 (redação originária), não pode o Presidente da República ser destituído pela Assembleia da República.
       Nesse contexto, da chamada República Velha (1911-17), era o Congresso a eleger o Presidente da República (artigo 26.º, - 19.º) e, por isso, compreendia-se a responsabilidade política perante aquele órgão.
       Assim, dispunha-se na redação originária da Constituição de 1911:

«Artigo 46.º

              O Presidente pode ser destituído pelas duas Câmaras reunidas em Congresso, mediante resolução fundamentada e aprovada por dois terços dos seus membros e que claramente consigne a destituição, ou em virtude de condenação por crime de responsabilidade.»
       A questão do âmbito do inquérito parlamentar não se suscitava, pois a Constituição de 1911 ignorava este instrumento.
       Atualmente, a respeito do Presidente da República, o RJIP apenas nos diz que a prestação de depoimento seu perante uma comissão parlamentar de inquérito constitui uma faculdade que lhe assiste e que pode exercer presencialmente ou por escrito se assim preferir[167] (artigo 16.º, n.º 1).
       Algo que vale, mutatis mutandis, para a intimação prevista no artigo 13.º, n.º 3 e n.º 4. Ao Presidente da República assiste a faculdade de prestar informações ou de permitir o acesso a documentos em seu poder que entenda serem úteis a um inquérito parlamentar em curso.
       Tal disposição constitui ainda um ponto de luz acerca do estatuto constitucional do Presidente da República frente ao âmbito dos inquéritos parlamentares e à possibilidade de neles ser visado.
       Nenhum sentido útil teria abrir um inquérito relativo a um ato ou a um comportamento do Presidente da República sem o poder convocar para depor presencialmente ou por escrito e sem poder exigir-lhe a prestação de contas.
       §55. — Por outro lado, se os inquéritos parlamentares assentam na incumbência de vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis, só podem incidir no próprio Parlamento e nos seus Deputados, nos atos do Governo e da Administração (artigo 1.º, n.º 1) e desde que se trate de assunto de relevante interesse para o exercício das atribuições da Assembleia da República (n.º 2), o que exclui o Presidente da República[168].
       Assuntos de interesse público relevantes para o exercício das atribuições da Assembleia da República, mesmo no caso do Governo e dos seus atos, deixa de fora, por exemplo, «os atos do Governo que envolvam aumento ou diminuição das receitas ou despesas públicas» [artigo 200.º, n.º 1, alínea f), da CRP], pois está em causa uma reserva de iniciativa do próprio Governo, impossibilitando os Deputados, os grupos parlamentares, as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e os grupos de cidadãos eleitores de apresentarem «projetos de lei, propostas de lei ou propostas de alteração que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento» (artigo 167.º, n.º 2).
       Por conseguinte, não vemos como da cumulação entre a incumbência de vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e o poder de apreciar politicamente atos do Governo ou da Administração possa resultar admissível um inquérito parlamentar a um qualquer tribunal ou ao Presidente da República.
       Pelo contrário, entendemos com J.J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA[169], que as comissões parlamentares de inquérito «não podem perturbar o esquema de competências e funções dos outros órgãos de soberania (Presidente da República, Tribunal Constitucional, Tribunais)»
       Não podem, trazendo à memória o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 195/94, «incidir sobre matérias que extravasem a competência da Assembleia da República ou se incluam na competência exclusiva de outros órgãos constitucionais».
       Por isso, também se encontram fora do alcance do inquérito parlamentar os Tribunais: órgãos de soberania independentes e apenas sujeitos à lei (artigo 203.º da Constituição).
       §56. — Já por razões de separação vertical de poderes, a doutrina nacional entende, de modo pacífico, encontrarem-se, igualmente excluídos do inquérito parlamentar os órgãos de governo próprio das regiões autónomas[170] e as administrações sob a sua direção, superintendência ou tutela, como também os órgãos do poder local[171].
       Isto, no tocante ao primeiro caso, porque a opção constitucional pela autonomia política das regiões autónomas «representou uma alteração qualitativa na própria estrutura do Estado português, que assim conferiu poderes substancialmente políticos e legislativos a órgãos regionais não designados pelo poder central», de tal sorte que «as regiões autónomas passaram a dispor de uma liberdade de decisão subtraída a qualquer tutela ou controlo por parte dos órgãos de governo da República (-) – e portanto também do controlo político da AR, suscetível de ser exercido designadamente através do inquérito parlamentar» (NUNO PIÇARRA[172]).
       O que vale, inversamente, como entendeu este corpo consultivo, no Parecer n.º 33/2018, de 19 de outubro[173], no sentido de um inquérito da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira não poder visar um membro do Governo da República, nem os seus atos, pois «a responsabilidade política do Governo da República opera exclusivamente perante a Assembleia da República (cf. artigo 191.º da Constituição), órgão ao qual compete “apreciar os atos do Governo e da Administração” [cf. artigo 162.º, alínea a)]».
       No que concerne ao poder local, é acentuado, por vezes, não se limitar a autonomia dos órgãos municipais e das freguesias ao domínio administrativo e financeiro, pois assiste-lhes, em certa medida, uma verdadeira autonomia política[174]. Assim, o que pode constituir objeto de inquérito parlamentar «é o modo como o Executivo exerce a tutela sobre as autarquias locais[175]».
       §57. — Se os governos regionais e os seus atos não podem ser objeto de um inquérito parlamentar, senão das próprias assembleias legislativas, não se vê, pois, como deixar de recusar ao inquérito parlamentar o apuramento de responsabilidades políticas perante a Assembleia da República por parte de um órgão de soberania que não responde politicamente perante nenhum outro, como sucede com o Presidente da República.
       Devemos, porém, interrogar-nos pelas razões de fundo que impedem a Assembleia da República de fiscalizar politicamente o Presidente da República.
       A razão é simples: o Presidente da República dispõe de uma legitimidade — democrática, assente no sufrágio eleitoral, periódico, igual, direto e universal (artigos 121.º, n.º 1, e 126.º da CRP) — que se apresenta igual ou equivalente à legitimidade da Assembleia da República e dos seus Deputados, os quais «representam todo o país e não o círculo por que são eleitos» (artigo 152.º, n.º 2).
       Vale a pena notar que, no artigo 147.º, a Constituição teve o cuidado de afirmar que «a Assembleia da República é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses» — e não o órgão representativo de todos os cidadãos portugueses.
       Fê-lo, justamente por haver um outro órgão de soberania (não colegial, mas singular) ao qual compete representar a República Portuguesa.
       O órgão ao qual cumpre, igualmente, garantir a independência nacional, a unidade do Estado, o regular funcionamento das instituições democráticas, e que, por inerência, é o Comandante Supremo das Forças Armadas (artigo 120.º).
       Excluído do inquérito parlamentar encontra-se, pois, tudo o que disser respeito ao Presidente da República, mesmo no reduzido quadro de intervenções em que a Assembleia da República pode condicionar o desempenho das suas funções.
       §58. — Objetar-se-á, porventura, que, sem poder o inquérito parlamentar averiguar um ilícito criminal praticado pelo Presidente da República, ficaria frustrada a competência da Assembleia da República enunciada pelo artigo 163.º, alínea c) da Constituição: «Promover o processo de acusação contra o Presidente da República por crimes praticados no exercício das suas funções (…)».
       É por essa razão, quer-nos parecer, que VITALINO CANAS[176] se pronuncia pela inclusão do Presidente da República no possível âmbito de um inquérito parlamentar, cuidando que, de outro modo, a investigação criminal dos ilícitos criminais praticados no exercício de funções ficaria impossibilitada.
       E, como tal, ficaria tolhida a iniciativa processual junto do Supremo Tribunal de Justiça, de harmonia com o artigo 130.º, n.º 1 e n.º 2, da CRP.
       Não é assim, se bem virmos o quadro constitucional. A iniciativa a que se refere o artigo 163.º, alínea c), da CRP nada tem a ver com o inquérito parlamentar.
       As comissões parlamentares de inquérito, em caso algum, praticam investigação criminal, importando distingui-las da comissão especial a criar para aquele fim.
       Com efeito, a iniciativa de, no mínimo, 1/5 dos Deputados, dá lugar a um procedimento próprio, que compreende a constituição de uma comissão especial, incumbida de apresentar um relatório, mas trata-se de procedimento bem diverso do inquérito parlamentar, como decorre do Regimento da Assembleia da República[177]:
«Artigo 251.º

              Reunião da Assembleia para acusação do Presidente da República

              Para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 130.º da Constituição, a Assembleia reúne nas 48 horas subsequentes à apresentação de proposta subscrita por um quinto dos Deputados em efetividade de funções.
Artigo 252.º

Constituição de comissão parlamentar especial

              A Assembleia deve constituir uma comissão parlamentar especial a fim de elaborar relatório no prazo que lhe for assinado.
Artigo 253.º

Discussão e votação

              1 — Recebido o relatório da comissão parlamentar, o Presidente da Assembleia marca, dentro das 48 horas subsequentes, uma reunião plenária para dele se ocupar.
              2 — No termo do debate, o Presidente da Assembleia põe à votação a questão da iniciativa do processo, a qual depende de deliberação aprovada por maioria de dois terços dos Deputados em efetividade de funções.»
       Para os efeitos previstos no artigo 252.º, a comissão especial há de adotar um procedimento que respeite o mínimo dos procedimentos sancionatórios: o direito de audiência e de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 10, da CRP), a presunção da sua inocência (artigo 32.º, n.º 2), a nulidade dos atos baseados em provas obtidas mediante meios ilícitos (n.º 8) e o acompanhamento do arguido por advogado (artigo 20.º, n.º 2).
       Nem poderia ser de outro modo, num Estado de direito democrático (artigo 2.º e artigo 8.º, n.º 4, in fine).
       NUNO PIÇARRA equaciona a possível confusão entre comissão especial e comissão de inquérito[178] e deslinda-a, seguindo o raciocínio que expõe nestes termos[179]:

              «Note-se que na versão originária da CRP, a iniciativa do processo de destituição não cabia à AR mas sim ao Conselho da Revolução. No entanto, tal processo só poderia seguir os seus termos obtida deliberação favorável da AR, aprovada por maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções (ex-artigo 133.º, n.º 2). Para o efeito, a AR poderia obviamente criar uma comissão e mandatá-la para realizar o tipo de inquérito tradicionalmente designado por judiciário. Na sequência da supressão do Conselho da Revolução, operada pela primeira revisão constitucional, a iniciativa do processo de destituição passou a caber exclusivamente à AR. A comissão a constituir para o efeito não é, nos termos do artigo 274.º do atual regimento, uma CPI mas sim uma “comissão especial”. O regimento e a Lei n.º 34/87, de 16 de julho, relativa aos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos (artigo 33.º), são omissos quanto à tramitação do processo perante tal comissão e quanto aos poderes desta. Mas parece razoável entender que a comissão especial poderá, ou deverá mesmo, ouvir o Presidente da República e disporá de poderes idênticos aos das CPI.»
       Podemos dar por certo que nem a comissão especial é uma comissão parlamentar de inquérito, nem as comissões parlamentares de inquérito podem assumir a função e poderes da comissão especial prevista no artigo 252.º do Regimento.  

       §59. — Sobre os colaboradores que prestam apoio direto ou pessoal ao Presidente da República projeta-se o seu estatuto constitucional, seja no tocante ao dever de depor perante comissões parlamentares de inquérito, seja no que concerne à prestação de informações ou à exibição de documentos, sempre que estes estejam relacionados com as funções exercidas pelo Presidente da República.
       Neste sentido, considera JORGE REIS NOVAIS[180] que «em princípio toda a área de atuação do Presidente da República e dos serviços sob a sua responsabilidade ficam fora do atual objeto possível dos inquéritos parlamentares (-) e, logo, numa zona de total, mas não justificada imunidade.»
       A Casa Civil, a Casa Militar, o Gabinete e outros órgãos de apoio pessoal ou direto ao Presidente da República e ao Conselho de Estado são inteiramente dependentes do Presidente da República, pelo que não integram o conceito orgânico de Administração Pública que delimita o objeto dos inquéritos parlamentares a partir do artigo 162.º, alínea a), da Constituição[181].
       Constituem, «órgãos e serviços administrativos do Estado fora da Administração Pública» (PEDRO COSTA GONÇALVES[182]), tal como os órgãos de administração e serviços da Assembleia da República ou as secretarias judiciais, a não confundir com certos órgãos que, embora funcionando junto da Assembleia da República ou dos Tribunais, integram a chamada administração independente[183].
       Esse é o caso da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos ou da Comissão Nacional para a Proteção de Dados. Não se encontram ao serviço direto e pessoal do órgão de soberania que lhes proporciona meios e, por conseguinte, não é de excluir que os seus atos sejam objeto de investigação parlamentar.
       Já não é assim com os serviços da Presidência da República, pois admitir um dever de sujeição às comissões parlamentares de inquérito significaria uma ingerência na relação de confiança pessoal que o Presidente da República deve poder depositar nos funcionários e agentes daqueles serviços, além de que proporcionaria um entorse à não responsabilidade política do Presidente da República perante o Parlamento e seus órgãos auxiliares.
       Tão-pouco serve de pretexto a competência parlamentar reservada[184] para legislar sobre o «regime da autonomia organizativa, administrativa e financeira dos serviços de apoio do Presidente da República» [artigo 164.º, alínea v)], pois também não é por competir exclusivamente à Assembleia da República aprovar os estatutos político-administrativos das regiões autónomas [artigo 161.º, alínea c)] que se abre a porta a inquéritos parlamentares que incidam sobre o funcionamento dos órgãos de governo próprio dos Açores e da Madeira.
       O uso da expressão ‘atribuições’, e não de ‘competências’ pelo artigo 1.º, n.º 2, do RJIP, revela aqui a subtileza própria da linguagem jurídica.
       As garantias de independência e inviolabilidade do Presidente da República levaram a incluir na reserva de competência legislativa absoluta da Assembleia da República o regime da autonomia organizativa, administrativa e financeira dos serviços de apoio do Presidente da República [artigo 164.º, alínea v)], no que J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA[185] veem um corolário do princípio da separação e interdependência dos órgãos de soberania.
       Apenas por lei parlamentar se pode definir tal regime, pois só a Assembleia da República possui legitimidade democrática análoga à do Presidente (JORGE MIRANDA/CATARINA SANTOS BOTELHO[186]).
       Ora, desta competência legislativa não é lícito retirar uma atribuição do Parlamento para escrutinar o funcionamento de tais serviços.
       §60. — A Lei n.º 7/96, de 29 de fevereiro, no seu artigo 1.º, passou a definir e regular «as estruturas e os serviços integrantes da Presidência da República, que têm por função prestar o apoio técnico, pessoal e de gestão patrimonial, administrativa e financeira ao Presidente da República» e no artigo 2.º reparte os órgãos e serviços da Presidência da República entre Serviços de apoio direto ao Presidente da República, Conselho Administrativo e Secretaria-Geral[187].
       Por seu turno, o artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 28-A/96, de 4 de abril, define a Presidência da República como «o conjunto de órgãos e serviços que têm por função prestar apoio ao Presidente da República, enquanto órgão de soberania».
       Constituem órgãos e serviços de apoio direto: a Casa Civil, a Casa Militar, o Gabinete, o Serviço de Segurança, o Centro de Comunicações e o Serviço de Apoio Médico [artigo 2.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 28-A/96, de 4 de abril].
       A Casa Civil é «um serviço de consulta, de análise, de informação e de apoio técnico ao Presidente da República» (artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 7/96, de 29 de fevereiro), sendo constituída pelo seu chefe, 12 assessores, quatro adjuntos e quatro secretários, permanecendo dois como secretários pessoais do chefe da Casa da Civil (artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 28-A/96, de 4 de abril).
       Chefe da Casa Civil a quem compete assegurar a coordenação dos órgãos e serviços da Presidência da República, superintender na Secretaria-Geral (artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 28-A/96, de 4 de abril), e que «representa o Presidente da República sempre que este o determine» (n.º 2).
       O Decreto-Lei n.º 47/88, de 12 de fevereiro, confere-lhe competência própria para a coordenação administrativa e financeira dos serviços de apoio daquele órgão de soberania.
       A Casa Militar é o serviço de apoio ao Presidente da República na sua qualidade de Comandante Supremo das Forças Armadas (artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 7/96, de 29 de fevereiro), e «é constituída pelo chefe da Casa Militar, três assessores e três ajudantes-de-campo, todos oficiais das Forças Armadas[188]» (artigo 6.º, n.º 1), além de quatro secretários, dos quais um é secretário pessoal do chefe da Casa Militar (n.º 2), e de «um ou mais funcionários administrativos destacados da Secretaria-Geral» (n.º 3).
       O chefe da Casa Militar — um oficial de patente não inferior a oficial superior (artigo 7.º, n.º 2) — dirige-a, «representa o Presidente da República sempre que este o determine e assegura a ligação entre o Presidente da República e as autoridades militares» (n.º 1).
       O Presidente da República dispõe, ainda, para seu apoio pessoal e direto, de um Gabinete (artigo 8.º, n.º 1), constituído por um chefe de gabinete, dois adjuntos e quatro secretários pessoais (n.º 2). E se porventura o Presidente da República dispensar a nomeação de um chefe para o seu gabinete, é ao chefe da Casa Civil que compete o exercício de tais funções (n.º 3).
       De modo a garantir uma relação de confiança pessoal, os membros da Casa Civil, da Casa Militar e do Gabinete são livremente nomeados e exonerados pelo Presidente da República, «sem prejuízo da caducidade da relação de emprego por virtude da cessação do mandato presidencial», e iniciam funções «independentemente da publicação do respetivo despacho de nomeação no Diário da República» (artigo 16.º, n.º 1).
       Por outro lado, assistem-lhes especiais garantias e regalias que decorrem das altas funções que exercem, enquanto projeção do órgão de soberania que servem diretamente.
       Em contrapartida, considera o Decreto-Lei n.º 196/93, de 27 de maio[189], que os membros da Casa Civil e do Gabinete do Presidente da República (artigo 2.º, alínea a)), cuja nomeação, assenta no princípio da livre designação e se fundamenta por lei em razão de especial confiança e exerçam funções de maior responsabilidade encontram-se subordinados ao regime de incompatibilidades ali contido, «a fim de garantir a inexistência de conflito de interesses» (artigo 1.º), o que também importa «apresentar, no momento do início de funções, uma declaração de inexistência de conflitos de interesses, válida para o período em que as mesmas forem exercidas» (artigo 4.º, n.º 1).
       §61. — Tais órgãos e serviços em nada dependem do Governo, pelo que não integram a Administração a que se refere o artigo 162.º, alínea a), da Constituição, ao delimitar o âmbito orgânico dos poderes de fiscalização política da Assembleia da República.
       São, como afirmámos, órgãos e serviços inteiramente dependentes do Presidente da República e que, por isso, refletem, de certo modo, o seu estatuto. De outro modo, a exposição dos órgãos e serviços que prestam apoio pessoal e direto ao Presidente da República, poderia expor, igualmente o titular do cargo, vulnerando a sua independência no equilíbrio da separação de poderes, por meio de ingerências na função política que desempenha.
       Não pode ser subestimado o estatuto do Presidente da República por relativização das garantias do pequeno reduto de órgãos e serviços que lhe prestam aconselhamento, que providenciam pelo bom desempenho das suas funções e que cumprem as suas ordens e instruções, nomeadamente as superiores funções de representante da República Portuguesa, de garante da independência nacional, da unidade do Estado e do regular funcionamento das instituições democráticas, além das funções de Comandante Supremo das Forças Armadas que exerce, por inerência, nos termos do artigo 120.º da Constituição. 
       Assim, a Casa Civil, a Casa Militar e o Gabinete do Presidente da República, uma vez que se encontram sob dependência hierárquica daquele Órgão de Soberania, nem sequer fazem parte da administração independente a que se refere o artigo 267.º, n.º 3, da Constituição.
       A dependência hierárquica de um órgão de soberania unipessoal, eleito por sufrágio direto e universal e que não responde politicamente perante nenhum outro órgão do Estado, com uma estrita ressalva: a ausência do território nacional.
       Por outro lado, na medida do apoio pessoal e direto que prestem ao Presidente da República, não devem facultar documentos, nem informações que o Presidente da República não se disponha por sua livre iniciativa prestar.
       §62. — Por fim, também o Conselho de Estado, a cujos membros assiste o estatuto definido pela Lei n.º 31/84, de 6 de setembro, e que «é o órgão político de consulta do Presidente da República» (artigo 1.º), confere nitidez à independência presidencial.  
       Nos termos do artigo 13.º, os membros do Conselho de Estado não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções, e nenhum dos seus membros «pode ser detido ou preso sem autorização do Conselho, salvo por crime punível com pena maior e em flagrante delito» (artigo 14.º, n.º 1), nem tão-pouco é suspenso por incriminação, salvo crime punível com pena de prisão superior a três anos, sem autorização do Conselho (n.º 2).
       De acordo com o artigo 15.º, n.º 2, não podem os conselheiros de Estado ser testemunhas nem declarantes sem autorização do Conselho, o que não se vê como deixar de aplicar à prestação de depoimento perante comissões parlamentares de inquérito.
       Por seu turno, as atas do Conselho de Estado permanecem sob sigilo durante 30 anos (artigo 13.º, n.º 4, do Regimento do Conselho de Estado[190]), salvo em casos excecionais e por decisão do Presidente da República (n.º 5).
       Transcorrido o prazo de 30 anos e nas situações excecionais a que vimos de aludir, a consulta ou divulgação das atas «será sempre assegurada pelo Secretário do Conselho de Estado e pelos serviços da Presidência da República» (n.º 7).
       Com efeito, nos termos do artigo 14.º, «os serviços de expediente e apoio do Conselho de Estado serão assegurados pela Secretaria-Geral da Presidência da República, que, para o efeito, colocará à disposição do Conselho os meios necessários».
       §63. — Em face destas considerações, o próprio âmbito do inquérito parlamentar n.º4/XVI/1.ª deve de ser restritivamente interpretado, sem o que será desconforme com o artigo 111.º, n.º 1, da Constituição, pois ao propor-se «Apurar, independentemente dos decisores políticos envolvidos, todas as responsabilidades […]», não pode visar atos nem condutas do Presidente da República, como não poderia outro qualquer inquérito parlamentar incidir na atividade dos tribunais ou, até por razões menos ponderosas, fiscalizar a atividade das assembleias legislativas das regiões autónomas ou dos governos regionais.
       O acesso a documentos de natureza pessoal, política ou administrativa que se encontrem em poder do Presidente da República ou dos serviços que lhe prestam apoio direto e pessoal, ainda que oriundos do Governo ou destinados a algum dos seus membros, encontra-se fora do alcance das comissões parlamentares de inquérito.
       À semelhança do que prevê o artigo 16.º, n.º 2, do RJIP, em matéria de comparência pessoal, também a informação e os documentos que se encontrem, direta ou indiretamente, em poder do Presidente da República, só por este podem ser apresentados a um órgão parlamentar e nunca solicitados sob cominação.
       É ao Presidente da República que assiste a iniciativa de o fazer, sob pena de ser criada uma fonte de responsabilidade política que a Constituição não consente: ao arrepio daquilo que JÓNATAS MACHADO/ SÉRGIO MOTA[191] designam como princípio hermenêutico de conformidade funcional, «nos termos do qual as disposições organizatórias da Constituição devem ser interpretadas num sentido que não subverta o esquema constitucional de competências e funções».
 
 
XIII.
Inquérito parlamentar, reserva da vida privada e reserva de processo penal.

       §64. — Aqui chegados, encontram-se reunidas as condições para analisar as prescrições relativas aos poderes das comissões parlamentares de inquérito e dos Deputados que, por direito próprio, obtiveram a abertura do inquérito.

       Interessa-nos, em especial, e por isso fomos relegando a sua apreciação, o poder de obter informações e de aceder a documentos, o que não pode deixar em claro saber se o conteúdo de mensagens trocadas por correio eletrónico, por telemóvel ou através de redes de comunicação digital, além do registo de tráfego de chamadas telefónicas, pode conter-se nos conceitos de simples informação ou documento.
       O Regimento da Assembleia da República limita-se a dispor o seguinte:
«Artigo 236.º

Poderes das comissões parlamentares de inquérito

              1 — As comissões parlamentares de inquérito gozam dos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais e demais poderes e direitos previstos na lei.
              2 — A prestação de depoimentos perante as comissões parlamentares de inquérito tem lugar na Assembleia da República, em salas devidamente preparadas para o efeito, em que o depoente e seus eventuais acompanhantes estão colocados perante dos Deputados, em mesa própria.»
       A formulação usada pelo n.º 1 aponta para a plenitude dos poderes de investigação do juiz. Só os demais poderes precisam de estar previstos na lei, ainda que não se trate de poderes de investigação.
       Destarte, o Regimento aponta para um modelo judicial (e não judiciário) de investigação, o que não pode deixar de configurar o modo de exercício dos poderes que a lei especificou.
       Como tal, os poderes de investigação que a lei possa especificar — nomeando-os, ou não, como próprios das autoridades judiciais — devem ser exercidos, tanto quanto possível, como o seriam por uma autoridade judicial.
       §65. — A Lei n.º 5/93, de 1 de março, na sua atual redação, configura os poderes instrumentais das comissões parlamentares de inquérito, nos termos que, por comodidade de leitura, voltamos a reproduzir:

«Artigo 13.º
Poderes das comissões

              1 — As comissões parlamentares de inquérito gozam dos poderes de investigação das autoridades judiciais que a estas não estejam constitucionalmente reservados.
              2 — As comissões têm direito à coadjuvação das autoridades judiciárias, dos órgãos da polícia criminal e das autoridades administrativas, nos mesmos termos que os tribunais.
              3 — As comissões podem, a requerimento fundamentado dos seus membros, solicitar por escrito ao Governo, às autoridades judiciárias, aos órgãos e serviços da Administração, demais entidades públicas, incluindo as entidades reguladoras independentes, ou a entidades privadas as informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito.
              4 — Nas comissões parlamentares de inquérito constituídas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, as diligências instrutórias referidas no número anterior, solicitadas pelos Deputados requerentes do inquérito, são de realização obrigatória, não estando a sua efetivação sujeita a deliberação da comissão.
              5 — A prestação das informações e dos documentos referidos no n.º 3 tem prioridade sobre quaisquer outros serviços e deve ser satisfeita no prazo de 10 dias, sob pena de o seu autor incorrer na prática do crime referido no artigo 19.º, salvo justificação ponderosa dos requeridos que aconselhe a comissão a prorrogar aquele prazo ou a cancelar a diligência.
              6 — O pedido referido no n.º 3 deve indicar esta lei e transcrever o n.º 5 deste artigo e o n.º 1 do artigo 19.º
              7 — No decurso do inquérito, a recusa de prestação de depoimento, de prestação de informações ou de apresentação de documentos só se terá por justificada nos termos da lei processual penal e da presente lei.»
       A redação originária do n.º 1 atribuía às comissões parlamentares de inquérito os poderes de investigação das autoridades judiciárias, o que, à luz do artigo 1.º, alínea c), do Código de Processo Penal[192], significava disporem, não só dos poderes de autoridade judicial, como também dos poderes de investigação do Ministério Público:
«Artigo 13.º
Poderes das comissões
              1 — As comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias.
              2 — As comissões têm direito à coadjuvação dos órgãos de polícia criminal e das autoridades administrativas, nos mesmos termos que os tribunais.

              […]».

       Destarte, a coadjuvação prevista no n.º 2 limitava-se a enunciar os órgãos de polícia criminal e as autoridades administrativas.
       Contudo, a Lei n.º 126/97, de 10 de dezembro, retomou a conformidade com o artigo 178.º, n.º 5, da Constituição, e com a redação da lei pregressa: poderes de investigação das autoridades judiciais.
       Consequentemente, o n.º 2 passou a contemplar as autoridades judiciárias, incumbindo-as de coadjuvar as comissões parlamentares de inquérito, em termos análogos aos da coadjuvação que prestam aos tribunais:
«Artigo 13.º

Poderes das comissões
              1 — As comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciais[193].

              2 — As comissões têm direito à coadjuvação das autoridades judiciárias[194], dos órgãos de polícia criminal e das autoridades administrativas, nos mesmos termos que os tribunais.

              […]».

       Ficou claro, desde então, que o exercício de poderes de investigação próprios do Ministério Público não integra o acervo dos poderes das comissões parlamentares de inquérito. Podem, no entanto, solicitar ao Ministério Público, enquanto autoridade judiciária, o auxílio e cooperação necessários ao inquérito parlamentar.
       Por fim, a Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, conservando intocado o n.º 2, conferiu a seguinte redação ao n.º 1:
«Artigo 13.º
Poderes das comissões
              1 — As comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciais que a estas não estejam constitucionalmente reservados[195].

              […]».
       O aditamento introduzido terá tido em vista tornar expressos os limites que o Acórdão n.º 195/94 do Tribunal Constitucional traçara aos poderes das comissões, mas não esgotou os limites implícitos dos poderes das comissões parlamentares de inquérito.
       §66. — A interpretação da norma com tal redação exige saber, ao certo, que poderes de investigação se encontram constitucionalmente reservados às autoridades judiciais e, como tal, excluídos da competência das comissões parlamentares de inquérito.
       Não se trata da reserva de jurisdição, cujo núcleo a Constituição discrimina, no artigo 202.º, n.º 2, como conteúdo da administração da justiça: «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados».
       Trata-se, na expressão do artigo 13.º, n.º 1, do RJIP, de poderes de investigação, dos quais se diria, à partida, possuírem maior afinidade com o Ministério Público do que com a autoridade judicial.
       Já vimos, porém, ter constituído inequívoca intenção, quer da 1.ª Revisão Constitucional, quer da Lei n.º 126/97, de 10 de dezembro, que as comissões parlamentares de inquérito dispusessem de poderes de investigação do juiz.
       Não haverá dúvidas em considerar que a ressalva constitucional, i.e., os poderes constitucionalmente reservados ao juiz compreendem, não apenas a reserva da função jurisdicional[196], como também:
              — A privação da liberdade pessoal por detenção ou prisão preventiva [artigo 27.º, n.º 2 e n.º 3, alíneas b), c), e), f) e h), artigo 28.º, n.º 1],
              — A adoção de medidas que, na instrução criminal, se prendam diretamente com direitos fundamentais (artigo 32.º, n.º 4),
              — A expulsão de estrangeiros com permanência minimamente regular (artigo 33.º, n.º 2),
              — A extradição (n.º 7),
              — A ingerência no domicílio (artigo 34.º, n.º 2), e,
              — A separação coerciva entre pais e filhos (artigo 36.º, n.º 6).
       Claramente, nem todos estes poderes são de investigação e, por seu turno, a reserva das ingerências «na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação» (n.º 4) decorre, pelo menos, em primeira linha, da reserva de processo penal e não da reserva de juiz[197].
       Os problemas de delimitação começam quando nos deparamos com o artigo 32.º, n.º 4.
       Dispõe-se no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição:

              «Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos atos instrutórios que se não prendam diretamente com os direitos fundamentais.»

       Se ao juiz e apenas ao juiz competisse praticar atos de investigação que se prendessem diretamente com direitos fundamentais, estaria comprometido o desempenho de boa parte da função administrativa do Estado e de pouco ou nada serviria às comissões parlamentares de inquérito disporem de poderes de autoridade judicial.
       Os poderes das autoridades administrativas facultariam, decerto, uma margem maior à investigação das comissões[198].
       Aquilo que o artigo 178.º, n.º 5, entregava com uma mão ao inquérito parlamentar, o artigo 32.º, n.º 4, a final, tiraria com a outra
       Dispensando-nos de enfrentar todo o lastro histórico de controvérsias em redor do sentido e extensão deste preceito constitucional[199], diremos, no entanto, que esta reserva é de natureza intrassistemática, como decorre da menção a uma fase do processo criminal[200].
       Ela diz respeito à distribuição de poderes de instrução e à prática de atos instrutórios num certo momento do processo penal.
       E mesmo nesse domínio, muito plausivelmente, tem como único desiderato reservar ao juiz a adoção de medidas de coação ou de garantia patrimonial, já que dos meios de obtenção de prova se cuida no artigo 32.º, n.º 8:

              «São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.»

       O legislador constituinte, ao referir-se, em 1976, a atos de instrução que se prendam diretamente com direitos fundamentais encontrava-se, muito provavelmente, a cuidar do núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias (prender-se diretamente), em especial, a privação da liberdade e da propriedade privada[201] e que pretendia ver subtraídos às polícias e à sua atuação
       As medidas de coação representavam, no momento constituinte, o paradigma do que, hoje, designamos ingerências ou intervenções restritivas nos direitos, liberdades e garantias[202].
       A obtenção de meios de prova podia, é certo, justificar medidas coercitivas[203], mas a proteção do domicílio e da correspondência pela reserva de juiz ou da aplicação da lei processual criminal (artigo 34.º, n.os 2 e 4) permitiam relegar o abuso dos poderes de investigação para as nulidades processuais. 
        A verdade é que os poderes de investigação do juiz, em processo penal, ao serem exercidos por uma comissão parlamentar de inquérito não fazem do inquérito parlamentar um processo criminal.
       A aplicação por estes órgãos parlamentares da lei processual penal vai até ao limite da compatibilidade entre fiscalização política e processo penal e não é por o artigo 32.º, n.º 4, da Constituição, deixar incólumes os seus poderes que deixam de se encontrar vinculados aos direitos, liberdades e garantias.
       E por ser assim, além da reserva de juiz, o inquérito parlamentar confronta-se como a reserva da lei processual.
       Os poderes de investigação das comissões parlamentares de inquérito têm de ser condicionados, pelo menos, de modo similar, aos poderes do juiz, pois, de outro modo, convolar-se-iam em poderes inquisitórios ilimitados.  
       Ora, a aplicação da lei processual penal impede os órgãos de outras funções do Estado (política e administrativa) de exercerem poderes cujas normas atributivas empreguem conceitos, fixem pressupostos e requisitos ou convoquem valorações que só um processo penal consinta, com a sua estrutura própria, com os respetivos sujeitos processuais, sob pena de o inquérito parlamentar representar um processo criminal espúrio.   
       O exercício de muitos dos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais não pode ser desvinculado das normas processuais que os conformam e delimitam.
       Escrevem J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA[204]:

              «Seguramente que os poderes das comissões de inquérito têm um limite naqueles direitos fundamentais dos cidadãos que, mesmo em investigação criminal, não podem ser afetados senão por decisão de um juiz».

       Isto, porém, não exime os poderes que permanecem aquém desse limite de também serem condicionados pela lei processual de só serem exercidos até onde o inquérito criminal se revele compatível.
       §67. — Se às comissões parlamentares de inquérito não assistissem poderes de investigação das autoridades judiciais (artigo 178.º, n.º 5, da CRP, e artigo 13.º, n.º 1, do RJIP), o acesso da sua parte a informações ou documentos não seria mais amplo do que o acesso comum dos cidadãos aos documentos administrativos, mesmo daqueles que se encontram na posse de entidades privadas.
       É o timbre judicial que confere às intimações de uma comissão parlamentar de inquérito o carácter obrigatório «para todas as entidades públicas e privadas» e a prerrogativa de prevalecerem sobre as de quaisquer outras autoridades (artigo 205.º, n.º 2, da CRP), com exceção das autoridades judiciárias.
       A terem sido investidos dos poderes das autoridades administrativas, às comissões assistiria o que se designa autotutela executiva na Administração Pública. Os seus atos seriam executórios logo que eficazes e o cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que decorressem de uma ordem parlamentar poderiam ser impostos coercivamente sem recurso prévio aos tribunais, desde que a imposição fosse feita pelas formas e nos termos previstos por lei.
       É a prerrogativa das comissões parlamentares de inquérito que lhes permite, nos termos do artigo 13.º do RJIP ter acesso a informações e a documentos de um modo diferenciado, relativamente aos particulares.
       A invocação de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido na Constituição, que se exige para o acesso a determinados documentos administrativos — os documentos nominativos[205] — cede lugar, no caso das comissões parlamentares de inquérito, ao superior interesse reconhecido à fiscalização política, confirmado pelos poderes de autoridade próprios do juiz.
       E permite, de igual modo, aceder a documentos de entidades privadas (pessoas singulares ou coletivas).
       É certo que a Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, faculta o acesso a documentos em poder de algumas entidades privadas, mercê de uma especial vinculação ao interesse público, nos termos que o artigo 4.º, n.º 1, discrimina:

              — As associações ou fundações de direito privado nas quais o Estado ou outras pessoas coletivas públicas exerçam poderes de controlo de gestão ou designem, direta ou indiretamente, a maioria dos titulares do órgão de administração, de direção ou de fiscalização [alínea g)],

              — Outras entidades responsáveis pela gestão de arquivos com caráter público [alínea h)], e ainda,
              — Os privados que exercem poderes públicos ou desempenham funções materialmente administrativas, como os concessionários e os delegatários de serviços públicos [alínea i)].
       De igual modo, podem os cidadãos, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, aceder aos documentos detidos ou elaborados por quaisquer entidades dotadas de personalidade jurídica que tenham sido criadas para satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial, e em relação às quais se verifique uma das seguintes circunstâncias:
              a) A respetiva atividade seja maioritariamente financiada por alguma das entidades referidas no n.º 1 ou no próprio n.º 2;
              b) A respetiva gestão esteja sujeita a um controlo por parte de alguma das entidades referidas no n.º 1 ou no próprio n.º 2;
              c) Os respetivos órgãos de administração, de direção ou de fiscalização sejam compostos, em mais de metade, por membros designados por alguma das entidades referidas no n.º 1 ou no próprio n.º 2.
       Todavia, sem os poderes de autoridades judiciais, as comissões parlamentares de inquérito ficariam muito aquém no acesso a informação e documentos na posse de sujeitos privados.
       Tal prerrogativa conhece, no entanto, uma contrapartida: a observância das normas processuais que vinculam a autoridade judicial.
       E onde não for possível à comissão parlamentar de inquérito aplicar a lei processual, cessa o seu poder equiparado ao do juiz.
       §68. — Até a um certo ponto, o receio de as comissões parlamentares de inquérito exercerem poderes judiciais sem vinculação à lei processual penal era obtemperado pelos fins de fiscalização política que sempre condicionariam a sua atividade.
       Sem poderem aplicar sanções patrimoniais, muito menos, sanções privativas da liberdade, a descoberta da verdade pelas comissões parlamentares de inquérito não faria temer pela ablação de direitos, liberdades e garantias pessoais, até porque, em princípio, só as autoridades públicas se encontrariam na sua mira de investigação.
       A verdade é que, para uma tal contenção dos meios à natureza dos fins (políticos), os protagonistas (Deputados) não deparam com contrapeso algum na sua própria função, muito menos, dos seus limites, ao arrepio do princípio da divisão de poderes e da necessidade de criar mecanismos de compensação[206].
       Tão-pouco se pode reprovar aos Senhores Deputados, no exercício da função política, que aspirem a dividendos políticos por via do seu desempenho ao longo do inquérito parlamentar.
       Como observam JÓNATAS MACHADO/ SÉRGIO MOTA[207], as funções do inquérito parlamentar inserem-se no espaço político, «caracterizado por elevado nível de publicidade e mediatização e pela sua natureza competitiva, manipulativa e confrontacional, mesmo quando se deixa de lado o problema da permeabilidade do órgão legislativo à política de grupos de interesses, tão importante na teoria e na ciência políticas».
       Em suma, «nas democracias parlamentares, as CPI perfilam-se como instrumentos de confrontação político-partidária entre a maioria e a oposição».
       E, por conseguinte, não é possível reconhecer-lhes «a qualidade de fórum de racionalidade, de imparcialidade e due process, em termos que atinjam os níveis mínimos em que estas exigências metódicas, institucionais e procedimentais que devem estar presentes quando se trate da restrição dos direitos fundamentais dos cidadãos», motivo por que «a atividade das CPI pode, a esta luz ser mais perigosa para os direitos fundamentais do que o processo penal (-)».
       Até porque, prosseguem os Autores[208], o processo penal «caracteriza-se por uma mais precisa e circunscrita delimitação do objeto e dos sujeitos do processo e dos correspondentes poderes de cognição do Juiz, quando comparada com a determinação do objeto do inquérito da CPI.»
       É certo que o inquérito parlamentar não constitui uma investigação criminal em sentido próprio, não podendo a comissão, nem os Deputados aplicar medidas de coação, nem de garantia patrimonial, tão-pouco pronunciar criminalmente alguém ou deduzir acusações.
       Nem por isso, contudo, a obtenção de meios de prova ao seu alcance deixa de poder veicular ingerências restritivas nos direitos, liberdades e garantias pessoais de terceiros, se não for a lei processual a impedi-lo ou o intérprete a fazê-lo.
       É que ao lesado por inquérito parlamentar não assistem os meios de proteção jurisdicional que outras ordens jurídicas, como a alemã[209] ou a espanhola, facultam, nomeadamente através do recurso de amparo.
       Resta-lhe, entre nós, já consumada a lesão, intentar contra o Estado uma ação de responsabilidade civil, embora o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (RRCEEEP[210]) não seja inteiramente claro senão quanto aos danos causados por atos da função política, em sentido estrito, pois só enumera as demais funções do Estado: legislativa, jurisdicional e administrativa (artigo 1.º, n.º 1).
       §69. — Assoma, aqui, uma vez mais, o défice procedimental do inquérito parlamentar, pensado, no seu regime, como uma investigação inócua para os direitos e liberdades dos cidadãos, porque dirigida aos órgãos e serviços públicos administrativos ou ao setor empresarial do Estado e que, nessa perspetiva, constituiria sempre um instrumento de limitação do poder.
       Não é assim e o défice de procedimento representa, muito provavelmente, um caso de inconstitucionalidade por omissão, a verificar pelo Tribunal Constitucional sob iniciativa reservada ao Presidente da República e ao Provedor de Justiça, de acordo com o artigo 283.º, n.º 1, da Constituição.
       Como demonstra JOÃO LOUREIRO[211], a definição de regras procedimentais é, quase sempre, indispensável à garantia de direitos fundamentais, por via da sua concretização e da função que presta ao nível da concordância prática com outros interesses constitucionalmente protegidos.
       Podemos afirmar com o Autor que, sendo o procedimento a forma de uma função[212], é talvez a função política do Estado, ao entrar em relação direta com os particulares — como sucede no inquérito parlamentar — aquela que, de momento, se encontra mais descoberta.
       É de considerar, por outro lado, que, só depois de verificada a inconstitucionalidade por omissão podem os lesados obter a condenação do Estado em indemnização, porquanto o artigo 15.º, n.º 5, do citado RRCEEEP, dispõe que «A constituição em responsabilidade fundada na omissão de providências legislativas necessárias para tornar exequíveis normas constitucionais depende da prévia verificação de inconstitucionalidade por omissão pelo Tribunal Constitucional.»
       §70. — Por isso, a proteção dos direitos, liberdades e garantias contra eventuais intimações ilícitas para a prestação de dados pessoais ou de informações que comprometam a intimidade da vida privada e familiar depende de uma criteriosa calibração dos poderes consignados no artigo 13.º, n.os 3 e 4, do RJIP, por recurso às normas processuais aplicadas pelas autoridades judiciais desde que se revelem ajustadas a um tal desiderato[213].
       O artigo 13.º, n.º 7, remete a legitimidade da recusa para as normas processuais penais, centradas nas matérias sob segredo, e sem expressa menção à reserva da vida privada. O legislador tê-lo-á estabelecido a fim de reduzir ao mínimo as hipóteses de recusa.
       Isto, no pressuposto inexato, como objeta NUNO PIÇARRA[214], «de que (1) esse “mínimo” se encontra estabelecido pela lei processual penal e (2) se adequa plenamente às características do inquérito parlamentar».
       Por outro lado, o artigo 13.º, n.º 5, permite à comissão atender, ou não, com ampla margem de liberdade, a uma «justificação ponderosa dos requeridos» que aconselhe a prorrogar o prazo ou «a cancelar a diligência».
       Nenhuma destas vias se mostra satisfatória, a ponto de NUNO PIÇARRA afirmar o seguinte:

              «A Lei n.º 5/93 é omissa acerca dos direitos de que dispõem aqueles que uma CPI convoque para (…) transmitir informações ou documentos» e «sobre quem recaiam diligências efetuadas no exercício dos seus poderes de investigação, ou que sejam visados de forma lesiva no relatório final».

       Vale a pena ter presente, bem assim, o que, a este propósito, escreveram JÓNATAS MACHADO/ SÉRGIO MOTA[215]:

              «As CPI dispõem da prerrogativa de autoridade para procederem à citação (Zitierungsrecht) de pessoas cujos depoimentos, informações ou testemunhos considerem necessários para o exercício das suas funções(X). Do mesmo modo, as CPI detêm o poder de requisição de documentos e outros meios de prova. Em ambos os casos, os destinatários primários desta prerrogativa são os poderes públicos, e os respetivos titulares, de natureza administrativa e jurisdicional. No entanto, também as pessoas físicas e as empresas privadas poderão ser objeto, embora (…) as precauções de natureza jurídico-constitucional sejam substancialmente maiores, na medida em que se esteja perante domínios particularmente sensíveis, do ponto de vista dos direitos fundamentais. É isso que a doutrina anglo-saxónica tem em vista quando se refere ao “power to send for persons, papers and records”. Embora a oponibilidade desta prerrogativa de autoridade ao poder executivo e administrativo possa conduzir a situações delicadas, a mesma constitui um requisito adequado e necessário para a viabilização da função de controlo das CPI, devendo ser limitada apenas quando depare com matérias devidamente classificadas como segredo de Estado ou quando vá de encontro aos domínios constitutivos do núcleo essencial da função executiva.

              Para além disso, em todos os casos é necessário aplicar um critério de pertinência, ou de vinculação ao fim (Zweckbindung) na medida em que ninguém pode ser obrigado a prestar declarações ou a revelar documentos que transcendam os limites genéricos e específicos que presidem à atividade das CPI(XX). Semelhante critério sobrepõe-se, em boa medida, às exigências de adequação, necessidade e proporcionalidade que integram o princípio da proporcionalidade em sentido amplo. Assim, ninguém pode ser obrigado a revelar mais informação do que a estritamente necessária para a prossecução das finalidades do Parlamento em geral e da CPI em particular. Note-se apenas que a pertinência deve ser avaliada em termos hipotéticos e abstratos, não necessariamente referidos à pertinência atual das informações, testemunhos e documentos efetivamente prestados. A isto acresce que ao indivíduo citado deve ser revelada toda a matéria sujeita a investigação a fim de que o mesmo possa recusar a prestação de informações com base na sua impertinência.»

       E, mais adiante, informam-nos os mesmos Autores[216] de que a lei federal alemã permite a uma comissão parlamentar de inquérito a apreensão de meios de prova a pessoas privadas, nos termos do §94 e seguintes da Lei do Processo Penal, mas tem de requerer ao tribunal competente uma ordem judicial, a fim de garantir a necessária «mediação jurisdicional», no pressuposto de que «medidas de coerção física e de apreensão de bens são credoras de uma idêntica valoração, tanto do ponto de vista da sua natureza jurídica, como na perspetiva do seu impacto sobre os direitos fundamentais dos destinatários.»
       Ora, entre nós, a lei não determina em que situações a coadjuvação pela autoridade judiciária deixa de representar uma faculdade para constituir uma necessidade, posto que o artigo 13.º, n.º 2, da Lei n.º 5/93, de 1 de março, pode sugerir que tal coadjuvação se limita aos domínios constitucionalmente reservados ao juiz.

       Sejamos muito claros. A oponibilidade às comissões parlamentares de inquérito da reserva constitucional do juiz, em especial do juiz penal, não dispensa nem consome a reserva de lei processual[217].
       Consideremos, por exemplo, a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade e que só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente (artigo 34, n.º 2, da CRP).
       Além de reservada ao juiz, a intervenção encontra-se condicionada aos «casos e segundo as formas previstos na lei».
       A própria autoridade judicial só a pode determinar em estreita vinculação a uma lei e que não é a dos inquéritos parlamentares.
       Lei que não é, necessariamente, processual penal, pois também as autoridades de polícia urbanística, apesar do privilégio da execução prévia (ou autotutela executiva) que lhes assiste, têm de requerer ao juiz que ordene vistoras, exames e inspeções no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade[218].
       Contudo, é a lei e só a lei a fixar os casos e os termos em que o juiz pode autorizar ou ordenar às autoridades judiciárias ou administrativas a intromissão coerciva num dos principais redutos da intimidade da vida privada e familiar.
       Já no caso de buscas e revistas, alheias à inviolabilidade do domicílio, não é a reserva de juiz a impedir uma comissão parlamentar de inquérito.
       É o Código de Processo Penal, ao estabelecer como pressuposto necessário da revista a ocorrência de «indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer animais, coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova» (artigo 174.º, n.º 1). Pressuposto que se estende às buscas (n.º 2).
       Assim, observam DUARTE RODRIGUES NUNES/ PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE[219] o seguinte:

              «Tanto a revista como a busca só são admissíveis se existir uma suspeita inicial da prática de um crime (ou seja, o grau de suspeita que é necessário para a instauração de um inquérito) assente em factos objetivos ou objetiváveis e não em meras conjeturas, suposições ou boatos, mas não sendo de exigir a existência de uma suspeita fundada como no caso das escutas telefónicas».
       Apesar de não haver aqui reserva de juiz, é a lei processual penal a impedir a comissão parlamentar de inquérito a ordenar revistas ou buscas sem a coadjuvação da autoridade judiciária, visto que a suspeita de um crime representa um juízo que não se encontra ao alcance da função política do Estado.

       §71. — Quer isto dizer que não basta às comissões parlamentares de inquérito disporem dos poderes de investigação das autoridades judiciais para os poderem exercer sem mais.
       De outro modo, desobrigadas da observância das normas e princípios processuais, exerceriam tais poderes de forma muito mais ablativa do que as autoridades judiciais, a pretexto de não administrarem a justiça, nem reprimirem a violação da legalidade democrática (artigo 202.º, n.º 2, da CRP) e por se limitarem a fins de averiguação política [artigo 162.º, alínea a)].
       Todavia, a lei absteve-se de definir uma lei processual que vincule as comissões parlamentares de inquérito e tão-pouco a lei ou o Regimento estabelecem normas procedimentais respeitantes às relações com terceiros, em especial, particulares.
       A aplicação da lei processual penal podia revelar-se apelativa, auspiciando um reforço de garantias, em vista do artigo 44 (2) da Lei Fundamental Alemã.
       Ali se determina a aplicação, por analogia, das normas de processo penal à obtenção de prova pelas comissões parlamentares de inquérito, sem prejuízo, contudo das garantias próprias da correspondência, das comunicações postais e das telecomunicações.
       Observa, no entanto, ASCENSIÓN ELVIRA PERALES[220], em estudo de referência das comissões parlamentares de inquérito no Bundestag:
              «Os problemas não surgem apenas se os convocados a prestar informações forem autoridades públicas, mas também no caso de os convocados serem particulares; é neste caso que tem maior cabimento o recurso às normas de processo penal, observando sempre a lógica distância, pois, com efeito, no procedimento de uma comissão não se processa ninguém, e a diversidade de funções torna-se bem patente no §4 do artigo da Lei Fundamental. Como, por exemplo, realçou o Tribunal Administrativo Superior de Lüneburg, “a comissão de inquérito não é uma autoridade judicial (-)». O labor da comissão é informativo e por isso requer a cooperação de diferentes pessoas, públicas ou privadas. Por conseguinte, o recurso às normas de processo penal só será viável dentro daqueles aspetos que facilitem essa tarefa de informação — e o subsequente controlo — que compete ao Parlamento, sem poder recorrer aos procedimentos característica ou especificamente penais, e tudo isto, claro está, mantendo sempre o respeito pelos direitos fundamentais, sem mais limitações do que as previstas na lei».
       A ideia de que, entre nós, pudesse valer uma implícita remissão genérica para o processo penal teria efeitos contraproducentes: poderes inquisitórios sem limitações.
       §72. — Sinal inequívoco de que as comissões parlamentares de inquérito não conformam, senão pontualmente, a sua atividade com o processo penal, nem sequer com as garantias constitucionais reconhecidas ao arguido em processo disciplinar ou contraordenacional, é a necessidade de o RJIP efetuar remissões avulsas para o Código de Processo Penal.
       É o que acontece nas seguintes previsões:
              — Recusa de prestação de depoimento, de prestação de informações ou de apresentação de documentos (artigo 13.º, n.º 7);
              — Requisição da presença de pessoas a fim de deporem (artigo 16.º, n.º 6);
              — Justificação da falta de comparência ou da recusa de depoimento (artigo 17.º, n.º 1); e,
              — Forma dos depoimentos prestados (artigo 17.º, n.º 4).
       No mais, a aplicação de disposições de processo penal, designadamente de normas de garantia, mostra-se impraticável, pois tais normas, quase sempre, convocam pressupostos e requisitos que o inquérito parlamentar não está em condições de satisfazer.
       Contudo, ignorar ou contornar tais pressupostos e requisitos, ensaiando uma adaptação casuística ou uma analogia forçada, constituiria uma fraude à lei, contra a qual os visados não disporiam de uma tutela judicial semelhante à do arguido, pois trata-se, aqui, de atos praticados no exercício da função política do Estado.
       Se o direito alemão manda aplicar a lei processual penal ao inquérito parlamentar, o certo é que assegura o recurso para a jurisdição constitucional. Apenas as resoluções das comissões de inquérito estão subtraídas ao controlo dos Tribunais[221].
       Na lei portuguesa, pelo contrário, a única garantia, expressamente prevista, em face aos poderes inquisitórios da comissão parlamentar ou dos Deputados requerentes encontra-se no incidente para quebra de segredo, que a Lei n.º 29/2019, de 23 de abril, introduziu no RJIP:
«Artigo 13.º-A

Incidente para a quebra de segredo

              1 — Compete às secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça julgar por decisão definitiva e irrecorrível, o incidente para a quebra de segredo.
              2 — O incidente para a quebra de segredo tem natureza urgente.»
       Tal incidente deve ser deduzido para a quebra de segredo invocado na recusa de prestação de depoimento, de prestação de informações ou de apresentação de documentos e, nos termos do artigo 11.º, n.º 3, suspende o prazo de duração do inquérito até ao trânsito em julgado da correspondente decisão do Supremo Tribunal de Justiça.
       Com efeito, em processo penal, o artigo 135.º, n.º 1, do respetivo Código, salvaguarda o segredo sacramental, o segredo profissional (de advogado, médico ou jornalista), o segredo bancário e o «das demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo», de modo a recusarem-se legitimamente sobre os factos abrangidos por tais segredos, ao que acrescem o segredo de funcionário (artigo 136.º, n.º 1) e o segredo de Estado (artigo 137.º, n.º 1).
       Não, contudo, a reserva da intimidade da vida privada e familiar, cuja garantia, no âmbito das nulidades probatórias (artigo 126.º, n.º 3), só é eficaz num verdadeiro processo ou procedimento — algo que escapa ao atual regime do inquérito parlamentar.
       Se o segredo protegido pode ser entendido como o direito ou dever de não prestação intencional de informação, a carecer de uma delimitação objetiva, «a privacidade constitui o estado natural das pessoas singulares (-), convocando o que não tem um estatuto de inerente cognoscibilidade», segundo ANA F. NEVES[222].
       A Autora distingue, porém segredo e sigilo, considerando este último como um simples dever de discrição: «uma imposição legal específica de circunspeção relativamente a informação, documentos e factos de que se tenha conhecimento num certo contexto funcional ou institucional».
       Por conseguinte, não exime ao dever de prestar informações, de apresentar documentos ou prestar esclarecimentos no exercício de funções públicas ou na satisfação de pretensões informativas legítimas dos particulares[223].
       Já a confidencialidade pode mostrar-se mais exigente do que o mero sigilo. Nas palavras da Autora, «reporta-se à obrigação de uma pessoa não revelar factos ou informações que lhe foram dados a conhecer ou transmitidos em virtude uma relação de confiança (-)».
       Em todo o caso, também «o dever de sigilo e o dever de segredo são deveres de certas categorias de pessoas, que exercem específicas profissões ou que atuam ou que exercem atividade em certo contexto funcional[224]». São deveres de non facere para os sujeitos onerados e que a ordem jurídica protege tanto quanto a preservação da confiança se mostre legítima e necessária.
       Confidencialidade e sigilo que o RJIP considera nos termos seguintes:
«Artigo 13.º-B

Acesso a documentos confidenciais

              1 — Os documentos que venham classificados como confidenciais ou sigilosos, nos termos legais, são disponibilizados à consulta dos Deputados para cumprimento das suas funções, devendo ser adotadas pela comissão as medidas adequadas a garantir que não possam ser objeto de reprodução ou publicação.
              2 — O disposto no número anterior não prejudica a utilização da informação recolhida no decurso do inquérito, nem a sua utilização na fundamentação do relatório final, por referência expressa à documentação na posse da comissão, com salvaguarda da proteção das informações não suscetíveis de divulgação, se for o caso, nos termos do regime jurídico aplicável.»
       Pelo contrário, a reserva designa o direito a não sofrer intromissões na vida privada e familiar, sobretudo, no núcleo mais interior (a intimidade), constituindo um dever, não para o titular do direito, mas para terceiros: um dever geral de respeito, estruturalmente semelhante ao que emerge da propriedade privada[225].
       A sua proteção contra possíveis ingerências restritivas do inquérito parlamentar é deveras ténue, pois é a comissão que delibera acerca da proteção a conceder ou não.
       Com efeito, a invocação da reserva da intimidade da vida privada e familiar apenas permite à comissão, «em deliberação tomada em reunião pública e devidamente fundamentada» determinar que as reuniões e diligências não sejam públicas [artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e b)] ou reconhecê-la como justificação ponderosa para cancelar a requisição de informações e documentos, mesmo já depois de ter intimado o seu detentor sob cominação (artigo 13.º, n.º 5).
       Algo que deve aplicar-se também às intimações para prestar informações promovidas pelos Deputados requerentes, levando a dar sem efeito diligências demasiado suspicazes.
       Num e noutro caso, se a comissão fosse um órgão administrativo, ali divisaríamos um poder amplamente discricionário, incompatível com a proteção de direitos, liberdades e garantias pessoais. No domínio político, a margem de livre decisão é ainda maior.
       Ora, a vulneração da reserva da intimidade da vida privada e familiar decorre da simples exposição aos Deputados de escritos ou imagens que o cidadão tem direito a manter para si.
       Ao contrário do segredo ou da confidencialidade, não basta garantir que os Deputados guardam para si o que leram, viram ou ouviram. No caso da vida privada, a ingerência consuma-se pela simples leitura, visualização ou audição de informações que o cidadão tem direito a não partilhar com desconhecidos.
       O que os primeiros passos da proteção concedida ao recato da vida privada tiveram em vista, nos finais do século XIX, como faz notar ANTÓNIO BRITO NEVES[226] encontra-se precisamente em poupar os cidadãos ao embaraço ou desconforto que a revelação de factos, imagens ou escritos, ainda que perfeitamente lícitos, mas preservados da curiosidade alheia, imporia a alguém, sem um motivo deveras ponderoso e um elevado critério de moderação.
       §73. — Já tivemos oportunidade de observar, em diversas ocasiões, por que motivo a Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, no seu artigo 3.º, n.º 1, alínea a), exclui da categoria dos documentos administrativos para efeitos de acesso «as notas pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais[227] e outros registos de natureza semelhante, qualquer que seja o seu suporte».
       Eis um condicionalismo de peso que também deve ser relevante em sede de inquérito parlamentar e em termos mais incisivos do que aqueles que são de esperar da lei processual penal em vista dos seus fins próprios, em que a descoberta da verdade é necessária para administrar a justiça e perseguir infratores.
       A disfunção é apontada por NUNO PIÇARRA[228], de forma acutilante:
              «Ilustra-o com particular acuidade o artigo 13.º, n.º 6 (atual n.º 7), que torna extensivos à recusa de apresentação de documentos ou de prestação de depoimento perante uma CPI as causas de justificação previstas pela lei processual penal, fazendo tábua rasa das diferenças essenciais, bem salientadas pela jurisprudência constitucional, entre inquérito parlamentar e processo penal.»
       Por estas e por outras razões, há muito que o Autor vem assinalando a falta de um regime procedimental próprio para as comissões parlamentares de inquérito[229], quanto mais não seja pela incompatibilidade do processo penal com os fins e sujeitos que intervêm no inquérito parlamentar[230], não só pelo défice de garantias que ostenta (direito ao recurso, invocação de nulidades na obtenção de prova, direitos do arguido), como até, por, algo paradoxalmente, atrofiar os poderes parlamentares, naquilo que mais toca o núcleo da fiscalização política.
       A fim de ilustrar o primeiro caso, veja-se a recusa de depoimento como testemunha (artigo 134.º, n.º 1) dos descendentes, ascendentes, irmãos, afins até ao 2.º grau, adotantes, adotados e cônjuge do arguido [alínea a)], de quem tiver sido cônjuge do arguido ou de quem com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação [alínea b)] e ainda por parte do membro do órgão da pessoa coletiva ou da entidade equiparada que não é representante da mesma no processo em que ela seja arguida [alínea c)].
       Sem arguido, nem sequer visado no inquérito parlamentar, a aplicação destas normas é impraticável.
       Encontra-se no segundo caso a invocação do segredo de Estado e, principalmente, do segredo de funcionário, por via da remissão feita no artigo 13.º, n.º 7, do RJIP, pois o artigo 182.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, permite invocar, não somente o segredo profissional, como também o segredo de funcionário ou o segredo de Estado.
       Isto, com tal latitude que pode diminuir a fiscalização política em termos excessivos, relativamente aos seus fins.
       Com efeito, nos termos do artigo 137.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o segredo de Estado revela-se absoluto[231], num domínio em que porventura se imporiam menores limitações às comissões parlamentares de inquérito do que às autoridades judiciais.
       Valem aqui, uma vez mais, as certeiras considerações de NUNO PIÇARRA[232]:
              «Tal como resulta dos trabalhos preparatórios, o objetivo do legislador de 1997, ao remeter integralmente para a lei processual penal no tocante aos fundamentos da recusa de comparência, de prestação de depoimento, de entrega de documentos e também de coadjuvação, foi o de reduzir ao mínimo as hipóteses de tais recusas no decurso do inquérito parlamentar. Isto, no duplo pressuposto — inexato — de que (1) esse “mínimo” se encontra estabelecido pela lei processual penal e (2) se adequa plenamente às características do inquérito parlamentar. Na realidade, a função de controlo político, ao serviço da qual o instituto em apreço se encontra, torna manifestamente inadequado e constitucionalmente problemático, desde logo face ao artigo 162.º, alínea a), da CRP, que, pelo menos o segredo de funcionários e o segredo de Estado sejam oponíveis a uma CPI nos mesmos termos em que o são a um tribunal criminal. Sem o acesso a informações cobertas por tais segredos, o controlo político torna-se em muitos casos impossível (-)».
       E, acrescentaríamos nós, expõe os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos intimados a um nível de proteção muito inferior, na falta da imparcialidade e das garantias de contenção que o direito processual penal só consegue oferecer no seu contexto judiciário de aplicação, pelo que, mesmo a remissão para a lei processual criminal deve ser praticada na estrita medida da compatibilidade com a natureza política do inquérito parlamentar e dos seus fins.
       Qualquer remissão para a lei processual penal deve ser operada «de um modo adequadamente razoável[233]» e, não obstante algumas normas processuais penais poderem «legitimamente ser aplicadas pelas CPI de forma total, deve aceitar-se com naturalidade que outras disposições só sejam aplicadas de forma limitada e que outras ainda sejam de aplicação absolutamente vedada às CPI(X)
       Algo que também NUNO PIÇARRA não deixa passar em claro ao referir-se à «total ausência na Lei n.º 5/93, de preceitos sobre direitos procedimentais das pessoas convocadas perante uma CPI, ou de algum modo visadas por ela, à revelia, de resto, da diretiva constitucional explicitada pelo Parecer n.º 14/77, de maio, da Comissão Constitucional(X) que insta o legislador a ser “claro e preciso nas matérias que se prendem com direitos, liberdades e garantias” de tais pessoas, ao estabelecer o correspondente regime jurídico».
       E prossegue o Autor:
              «Sendo certo que “a natureza do inquérito parlamentar revela-se incompatível com a prática do contraditório”, não é menos certo que “a unilateralidade desse procedimento investigatório não confere às CPI o poder de agir arbitrariamente em relação às testemunhas, negando-lhes, abusivamente, determinados direitos e certas garantias — como a prerrogativa contra a autoincriminação(XX)
       Por fim, apontando implicitamente para a falta do arguido e do seu estatuto no inquérito parlamentar[234], sugere, desde 2004[235], a distinção «entre meras testemunhas e inquiridos, ou seja, as pessoas sobre quem recai o inquérito parlamentar propriamente dito (-)».
       Nem a comissão parlamentar de inquérito, nem os Deputados que exercem meios potestativos podem considerar-se neutros ou imparciais, pelo simples facto de exercerem poderes de autoridades judiciais. O que, aliás, não poderia ser de outro modo, uma vez que é próprio da função política o concurso de diferentes visões parciais dos factos e do interesse público.
       Pelo contrário, a autoridade judicial encontra-se descomprometida com a função política do Estado e acha-se vinculada não só à lei, em geral, como à lei processual, em especial (artigo 205.º, n.º 1) e à Constituição, de tal sorte que, «nos feitos submetidos a julgamento» tem o dever de desaplicar «as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados» (artigo 204.º).
       Como tal, sempre que as limitações da lei processual penal escapem ao inquérito parlamentar, os poderes inscritos no n.º 3 e no n.º 4 do artigo 13.º do RJIP têm de ser exercidos de modo a permitir a aplicação dos preceitos constitucionais atinentes a direitos, liberdades e garantias e que o n.º 1 do artigo 18.º da Constituição determina vincularem diretamente todos os poderes públicos.
       A aplicação direta, contudo, não oferece soluções unívocas nem lineares, pois mantém a necessidade de composição e de concordância prática com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), nomeadamente o interesse constitucional subjacente à fiscalização parlamentar dos atos do Governo e da Administração Pública [artigo 162.º, alínea a)].
       Em todo o caso, não se mostra legítimo a uma comissão parlamentar de inquérito ou ao conjunto dos Deputados requerentes intimarem alguém, ainda que exerça funções públicas, a apresentar as suas notas pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante, qualquer que seja o seu suporte, i.e., o universo de objetos pessoais que, por razões de autodeterminação informativa, a Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), subtraiu ao conceito de documento administrativo.
       Importa insistir em que as comissões parlamentares de inquérito dispõem de poderes das autoridades judiciais e não dos poderes das autoridades judiciárias, o que deixa de fora os poderes de investigação do Ministério Público.
       Contudo, assiste-lhes sempre a «coadjuvação das autoridades judiciárias, dos órgãos da polícia criminal e das autoridades administrativas, nos mesmos termos que [aos] tribunais» (artigo 13.º, n.º 2, do RJIP).
       §74. — Dir-se-ia que por motivo de a autoridade judicial dispor de um poder genérico de investigação — pois, nos termos do artigo 340.º, n.º 1, do CPP, «o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa» — as comissões parlamentares de inquérito poderiam investigar com igual latitude.
       Contudo, a transposição, destes poderes, sem mais, para as comissões parlamentares de inquérito incorreria num excesso, em contramão com o artigo 178.º, n.º 5, da Constituição, o qual recusa atribuir-lhes, em pleno, os poderes de investigação judicial.
       Além disso, tal competência só é conferida ao tribunal na fase do julgamento: uma fase que não tem lugar, nem pode ter lugar no inquérito parlamentar, sob pena de invadir o núcleo essencial da função jurisdicional, toda ela constitucionalmente ressalvada pelo artigo 202.º, n.º 2, da Constituição.
       Como tal, para o efeito, poderes de investigação das autoridades judiciais são, no essencial, os poderes do juiz de instrução, uma vez que no inquérito, é ao Ministério Público que compete definir a estratégia investigatória (PAULO DÁ MESQUITA[236]).
       Não devem ser confundidos com os demais poderes do juiz de instrução (artigo 17.º do CPP[237]), nem tão-pouco com os poderes de controlo sobre a investigação, como é o caso das autorizações para empregar certos meios de obtenção de prova, ao longo do inquérito. Poderes que nem por isso perdem a sua natureza jurisdicional[238], visando «um reforço da tutela dos direitos fundamentais afetados por medidas de investigação[239]».
       A direção da instrução compete ao juiz (artigo 288.º, n.º 1, do CPP), o qual pratica todos os atos necessários à comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 290.º, n.º 1), conquanto os atos e diligências de prova praticados no inquérito só sejam repetidos no caso de não terem sido observadas as formalidades legais ou, tendo sido requeridos, quando a sua repetição se revelar indispensável à realização das finalidades da instrução (artigo 291.º, n.º 3).
       Aberta a instrução, o juiz pode interrogar testemunhas (artigo 128.º e seguintes), até com o objetivo de tomar declarações para memória futura (artigo 294.º), promover acareações (artigo 146.º), determinar o reconhecimento de pessoas e objetos (artigo 147.º e seguintes), a reconstituição de factos (artigo 150.º), ou ordenar perícias (artigo 151.º e seguintes) e pode examinar ou mandar examinar pessoas, lugares, animais e coisas (artigo 171.º e seguintes), ordenar revistas e buscas (artigo 174.º e seguintes), apreensões (artigo 178.º e seguintes), se necessário, de correspondência (artigo 179.º), mais lhe competindo emitir mandado de comparência, a fim de «assegurar a presença de qualquer pessoa em ato de instrução» (artigo 293.º, n.º 1), o que pode justificar a detenção, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 27.º, n.º 3, alínea j), da Constituição: «Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente».
       Competindo às comissões parlamentares de inquérito a fiscalização política de atos do Governo e da Administração Pública (artigo 162.º, alínea a)), o exercício de tais poderes de investigação criminal representaria um arsenal inquisitório muito superior ao da autoridade judicial, porque esta, além de imparcial, se encontra inteiramente vinculada a uma lei processual e sujeita ao escrutínio do tribunal do julgamento e das instâncias de recurso.
       Por isso, alguns daqueles poderes não podem ser exercidos pelas comissões parlamentares de inquérito, ora por se encontrarem constitucionalmente reservados ao juiz ou à aplicação da lei processual criminal, ora por conterem entre os seus pressupostos e requisitos elementos e valorações de natureza estritamente penal.
       §75. — Se a apreensão de animais, coisas e objetos compreende aqueles que se mostrem «suscetíveis de servir a prova» (artigo 178.º, n.º 1, do CPP), já a apreensão «de cartas, encomendas, valores, telegramas ou qualquer outra correspondência» tem sempre como pressuposto estar em causa crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos (artigo 179.º, n.º 1). De resto, a apreensão de correspondência, nos termos do artigo 34.º, n.º 4, da Constituição, recairia sempre na reserva de processo criminal
       Dir-se-ia que a requisição, por escrito, ao Governo, às autoridades judiciárias, aos órgãos e serviços da Administração, às demais entidades públicas, incluindo as entidades reguladoras independentes, ou a entidades privadas das informações e documentos que as comissões julguem úteis à realização do inquérito (artigo 13.º, n.º 3, do RJIP) nem sequer configuraria um poder de investigação de autoridade judicial.
       Todavia, a requisição sob cominação de pena pelo crime de desobediência qualificada[240] (artigo 19.º, n.º 1), para os efeitos previstos no artigo 348.º, n.º 2, do Código Penal, confere a este poder natureza análoga à dos poderes de autoridade judicial ou administrativa.
       É este, aliás, o sentido primordial da atribuição de poderes de autoridade judicial às comissões parlamentares de inquérito, como observa NUNO PIÇARRA[241]:
              «Com efeito, ao atribuir às CPI “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, o artigo 178.º, n.º 5, não pretendeu assimilá-las aos tribunais. Pretendeu, sim, conferir ao instituto a máxima eficácia e eficiência possíveis. Tais poderes destinam-se a garantir que um inquérito parlamentar não seja inviabilizado pela falta de colaboração de terceiros, tratando-se de comparecer, prestar depoimento ou transmitir informações e documentos a uma CPI, sem prejuízo das sanções penais que, por isso mesmo, venham a ser jurisdicionalmente aplicadas a posteriori aos faltosos, nos termos da lei.»
       Ou, como fazem notar JÓNATAS MACHADO/ SÉRGIO MOTA[242], trata‑se da equiparação «com sólidas raízes no direito comum anglo-saxónico» do contempt to Parliament (desrespeito pelo Parlamento) ao contempt to Court (desrespeito pelo Tribunal).
       §76. — Por conseguinte, a intimação ou injunção, consagrada no artigo 13.º, n.º 3 e n.º 4, do RJIP, tem de constituir uma ordem legítima — elemento essencial do tipo criminal — o que significa, entre outras vinculações, respeitar as garantias a que o juiz se encontra vinculado, nos termos da lei processual.
       A obtenção, por esta via, de informações e documentos em suportes de correio eletrónico ou afins, a ser praticada em processo penal[243], deve observar os termos da injunção para apresentação ou concessão do acesso a dados, prevista na Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro[244]:
«Artigo 14.º

              Injunção para apresentação ou concessão do acesso a dados

              1 — Se no decurso do processo se tornar necessário à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, obter dados informáticos específicos e determinados, armazenados num determinado sistema informático, a autoridade judiciária competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que os comunique ao processo ou que permita o acesso aos mesmos, sob pena de punição por desobediência.
              2 — A ordem referida no número anterior identifica os dados em causa.
              3 — Em cumprimento da ordem descrita nos n.os 1 e 2, quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados comunica esses dados à autoridade judiciária competente ou permite, sob pena de punição por desobediência, o acesso ao sistema informático onde os mesmos estão armazenados.
              4 — O disposto no presente artigo é aplicável a fornecedores de serviço, a quem pode ser ordenado que comuniquem ao processo dados relativos aos seus clientes ou assinantes, neles se incluindo qualquer informação diferente dos dados relativos ao tráfego ou ao conteúdo, contida sob a forma de dados informáticos ou sob qualquer outra forma, detida pelo fornecedor de serviços, e que permita determinar:
              a) O tipo de serviço de comunicação utilizado, as medidas técnicas tomadas a esse respeito e o período de serviço;
              b) A identidade, a morada postal ou geográfica e o número de telefone do assinante, e qualquer outro número de acesso, os dados respeitantes à faturação e ao pagamento, disponíveis com base num contrato ou acordo de serviços; ou
              c) Qualquer outra informação sobre a localização do equipamento de comunicação, disponível com base num contrato ou acordo de serviços.
              5 — A injunção prevista no presente artigo não pode ser dirigida a suspeito ou arguido nesse processo.
              6 — Não pode igualmente fazer-se uso da injunção prevista neste artigo quanto a sistemas informáticos utilizados para o exercício da advocacia, das atividades médica e bancária e da profissão de jornalista.
              7 — O regime de segredo profissional ou de funcionário e de segredo de Estado previsto no artigo 182.º do Código de Processo Penal é aplicável com as necessárias adaptações.»
       Ao contrário do que sucede com a apreensão, este meio requer a colaboração de quem tem disponibilidade sobre o sistema, oque o torna menos invasivo. Por outro lado, «estão em causa dados armazenados que já foram recolhidos e arquivados pelos seus detentores» (DUARTE RODRIGUES NUNES[245]).
       O n.º 1 e o n.º 4 do artigo 14.º sugerem diferentes destinatários: ora quem tenha disponibilidade ou controlo dos dados, a fim de os remeter ao processo ou permitir o seu acesso (n.º 1), ora os fornecedores de serviço, a quem pode ser ordenado que comuniquem ao processo dados relativos aos seus clientes ou assinantes, neles se incluindo qualquer informação diferente dos dados relativos ao tráfego ou ao conteúdo (n.º 4).
       Destarte, só os primeiros podem ser intimados a prestar dados de tráfego ou de conteúdo[246] e apenas se estiverem armazenados num determinado sistema informático, o que parece compreender o «correio eletrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática» a que se refere o artigo 189.º, n.º 1, do CPP[247].
       No entanto, em face das disposições transcritas, uma comissão parlamentar de inquérito logo depara com impedimentos intransponíveis à sua aplicação.
       Assim, o n.º 1 refere-se ao «decurso do processo»: um processo criminal decerto. Depois, o n.º 5 interdita o uso deste meio de obtenção de prova com relação a suspeito ou arguido no processo[248], por razões que decorrem da garantia nemo tenetur se ipsum accusare[249].
       Sem que o inquérito parlamentar identifique os suspeitos, nem os visados (que poderiam ser tratados como arguidos), tal garantia revela-se inaplicável, fazendo soçobrar o emprego da intimação pelas comissões parlamentares de inquérito ou pelos Deputados requerentes.
       Mais ainda. É necessário, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, tratar-se de processo relativo a um crime: (a) previsto na mesma lei; (b) cometido por meio de um sistema informático; ou (c) em relação ao qual importe proceder à recolha de prova em suporte eletrónico.
       Apesar de a alínea c) abrir a aplicação a qualquer crime, exigindo, porém que se mostre necessária a recolha de prova em suporte eletrónico[250], é imprescindível a notícia de um crime — facto em relação ao qual o inquérito parlamentar tem de se mostrar neutro.
       Algo que o inquérito parlamentar, ainda que o insinue, não torna juridicamente relevante.
       Estamos, pois, diante de uma reserva de processo penal[251] — ou, pelo menos, de procedimento sancionatório — que se mostra inultrapassável por parte do inquérito parlamentar.
       E bem se compreende que seja assim, pois o artigo 14.º, n.º 1, permite ordenar a comunicação dos dados, ainda que sejam de conteúdo ou de tráfego, a quem deles tiver disponibilidade ou controlo, independentemente de ser titular desses dados e de serem de natureza pessoal.
       Precisamente aquilo que no caso da consulta se pretende ver ordenado à Presidência da República com relação a dados que não configuram documentos administrativos.
       §77. — Uma vez que o conceito de correspondência eletrónica, por via da uniformização jurisprudencial levada a cabo pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2023, de 11 de outubro[252], deixou de se encontrar limitado pelo valor informativo ao destinatário (correspondência in itinere, alinhada com o artigo 194.º do Código Penal) é duvidoso que mensagens dessa categoria possam considerar-se simples documentos[253].
       No entanto, o Código de Processo Penal, ainda que se ocupe nos artigos 164.º e seguintes da prova documental, independentemente do suporte físico ou digital, não cuida da obtenção de documentos por injunção ou intimação, o que leva DUARTE NUNES RODRIGUES[254] a propor a aplicação analógica de preceitos adjetivos da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro:

              «A competência para ordenar a junção de documentos é da autoridade judiciária, devendo determinar-se a junção de documentos que se mostre necessária para a boa decisão da causa ou para a prova, bastando a existência de uma suspeita inicial(X) (que é o grau de suspeita necessário para a instauração de um inquérito e para a constituição como arguido). Todavia, no caso de documentos protegidos pelo segredo religioso, pelo segredo de Estado, pelo segredo profissional ou pelo segredo de funcionário, vale aqui mutatis mutandis o que referiremos em matéria de buscas, revistas e apreensões (…). Por seu turno, os documentos cujo conteúdo contenha elementos de cariz íntimos ou respeite a dados pessoais na aceção do artigo 35.º, n.º 3, da CRP (o que configura uma restrição intensa de direitos fundamentais), por imposição do princípio da proporcionalidade, haverá que operar uma interpretação conforme à Constituição, no sentido de essa junção só ser admissível quando existirem razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter e desde que exista uma suspeita fundada(XX)  da prática de um crime, devendo tais documentos ser apresentados ao Juiz, que ponderará a sua junção tendo em conta os interesses em causa no caso concreto, aplicando-se analogicamente o artigo 16.º, n.º 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro(XXX)».

       Esta proposta hermenêutica não se mostra compatível com a natureza da injunção prevista no artigo 13.º, n.º 3 e n.º 4, do RJIP.
       Entendemos que, a fim de poder ser legitimamente praticada por uma comissão de inquérito parlamentar, em termos o mais próximo possível do exercício de poderes judiciais de investigação e com respeito pela reserva da vida privada ou familiar e pelo sigilo da correspondência e das telecomunicações, o aplicador deve valer-se da previsão do Código de Processo Civil[255].
       O dever geral de cooperação para a descoberta da verdade, consignado pelo Código de Processo Civil, faculta ao destinatário a possibilidade de recusar legitimamente o cumprimento se este implicar intromissão na sua vida privada ou familiar, na correspondência ou nas telecomunicações, mas também lhe faculta a possibilidade de cooperar, consentindo de forma livre e esclarecida.
       Por outro lado, tal solução preserva inteiramente as garantias inscritas no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição.
       Apesar de se tratar de aplicação de norma processual civil, e não da lei processual criminal, a verdade é que não ocorre uma ingerência da comissão parlamentar de inquérito «na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação», como veremos, de imediato.
 
 
 
XIV.
Da recusa legítima para proteção da vida privada.
       §78. — Acresce considerar, para o efeito de conformação de um poder de autoridade judicial, que também o juiz cível se encontra na extensão deste conceito.
       A garantir-se às comissões de inquérito o exercício de poderes de investigação próprios da autoridade judicial não está a asseverar-se que os poderes sejam os do juiz de instrução no processo penal e tão-pouco o RJIP estabelece uma remissão genérica para a lei processual penal.
       O dever de cooperação para a descoberta da verdade encontra-se previsto pelo Código de Processo Civil, nos termos seguintes:
«Artigo 417.º
Dever de cooperação para a descoberta da verdade
              1 — Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
              2 — Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
              3 — A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
              a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
              b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
              c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
              4 — Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.»
       Não obstante o dever de cooperação também possuir expressa previsão no artigo 521.º do Código de Processo Penal[256], o Código de Processo Civil concede-lhe uma formulação positiva e mais desenvolvida, como fez notar a Relação de Coimbra, em acórdão de 8 de fevereiro de 2023[257].
       Ao contrário do Código de Processo Penal[258], focado na proteção de várias categorias de segredo, o Código de Processo Civil ressalva, de imediato, a vida privada ou familiar, cuja lesão possa resultar do acesso ao conteúdo de documentos, administrativos ou não, revelando-se muito mais próximo das ingerências restritivas compatíveis com o inquérito parlamentar e a descoberta da verdade para fins de responsabilidade política, em face dos direitos, liberdades e garantias pessoais.
       A aplicação direta dos preceitos constitucionais atinentes aos direitos, liberdades e garantias pessoais, reclamada pelo artigo 18.º, n.º 1, da Constituição, dificilmente encontraria uma solução mais consentânea.
       Pode até dizer-se que o direito a recusar legitimamente a injunção, invocando a «intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações» representa aquilo que seria de esperar da aplicação direta do disposto no artigo 26.º, n.os 1 e 2, do artigo 34.º, n.º 4, e do artigo 35.º, n.º 4, da Constituição.
       E nem se oponha que, a coberto de uma destemperada invocação da reserva de intimidade da vida privada e familiar, fiquem as comissões parlamentares de inquérito circunscritas ao acesso a documentos administrativos não nominativos, pois o Código de Processo Civil confere ao juiz o poder de distinguir entre reserva e simples confidencialidade:
 
«Artigo 418.º

Dispensa de confidencialidade pelo juiz da causa

              1 — A simples confidencialidade de dados que se encontrem na disponibilidade de serviços administrativos, em suporte manual ou informático, e que se refiram à identificação, à residência, à profissão e entidade empregadora ou que permitam o apuramento da situação patrimonial de alguma das partes em causa pendente, não obsta a que o juiz da causa, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, possa, em despacho fundamentado, determinar a prestação de informações ao tribunal, quando as considere essenciais ao regular andamento do processo ou à justa composição do litígio.
              2 — As informações obtidas nos termos do número anterior são estritamente utilizadas na medida indispensável à realização dos fins que determinaram a sua requisição, não podendo ser injustificadamente divulgadas nem constituir objeto de ficheiro de informações nominativas.»

       Como tal, a intimação, em inquérito parlamentar, para prestar informações ou o acesso a documentos nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde ou outros dados sensíveis, notas pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante, qualquer que seja o seu suporte, deve fazer expressa menção à legitimidade da recusa, fundada no artigo 417.º, n.º 3, alínea b), do CPC[259], sem o que tal intimação não pode considerar-se uma ordem legítima, para efeitos do disposto no artigo 348.º do Código Penal.
       Prevendo-se no artigo 19.º, n.º 1, do RJIP, que o não cumprimento da ordem legítima indicie ter o agente incorrido em crime por desobediência qualificada, a responsabilidade criminal não ignora, deste modo, o direito à autodeterminação informativa do depoente.
       Se a comissão parlamentar de inquérito ou os Deputados requerentes do inquérito insistirem na necessidade de obter tais elementos, terão de socorrer-se da autoridade judiciária, a fim de ser dirimido o conflito entre o exercício dos seus poderes e a reserva da vida privada de quem a invoca.

       Através do artigo 417.º do CPC obtém-se um efeito equivalente, mas mais solidamente estribado, do que aquele que pudesse decorrer da aplicação direta do artigo 26.º, n.º 1, ou do artigo 35.º, n.º 4, da Constituição, e da sua concordância prática com o disposto no artigo 178.º, n.º 4, sem despertar as questões controvertidas que emergem, no processo penal[260], da jurisprudência uniformizada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2023, de 11 de outubro[261], ou do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021, de 30 de agosto[262].
       Abstraindo da indistinção entre correio eletrónico aberto e não aberto (como fronteira do campo comunicacional), no domínio da apreensão prevista no artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, encontrarem-se os conteúdos arquivados ou armazenados fora das caixas de receção e envio pode constituir um critério razoável para distinguir correspondência digital e documentos comuns, para efeitos de injunção[263].
       Tal não significa que a intimidade da vida privada e familiar ou os dados pessoais dependam inexoravelmente da proteção concedida à correspondência in itinere e que as mensagens, uma vez reduzidas à condição de documentos, deixem de conhecer proteção contra intromissões ou o tratamento abusivo.
       Neste quadro normativo, a intimação parlamentar que não se limite a aceder a informação e documentos administrativos, ainda que formulada com observância do preceituado no artigo 13.º, n.º 5, deve assinalar, com fundamento no artigo 417.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Civil, o caráter legítimo da recusa, se tais documentos contiverem dados pessoais ou expuserem a vida privada e familiar, sem que o titular dos correspondentes direitos o consinta.
 
 
XV.
Conclusões.
       As precedentes considerações e os elementos carreados ao longo da exposição permitem ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República apresentar as conclusões seguidamente enunciadas:

              1.ª — Os Deputados requerentes do Inquérito Parlamentar n.º 4/XVI/1.ª, ao solicitarem do Presidente da Assembleia da República os seus bons ofícios, a fim de, sob cominação penal, serem requisitados informações e documentos ao Presidente da República e aos serviços que lhe prestam apoio, confiam-lhe o escrutínio da legitimidade da ordem.
              2.ª — O Presidente da Assembleia da República não se encontra obrigado a conceder a sua assinatura à requisição coerciva de informações e documentos, fundada no n.º 4 do artigo 13.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março (Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares), se entender que a requisição exorbita do objeto do inquérito, tal como foi previamente delimitado e admitido, ou infringe, de modo inequívoco, norma constitucional, legal ou regimental.
              3.ª — Em cumprimento do n.º 6 do artigo 13.º, do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, a solicitação de informações ou documentos deve transcrever a cominação, manifestando, assim, a prerrogativa atribuída às comissões parlamentares de inquérito pelo n.º 5 do artigo 178.º da Constituição: a de serem assistidas por poderes próprios das autoridades judiciais.
              4.ª — A solicitação constitui, em rigor, uma requisição coerciva, uma intimação ou injunção, que o Presidente da Assembleia da República, ao assinar, convolaria num ato do Parlamento, e em cujo teor se cominaria o eventual incumprimento pelo Presidente da República (sob a equívoca designação Presidência da República) com o crime de desobediência qualificada, previsto e punido nos termos do n.º 2 do artigo 348.º do Código Penal.  
              5.ª — O n.º 4 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, ao dispor que as diligências instrutórias promovidas pelos Deputados requerentes do inquérito são de realização obrigatória, mais não faz do que subtrair a verificação da sua utilidade à aprovação colegial da comissão parlamentar de inquérito, mas sem com isso impor ao Presidente da Assembleia da República um dever de obediência.        
              6.ª — Vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis, nos termos da alínea a) do artigo 162.º da Constituição, não apenas é uma incumbência da Assembleia da República, mas também do seu Presidente, designadamente por meio da fiscalização política da constitucionalidade das iniciativas legislativas (artigo 125.º do Regimento da Assembleia da República) e dos próprios inquéritos parlamentares (n.º 3 do artigo 4.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares), conferindo-lhe, ainda, um “droit de regard” sobre o expediente que assina, ao representar externamente a Assembleia da República, em conformidade com a alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Regimento.
              7.ª Na apreciação da legalidade de uma requisição de informações e documentos à ordem de inquérito parlamentar, o Presidente da Assembleia da República deve conhecer da suficiência da fundamentação e examinar, em especial, se são respeitados os direitos, liberdades e garantias e o equilíbrio de poderes constitucionais entre os diversos órgãos de soberania, na certeza de que só o Governo responde politicamente perante a Assembleia da República (artigo 190.º da Constituição), tanto pelos seus atos como pelos atos da Administração Pública da qual constitui o órgão superior (artigo 182.º).
              8.ª Ao fazê-lo, o Presidente da Assembleia da República deve assegurar-se da legitimidade da ordem, pois a cominação com a pena prevista para o crime de desobediência qualificada, enunciada pelos n.ºs 5 e 6 do artigo 13.º, por referência ao n.º 1 do artigo 19.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, não é eficaz se a ordem for ilegítima, como decorre do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal.
              9.ª De resto, a função dos presidentes dos órgãos colegiais assegurarem o cumprimento da lei nas deliberações tomadas é expressão de um princípio geral de direito público, comum ao direito parlamentar, não obstante só conhecer formulação expressa no n.º 2 e no n.º 4 do artigo 21.º do Código do Procedimento Administrativo.
              10.ª — O n.º 4 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares constitui norma especial, e não excecional, diante do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, pelo que não afasta o dever de os Deputados requerentes do inquérito fundamentarem as requisições potestativas de informações.
              11.ª Fundamentação que não se satisfaz com fórmulas vagas, nem com um simples juízo de utilidade da informação para o inquérito parlamentar, especialmente se a intimação se mostrar suscetível de comprometer dados pessoais, a reserva da intimidade da vida privada e familiar ou a inviolabilidade da correspondência e das comunicações.    
              12.ª — Ao exercerem os poderes conferidos pelos n.os 3 e 4 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, a comissão parlamentar de inquérito ou os Deputados requerentes do inquérito, consoante o caso, devem justificar os pedidos de informação e de acesso a documentos não inteiramente públicos segundo critérios de adequação, estrita necessidade e proporcionalidade, não bastando invocar, muito menos, dar por presumida, a simples utilidade para o inquérito parlamentar.
              13.ª — O correio eletrónico, as mensagens trocadas por telemóvel ou através de equipamentos afins e o registo de chamadas telefónicas encontram-se excluídos do acesso a documentos administrativos [alínea b), do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto], por se encontrarem sob uma proteção qualificada dos dados (artigo 35.º, n.º 4, da Constituição) e da reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1).
              14.ª — Ademais, encontram-se sob a esfera de proteção do n.º 4 do artigo 34.º da Constituição, em que se proíbe «toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal».
              15.ª — A compressão de tais bens constitucionalmente protegidos, — esteja, ou não, em causa a reserva da intimidade da vida privada — só pode ocorrer, no nosso ordenamento jurídico, cumpridas três condições, a saber: (i) reserva de lei (i.e., haver previsão legal expressa dos termos da obtenção de informação naquele domínio), (ii) reserva de juiz (ou, em certos casos, de autoridade judiciária) e (iii) reserva de processo (no âmbito de um concreto processo criminal).
              16.ª — O n.º 4 do artigo 34.º da Constituição, ao ressalvar os «casos previstos na lei em matéria de processo criminal», circunscreve uma tal intervenção restritiva a um concreto processo criminal, o que não vale para o inquérito parlamentar, mesmo quando, em paralelo, corra um procedimento criminal que verse sobre os mesmos factos.
              17.ª — A qualificação de determinados factos como matéria de processo criminal e o que tal implica ao nível da descoberta da verdade para efeitos de administração da justiça levou a norma constitucional a admitir restrições que não reconheceu à função informativa do inquérito parlamentar.
              18.º — Os inquéritos parlamentares não se destinam simplesmente a vigiar pelo cumprimento da Constituição e da lei, pois têm de incidir na apreciação de atos do Governo ou da Administração Pública, em conformidade com a alínea a) do artigo 162.º da Constituição, o que exclui do seu âmbito os órgãos que não respondam politicamente perante a Assembleia da República.
              19.ª — O Presidente da República não responde politicamente perante nenhum outro órgão de soberania, com a única exceção da perda do mandato por se ausentar do território nacional sem assentimento parlamentar, nos termos dos n.os1 e 3 do artigo 129.º da Constituição.
              20.ª Pelo contrário, é a Assembleia da República a responder politicamente prante o Presidente da República, como resulta do poder de veto político (n.º 1 do artigo 136.º da Constituição), da recusa à ratificação de tratados internacionais já aprovados [alínea b) do artigo 135.º] e, principalmente, do poder de dissolução parlamentar [alínea e) do artigo 133.º da Constituição].
              21.ª — A responsabilidade coletiva da Assembleia perante o Presidente da República em nada representa uma responsabilidade política de cada um dos Deputados, porquanto a sanção política de perda do mandato resume-se a duas hipóteses de responsabilidade intraparlamentar: inscreverem-se em partido político diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio [alínea c) do n.º 1 do artigo 160.º da Constituição) ou participarem em organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista [alínea d)].
              22.ª A legitimidade democrática daqueles dois órgãos de soberania assenta, por igual, no sufrágio periódico, direto e universal (n.º 1 do artigo 113.º da Constituição), motivo por que a perda do mandato de Presidente da República por crime praticado no exercício de funções é efeito da condenação do titular, não pela Assembleia da República, mas pelo Supremo Tribunal de Justiça (n.º 1 do artigo 130.º da Constituição).
              23.ª Ainda que a investigação de crime praticado pelo Presidente da República no desempenho do mandato seja da iniciativa de um quinto dos Deputados em efetividade de funções, a comissão especial, a constituir nos termos do artigo 252.º do Regimento, não é, nem pode ser, uma comissão parlamentar de inquérito.
              24.ª — Tal comissão especial tem de proporcionar ao Presidente da República, constituído arguido, todas as garantias constitucionais de aplicação da lei penal e da lei processual penal, ao contrário do que se verifica nas comissões parlamentares de inquérito, relativamente aos titulares de cargos políticos que tenham de prestar contas à Assembleia da República.
              25.ª — Por outro lado, em caso algum se encontra o Presidente da República obrigado a prestar informações ou a facultar documentos a um inquérito parlamentar, ainda que o possa fazer, por sua iniciativa, à semelhança do que prevê, quanto à prestação de depoimento, o n.º 2 do artigo 16.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares.
              26.ª — Com efeito, nem o Presidente da República, nem os serviços que lhe prestam apoio direto e pessoal, designadamente as Casas Civil e Militar ou o Gabinete, estão sujeitos a fiscalização parlamentar, tal como é definido o seu alcance na alínea a) do artigo 162.º da Constituição, pois não se encontram sob a direção, superintendência nem tutela administrativa do Governo [alínea d) do artigo 199.º].
              27.ª — Muito menos, poderiam o Presidente da República ou os serviços que lhe prestam apoio facultar documentos pessoais de terceiros ou outra informação privada sem a autorização dos legítimos titulares dos correspondentes direitos, exerçam, ou não, funções ao serviço do Presidente da República.
              28.ª — A relação do Presidente da República com o inquérito parlamentar não representa uma singularidade, pois também os Tribunais se encontram fora do seu âmbito e, por razões de separação vertical de poderes, os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas e até os órgãos do poder local.  
              29.ª — A insistirem os Senhores Deputados na necessidade de tais informações, devem pedi-las individualmente a quem possa com legitimidade consentir na sua prestação, o que exclui, em qualquer o caso, o Presidente da República.
              30.ª — A obtenção de informações e documentos por parte das comissões parlamentares de inquérito, apesar de discriminada no n.º 3 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, constitui um poder de autoridade judicial, nos termos do n.º 1, uma vez que o seu incumprimento faz incorrer em responsabilidade penal, motivo por que não pode subtrair-se ao cumprimento das normas processuais aplicáveis ao juiz.
              31.ª — E, por ser assim, a obtenção de informações e documentos ali prevista não pode deixar de se conformar com as contingências que decorrem da lei processual aplicável à autoridade judicial, em especial do direito processual penal, ao ser aplicado no desempenho da função política do Estado.
              32.ª — Ora, a lei processual não pode ser aplicada por uma comissão parlamentar de inquérito ao deparar com pressupostos e requisitos cujo preenchimento se mostra incompatível com a função política do Estado, em geral, e com o funcionamento das comissões parlamentares de inquérito, em especial, como sucede no processo penal, relativamente a normas que importem considerar o estatuto do arguido ou a condição de suspeito, que protegem terceiros por relação com o arguido, ou cuja aplicação se encontra condicionada à investigação de certos crimes ou de certo tipo de crimes, a partir de uma notitia criminis.
              33.ª — Por este motivo, com vista a obter o acesso a documentos eletrónicos ou digitais em sistemas informáticos, não pode o inquérito parlamentar adotar a injunção prevista no n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime), e obrigar quem tiver disponibilidade sobre esses dados a facultar-lhos.
              34.ª — Não obstante as comissões parlamentares de inquérito disporem dos poderes de autoridade judicial não constitucionalmente reservados ao juiz (n.º 1 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares) e de o juiz, uma vez aberta a instrução, poder praticar tal injunção, este meio processual penal mostra-se incompatível com o inquérito parlamentar.
              35.ª — Incompatibilidade que assoma no n.º 5 do artigo 14.º da Lei do Cibercrime, ao impedir que a injunção vise o arguido ou o simples suspeito, pois o inquérito parlamentar ignora tais estatutos e nem sequer identifica os visados, de modo a reconhecer-lhes a garantia “nemo tenetur se ipsu accusare” que o legislador processual penal tem em vista no referido preceito.  
              36.ª — Ao que acresce tratar-se de matéria sob reserva de processo criminal, como decorre do n.º 4 do artigo 34.º da Constituição e do n.º 1 do artigo 11.º da Lei do Cibercrime, que o reflete, ao determinar que as disposições processuais penais do artigo 14.º e seguintes têm como pressuposto a investigação de um crime.
              37.ª — E, não prevendo o Código de Processo Penal a injunção para entrega de informações ou documentos, cumpre ao inquérito parlamentar recorrer aos poderes inquisitórios do juiz cível, consignados pelo artigo 417.º do Código de Processo Civil.
              38.ª — A recusa legítima de colaboração, prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 417.º do Código de Processo Civil, permite ao destinatário da requisição de informações ou documentos pessoais não a satisfazer se tal implicar uma intromissão na sua vida privada ou familiar, no seu domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, o que deve levar a comissão parlamentar de inquérito, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 7 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, a cancelar a diligência.
              39.ª — Com efeito, não pode valer-se do incidente para quebra de segredo, da competência das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 13.º-A do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares), pois este meio processual não contempla a reserva da intimidade da vida privada e familiar, mas apenas o segredo profissional e o segredo de funcionário, em conformidade com a remissão efetuada pelo n.º 7 do artigo 13.º para a lei processual penal.
              40.ª No entanto, aos Senhores Deputados assiste, em geral, a coadjuvação das autoridades judiciárias, prevista no n.º 2 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, designadamente para obterem meios de prova em conformidade com o regime processual respetivo.
              41.ª O que os não desobriga, nem à Comissão Parlamentar de Inquérito, de cumprirem e fazerem cumprir as disposições do Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 (Regulamento Geral de Proteção de Dados), em conformidade com o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 16 de janeiro de 2024 (Österreichische Datenschutzebehörde).
              42.ª — Isto, porque o inquérito parlamentar, não podendo visar particulares (pelo menos, aqueles que não exerçam funções públicas, nem sejam significativamente subvencionados pelo Estado), confere às respetivas comissões parlamentares poderes de investigação que não excluem as pessoas singulares das entidades privadas, tal como são mencionadas pelo n.º 3 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares.
 
[1] Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, com a redação que lhe imprimiu a Lei n.º 2/2020, de 31 de março.

[2] Despacho n.º 40/XVI/1.ª, de 16 de julho de 2024, transmitido por correio eletrónico em 17 de julho de 2024. O pedido de consulta, sobre o qual foi aberto o Proc.º 19/24, foi, de imediato, presente ao Relator de turno com despacho exarado pelo Exmo. Vice Procurador-Geral da República.

[3] Diário da Assembleia da República, n.º 8, II Série-B, de 7 de maio de 2024.

[4] Em conformidade com o artigo 43.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público o Conselho Consultivo é o órgão da Procuradoria-Geral da República competente para emitir pareceres de direito.

[5] Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares (abreviadamente, RJIP) cuja redação conheceu alterações decorrentes da Lei n.º 126/97, de 26 de junho, da Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, da Lei n.º 29/2019, de 23 de abril, e da Lei n.º 30/2024, de 6 de junho. Todas as disposições legais sem outra referência dizem respeito a este diploma na sua atual redação.

[6] Sob esta designação, por extenso ou pela sigla CRP, referimo-nos, salvo indicação em contrário à Constituição da República Portuguesa, aprovada pelo Decreto de 10 de abril de 1976, na sua atual redação, fruto das revisões constitucionais sucessivamente aprovadas pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro, pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de julho, pela Lei Constitucional n.º 1/92, de 25 de novembro, pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, pela Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de dezembro, pela Lei n.º 1/2004, de 24 de julho, e pela Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de agosto.

[7] Artigo 13.º, n.º 4, da Lei n.º 5/93, de 1 de março.

[8] Dispõe-se no artigo 46.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público, que os projetos de parecer são conclusos para discussão e votação no prazo de 60 dias, «salvo se, pela sua complexidade, for indispensável maior prazo, devendo, nesta hipótese, comunicar-se previamente à entidade consulente a demora provável». Por seu turno, o n.º 2 confere aos pareceres solicitados com declaração de urgência prioridade sobre os demais.

[9] Artigo 13.º, n.º 5, da Lei n.º 5/93, de 1 de março.

[10] Diário da República, n.º 142, 1.ª Série, de 24 de julho de 2024.

[11] Diário da Assembleia da República, II Série E, n.º 6, de 9 de maio de 2024.

[12] Artigo 2.º, n.º 1, alínea b), e artigo 4.º, n.º 1.

[13] Aditado ao RJIP pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, com ligeiras modificações introduzidas pela Lei n.º 29/2019, de 23 de abril.

[14] Referimo-nos ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, revisto e republicado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, na sua atual redação, dada pelas sucessivas alterações: última das quais, por via da Lei n.º 15/2024, de 29 de janeiro.

[15] Trecho a cheio no original.

[16] Trecho a cheio no original.

[17] Trecho a cheio no original.

[18] V. JOSÉ DE MATOS CORREIA, A alteração do objeto das comissões parlamentares de inquérito de constituição obrigatória, in José Matos Correia e Ricardo Leite Pinto (coordenação), Estudos em Homenagem ao Professor António Martins da Cruz, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2020, p. 501 e seguintes.

[19] Com efeito, conheceu três redações consecutivas, todas publicadas in Diário da Assembleia da República, n.º 8, II Série-B, de 7 de maio de 2024.

(a) Nota à comunicação social IGAS, 4 de abril de 2024.

(b) Relatório IGAS a que o Expresso teve acesso.

(c) «Marcelo suspeito de “cunha” para tratamento de duas gémeas no Santa Maria.»

[20] Trecho a cheio no original.

[21] Trecho a cheio no original.

[22] «2 — O referido requerimento, dirigido ao Presidente da Assembleia da República, deve indicar o seu objeto e fundamentos e, se tal for o entendimento dos seus subscritores, a lista preliminar dos cidadãos a convocar para a prestação de depoimentos e das eventuais diligências a efetuar, não sendo suscetível de apreciação ou recusa, salvo com os fundamentos previstos no número seguinte.»

[23] «3 — O Presidente verifica a existência formal das condições previstas no número anterior e o número e identidade dos deputados subscritores, notificando de imediato o primeiro subscritor para suprir a falta ou faltas correspondentes, caso se verifique alguma omissão ou erro no cumprimento destas formalidades ou caso a indicação do objeto e fundamentos do requerimento infrinja a Constituição ou os princípios nela consignados.»

[24] Acerca da latitude da intervenção do Presidente da Assembleia da República e do recurso para o Plenário que possa caber da rejeição, v. JOSÉ MATOS CORREIA, A alteração do objeto das comissões parlamentares de inquérito de constituição obrigatória, local citado, p. 512 e seguinte.

[25] Local citado, p. 521 e seguinte.

[26] Trata-se da Lei n.º 77/88, de 1 de julho (cf. Declaração de Retificação n.º 2878/88, de 16 de agosto), com as alterações sucessivamente introduzidas pela Lei n.º 53/93, de 30 de julho, pela Lei n.º 59/93, de 17 de agosto, pela Lei n.º 72/93, de 30 de novembro, pela Lei n.º 28/2003, de 30 de julho, pela Lei n.º 13/2010, de 19 de julho, pela Lei n.º 55/2010, de 24 de dezembro, e pela Lei n.º 24/2021, de 10 de maio (cf. Declaração de Retificação n.º 17/2021, de 4 de junho.  

[27] Referimo-nos ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, na atual redação (49.ª) decorrente das alterações introduzidas pela Lei n.º 52/2023, de 28 de agosto.

[28] 2.ª Secção, Proc.º 478/93.

[29] Referimo-nos ao Regimento da Assembleia da República n.º 1/2020, de 31 de agosto, modificado pelo Regimento da Assembleia da República n.º 1/2023, de 9 de agosto (Declaração de Retificação n.º 20/2023, de 19 de setembro).

[30] Trecho a cheio no original.

[31] Trecho a cheio no original.

[32] Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 543.

[33] Trecho a cheio no original.

[34] A expressão «Presidência da República» não permite identificar, de modo preciso, nenhum outro órgão.

[35] A atual redação conta apenas com as alterações introduzidas pela Lei n.º 79/2021, de 24 de novembro, uma vez que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021, de 30 de agosto de 2021 (Diário da República, n.º 185, 1.ª Série, de 22 de setembro de 2021) pronunciou-se pela inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 5.º, do Decreto n.º 167/XIV, da Assembleia da República (Diário da Assembleia da República, Série II-A, n.º 177, de 29 de julho de 2021), na parte em que alterava o artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, por violação das normas constantes dos artigos 26.º, n.º 1, 34.º, n.º 1, 35.º, n.os 1 e 4, 32.º, n.º 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

[36] É, todavia, ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2023, de 11 de outubro (Diário da República, n.º 218, 1.ª Série, de 10 de novembro de 2023) que se deve a uniformização da jurisprudência, neste sentido: «Na fase de inquérito, compete ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova, nos termos do artigo 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime)». Anteriormente, é certo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de junho de 2023 (5.ª Secção, Proc.º 798/21.2JALRA.S1) enveredara pela posição que fez vencimento, podendo ler-se no respetivo sumário o seguinte: «VIII — Com o novo regime de recolha da prova em ambiente digital, contemplado na Lei n.º 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime), passou a entender-se, pelo menos maioritariamente, que as mensagens de correio eletrónico, armazenadas, deixaram de estar sujeitas ao regime das interceções telefónicas, por via do artigo 189.º, n.º 1 do CPP e passaram a ficar sujeitas ao regime de apreensão do artigo 17.º da Lei do Cibercrime. IX — O artigo 17.º da Lei do Cibercrime não faz qualquer distinção entre mensagens de correio eletrónico abertas ou fechadas, no momento de exigir a intervenção do Juiz de Instrução para autorizar ou ordenar a apreensão daquelas mensagens, com a consequente legitimação para a utilização no processo. X — A doutrina, como a jurisprudência do TC, têm caminhado em direção a uma disciplina tendencialmente unitária da apreensão de correio eletrónico em processo penal, apresentando, entre outros argumentos: a eliminação da barreira física que protege o conteúdo comunicação física até ao momento da abertura da carta — não tem pura e simplesmente aplicação no âmbito das mensagens eletrónicas. A distinção entre mensagens abertas e fechadas é não só artificial, porque o destinatário pode marcar, livremente, as mensagens como abertas ou fechadas, mediante a seleção de uma simples opção no computador: independentemente de ter lido ou não a mensagem, está na sua total disponibilidade classificá-la como não lida ou como lida, como é falível, porque nada garante que uma mensagem marcada como aberta tenha já esgotado a sua natureza de comunicação, tendo sido efetivamente lida. Diferentemente do que sucede na correspondência postal ou com as mensagens SMS que já foram lidas pelo destinatário, não pode afirmar-se que o processo de comunicação (a especial situação de perigo) cessou pela primeira abertura do correio eletrónico ou que o destinatário se encontra com total domínio sobre a mensagem. Enquanto a mensagem se mantiver na caixa de correio - sem ser definitivamente armazenada em qualquer lugar do computador do destinatário e eliminada dos servidores do provider —, ela está sob controlo do fornecedor de serviços eletrónicos.»

[37] Diário da República, 1.ª Série, n.º 185, de 22 de setembro de 2021.

[38] Trecho a cheio no original.

[39] Trecho a cheio no original.

[40] Sobre o conceito de sistema de governo, por todos, v. JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, 2, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2016, p. 126 e seguintes.

[41] Sobre a evolução do estatuto constitucional do Presidente da República, v. J.J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Os Poderes do Presidente da República: especialmente em matéria de política externa, Coimbra Editora, 1991; PAULA VEIGA, O que Faz do Presidente da República um Presidente Republicano? — Estatuto Constitucional, Editora Petrony, Lisboa 2018, p. 82 e seguintes.

[42] V. Parecer n.º 33/2018, de 19 de outubro (Diário da República, 2.ª Série, n.º 238, de 11 de dezembro de 2018), Parecer n.º 4/2015, de 5 de março (inédito), Parecer n.º 27/2012, de 25 de outubro (inédito), Parecer n.º 16/2009, de 28 de maio (Diário da República, 2.ª Série, de 7 de julho de 2009), Parecer n.º 51/99, de 5 de maio de 2000 (inédito), Parecer n.º 53/98, de 7 de outubro (Diário da República, 2.ª Série, n.º 111, de 13 de maio de 1999), Parecer n.º 38/95, de 22 de fevereiro de 1996, e Parecer n.º 56/94, de 9 de março de 1995.

[43] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2003, p. 627 e seguintes.

[44] Abstemo-nos de transcrever as disposições que dizem respeito, exclusivamente às demais comissões parlamentares.

[45] As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI): poderes de investigação, reserva de juiz e direitos fundamentais, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 898.

[46] Em termos próximos aos do artigo 44 (2) da Lei Fundamental Alemã de 1949.

[47] É, no entanto, a caracterização adotada, entre outros autores, por ANTÓNIO VITORINO (O Controlo Parlamentar dos Atos de Governo, in Mário Baptista Coelho (organizador), Portugal — o Sistema Político e Constitucional [1974-1987], Instituto de Ciências Sociais, Lisboa, 1989, p. 381, e também por J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 396. Potestativo é, no entanto, o direito ou o poder de unilateralmente modificar a esfera jurídica de outrem, ali constituindo, modificando ou extinguindo uma situação jurídica. Outrem que, deste modo, se encontra num estado de sujeição. Por todos, V. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS/PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 259 e seguinte. Na doutrina do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, V. Parecer n.º 8/2022, de 14 de julho (inédito), Parecer n.º 16/2021, de 19 de maio de 2022 (inédito), Parecer n.º 35/2015, de 12 de novembro, Parecer n.º 37/2012, de 6 de dezembro (inédito), Parecer n.º 5/2003, de 11 de fevereiro (Diário da República, 2.ª Série, de 12 de fevereiro de 2004).

[48] A distinção foi realçada no Parecer do Conselho Consultivo n.º 4/2015, de 5 de março de 2015 (inédito).

[49] V. Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 33/2018, de 19 de outubro de 2018 (Diário da República, n.º 238, 2.ª Série, de 11 de dezembro de 2018).

[50] J. J. GOMES CANOTILHO, A proteção de direitos fundamentais através de organização e procedimento, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano VIII (2011), p. 198. O Autor admite mesmo um direito fundamental à organização e procedimento; JOÃO LOUREIRO, O procedimento entre a eficiência e a garantia dos particulares (algumas considerações), Coimbra Editora, 1995, p. 201 e seguintes.

[51] Sem controlo jurisdicional dos atos políticos a inexistência jurídica revela-se uma sanção preciosa. São juridicamente inexistentes o ato de dissolução de órgão colegial baseado no sufrágio direto que se abstenha de marcar a data das novas eleições, nos 60 dias seguintes e pela lei eleitoral vigente ao tempo da dissolução (artigo 113.º, n.º 6), qualquer ato previsto no artigo 134.º, alínea b), privado da promulgação ou assinatura do Presidente da República (artigo 137.º), os atos do Presidente da República praticados ao abrigo do artigo 133.º, alíneas h), j), l), m) e p), do artigo 134.º, alíneas b), d) e f) ou do artigo 135.º, alíneas a), b) e c) sem referenda ministerial (artigo 142.º), e a dissolução da Assembleia da República decretada nos seis meses posteriores à eleição do Presidente da República, no último semestre do seu mandato ou durante a vigência do estado de sítio ou do estado de emergência (artigo 172.º, n.º 2).

[52] Juiz das Liberdades…, citado, p. 27.

[53] A Assembleia da República deve constituir uma comissão parlamentar especial a fim de elaborar relatório no prazo que lhe for assinado, nos termos do artigo 252.º do Regimento. Uma vez recebido o relatório da comissão parlamentar, o Presidente da Assembleia da República marca, dentro das 48 horas subsequentes, uma reunião plenária para dele se ocupar (artigo 253.º, n.º 1) e, no termo do debate, põe à votação a acusação criminal em processo criminal, a qual só pode ser deduzida mediante deliberação aprovada por maioria de dois terços dos Deputados em efetividade de funções (artigo 130.º, n.º 2, da Constituição, e artigo 253.º, n.º 2, do Regimento).

[54] Define os crimes de responsabilidade próprios dos titulares de cargos políticos no exercício das suas funções, bem como as sanções aplicáveis e os respetivos efeitos. A atual redação resulta das alterações sucessivamente introduzidas pela Lei n.º 108/2001, de 28 de novembro, pela Lei n.º 30/2008, de 10 de julho, pela Lei n.º 41/2010, de 3 de setembro, pela Lei n.º 4/2013, de 14 de janeiro, pela Lei n.º 30/2015, de 22 de abril, e pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro.

[55] J.J. GOMES CANOTILHO, Proteção de direitos fundamentais através de organização e funcionamento, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano VIII (2011), p. 197 e seguintes.

[56] Sobre o princípio da divisão de poderes, v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1/97, de 8 de janeiro (Diário da República, I Série A, n.º 54, de 5 de março de 1997) e as declarações de voto juntas. Na doutrina, v. MARCELLO CAETANO, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Tomo I, Livraria Almedina, Coimbra, 1983 (Reimpressão), p. 204 e seguintes; JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, 2, citado, p. 119 e seguintes; JORGE REIS NOVAIS, Separação de poderes e limites da competência legislativa da Assembleia da República: simultaneamente um comentário ao acórdão n.º 1/97 do Tribunal Constitucional, Editora Lex, Lisboa, 1997; NUNO PIÇARRA, A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional - Um Contributo para o Estudo das suas Origens e Evolução, Coimbra Editora, 1989.

[57] Sobre o princípio inquisitório no contencioso administrativo, v. ANA CELESTE CARVALHO, O Princípio do Inquisitório na Justiça Administrativa — O Diálogo Entre a Lei e a Prática Jurisprudencial, Ed. AAFDL, 2021.

[58] «É condição para a tomada de posse de membro da comissão, incluindo membros suplentes, a declaração formal de inexistência de conflito de interesses em relação ao objeto do inquérito» (artigo 6.º, n.º 6).

[59] V. CRISTINA M. QUEIROZ, Os Atos Políticos no Estado de Direito — O problema do controle jurídico do poder, Livraria Almedina, Coimbra, p. 197 e seguintes; JORGE REIS NOVAIS, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 15 e seguintes; LÚCIA AMARAL, A Forma da República (Uma introdução ao estudo do direito constitucional), Coimbra Editora, 2005, p. 150 e seguintes.

[60] Relevam, a título principal, para a consulta: (i) a Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada, sob os auspícios do Conselho da Europa, em Roma, a 4 de novembro de 1950, a que Portugal aderiu através da Lei n.º 65/78, de 13 de outubro; (ii) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, assinado em 7 de outubro de 1976, e aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12 de junho, tendo entrado em vigor na ordem jurídica interna em 15 de setembro de 1978, conforme Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros (Diário da República, I Série, n.º 187, de 16 de agosto de 1978). A redação oficial em língua portuguesa ficou assente com a Retificação de 26 de junho de 1978 (Diário da República, I Série, n.º 153, de 6 de junho de 1978).

[61] Com o sentido de as deliberações serem consideradas aprovadas desde que o número de votos a favor seja superior ao número de votos contra, ignorando-se, para o efeito, as eventuais abstenções.

[62] Apenas subsistem o mandato dos Deputados e a Comissão Permanente.

[63] Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, na redação conferida pela Retificação 00/2016, de 4 de maio.

[64] Proc.º C-33/22 (ECLI:EU:C:2024:46).

[65] «Os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas ações e omissões que pratiquem no exercício das suas funções».

[66] Distinção entre iniciativas políticas e legislativas de outros órgãos ou dos próprios Deputados e grupos parlamentares, respetivamente, e que remonta à Constituição de 1822, nos seus artigos 105.º e 106.º

[67] Artigo 4.º, n.º 1, alínea o), do Regimento.

[68] Idem.

[69] Acerca da proclamação oficial do resultado da votação pelo Presidente da Assembleia da República, v. MIGUEL GALVÃO TELES, Parecer, in O Presidente da República e o Parlamento: o procedimento legislativo (AA VV), Presidência da República/Assembleia da República, Lisboa, 2004, p. 134 e seguintes.

[70] Do Controlo Parlamentar da Administração Pública, Assembleia da República/Edições Cosmos, Lisboa, 1999, p. 61 e seguinte.

[71] In Pareceres da Comissão Constitucional, 2.º volume (Do n.º 11/77 ao n.º 20/77), Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Lisboa, 1977, p. 57,

[72] As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI): poderes de investigação, reserva de juiz e direitos fundamentais, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 896.

[73] Constituição…, Volume II, p. 118.

[74] Alterada pela Lei n. 69/2020, de 9 de novembro, pela Lei n.º 58/2021, de 18 de agosto, pela Lei n.º 4/2022, de 6 de janeiro, pela Lei n.º 25/2024, de 6 de fevereiro, e pela Lei n.º 26/2024, de 6 de fevereiro.

[75] Local citado, p. 118 e 119.

[76] P. 35 e seguinte.

[77] PEDRO LOMBA, Teoria da Responsabilidade Política, Coimbra Editora, 2008, p. 137.

[78] O Poder de Exteriorização do Pensamento Político do Presidente da República, Editora AAFDL, Lisboa, 2013, p. 497.

[79] Obra citada, p. 133.

[80] O artigo 172.º condiciona o poder de dissolução por marcos temporais e circunstanciais. Assim, nos termos do n.º 1, «A Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República ou durante a vigência do estado de sítio ou do estado de emergência.». Infringidos tais limites, o decreto de dissolução é juridicamente inexistente (n.º 2).

[81] Para uma tipologia dos poderes do Presidente da República, v. PAULO OTERO, Direito Constitucional Português, Volume II (Organização do Poder Político), Ed. Almedina, Coimbra, 2010, p. 235 e seguintes, distinguindo entre poderes de exercício vinculado, de exercício condicionado e de exercício livre; JAIME VALLE, O Poder de Exteriorização do Pensamento Político do Presidente da República, Editora AAFDL, Lisboa, 2013, p. 221 e seguintes, onde distingue uma função de representação (p. 229 e seguintes), uma função de direção política (p. 274 e seguintes), e uma função de garantia (p. 381 e seguintes).

[82] Sobre os poderes do Presidente da República em relação à Assembleia da República, V. JORGE MIRANDA, Direito Constitucional III (Direito Eleitoral – Direito Parlamentar) Ed. AAFDL, Lisboa, 2003, p. 273 e seguintes; CARLOS BLANCO DE MORAIS, O Sistema Político: no contexto da erosão da democracia representativa, Ed. Almedina, Coimbra, 2017, p. 642 e seguintes; JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito Constitucional, II (Direito Constitucional Português – Dogmática da Constituição da República de 1976), 7.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2021, p. 452 e seguintes; LUÍS BARBOSA RODRIGUES, Manual de Direito Constitucional, Quid Juris Editora, Lisboa, 2023, p. 258 e seguintes.

[83] Acerca da natureza e finalidade da promulgação, v. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Parecer, in O Presidente da República e o Parlamento: o procedimento legislativo (AA VV), Presidência da República/Assembleia da República, Lisboa, 2004, p. 47 e seguintes; JORGE MIRANDA, Parecer, idem, 107 e seguintes; MIGUEL GALVÃO TELES, Parecer, idem, p. 173 e seguintes; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Parecer, idem, p. 215 e seguintes.

[84] V. ANDRÉ FOLQUE, Os poderes do Presidente da República na conclusão de tratados e acordos internacionais, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha [coordenação] de Jorge Miranda, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 2005, p. 231 e seguintes.

[85] V. CARLOS BLANCO DE MORAIS, obra citada, p. 674 e seguinte.

[86] V. J.J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 171. E de modo a não poder bloquear a iniciativa, esta toma a forma de resolução (artigo 166.º, n.º 5, da CRP) e é publicada independentemente de promulgação (n.º 6).

[87] Já o veto político de decreto enviado pelo Governo é acompanhado de simples comunicação do sentido do veto (artigo 136.º, n.º 4).

[88] RAFAEL GISBERT, La responsabilidad politica del gobierno, p. 62, apud PEDRO LOMBA, Teoria da Responsabilidade Política, Coimbra Editora, 2008, p. 130.

[89] Direito Constitucional Português, volume II (Organização do Poder Político), Editora Almedina, Coimbra, 2010, p. 34.

[90] Obra citada, p. 133 e seguintes.

(X) Os standards referidos por COLIN TURPIN, Ministerial Responsability, in The Changing Constitution, Editora Jeffrey Jowell/Dawn Oliver, Oxford, 1996, p. 110 e seguinte.

[91] PEDRO LOMBA, obra citada, p. 135.

[92] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, citado, p. 555.

[93] A Responsabilidade Política, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2010, p. 29.

[94] Idem, p. 30.

[95] Obra citada, p. 31.

[96] Por todos, V. OLIVIER BEAUD, La responsabilité politique face à la concurrence d’autres formes de responsabilité des gouvernants, Pouvoirs, 92, 2000, p. 17 e seguintes. O Autor dá notícia de posições favoráveis a tal criminalização e de outras que sustentam um tratamento da responsabilidade política aproximado ao da responsabilidade dos profissionais liberais, por faltas deontológicas, perante as respetivas ordens (p. 27).

[97] Constituição Portuguesa Anotada (Jorge Miranda e Rui Medeiros), Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora/Wolters Kluwer Portugal), Coimbra, 2010, p. 740. Ali se encontram importantes referências jurisprudenciais a outros princípios e normas do processo penal que o Tribunal Constitucional tem entendido serem de aplicar aos demais processos sancionatórios, em especial ao contraordenacional e ao disciplinar.

[98] PEDRO LOMBA, Princípios Gerais da Organização do Poder Político, in PAULO OTERO, Comentários à Constituição Portuguesa, III volume, 1.º Tomo, Editora Almedina, Coimbra, 2008, p. 463.

[99] Pareceres da Comissão Constitucional, 2.º volume (Do n.º 11/77 ao n.º 20/77), Tribunal Constitucional, Lisboa, 2012.

[100] Neste sentido, J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 396.

[101] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, obra citada, p. 637.

[102] Sobre as comissões parlamentares de inquérito, Direito e Justiça, n.º 14 (1), 2000, p. 35.

[103] Inquérito Parlamentar, Dicionário Jurídico da Administração Pública, 3.º Suplemento, Lisboa, 2007, p. 436.

[104] De modo muito claro, quanto aos órgãos de governo das Regiões Autónomas (cf. O Inquérito Parlamentar e os Seus Modelos Constitucionais: O Caso Português, Coleção Teses, Liv. Almedina, 2004, Coimbra, p. 489 e seguintes).

[105] As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI): poderes de investigação, reserva de juiz e direitos fundamentais, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 896 e seguinte.

[106] Idem, p. 893.

[107] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, citado, p. 636.

[108] Desde que sobre o mesmo objeto se encontrasse em curso algum processo criminal com despacho de pronúncia transitado em julgado, o inquérito parlamentar seria imediatamente suspenso até transitar em julgado a correspondente sentença (artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 5/93, de 1 de março, na redação originária).

[109] Obra citada, p. 637.

[110] Local citado, p. 899.

[111] Distinção que, porém, os artigos 233.º a 237.º do Regimento ignoram.

[112] De igual modo, prevê-se no artigo 233.º, n.º 3, do RAR, que «Os projetos tendentes à realização de um inquérito parlamentar indicam o seu objeto e os seus fundamentos, sob pena de rejeição liminar pelo Presidente.»

[113] JOSÉ MATOS CORREIA, local citado, p. 512 e seguintes.

[114] O novo regime jurídico dos inquéritos parlamentares, in Estudos Comemorativos dos 10 Anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (Diogo Freitas do Amaral, Carlos Ferreira de Almeida, Marta Tavares de Almeida), volume I, Editora Almedina, Coimbra, p. 586.

[115] Recorde-se que a lei anterior não previa a intimação para prestar documentos, pelo que a disciplina dos depoimentos desempenhou um papel matricial.

[116] Neste sentido, v. NUNO PIÇARRA, Inquérito Parlamentar, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, 3.º Suplemento, Lisboa, 2007, p. 446 e seguinte.

[117] Sobre o Presidente da Assembleia da República, v. JORGE MIRANDA, Direito Parlamentar, Editora Almedina, Coimbra, 2022, p. 170 e seguintes.

[118] A respeito de uma dupla função dos presidentes, enquanto membros do órgão colegial e detentores de competências próprias v. DIOGO FREITAS DO AMARAL, A função presidencial nas pessoas coletivas públicas, in Estudos de Direito Público em honra do Professor Marcello Caetano, Editora Ática, Lisboa, 1973, p. 9 e seguintes.

[119] No sentido que GEORGES VEDEL atribuiu a esta expressão (Vers le regime presidentiel, Révue Française de Science Politique, 14, 20-32), apud MIGUEL HERRERO DE MIÑON, Las funciones interconstitucionales del Jefe del Estado parlamentario, Revista Española de Derecho Constitucional, 110, 2017, p. 13 e seguintes.

[120] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, com as modificações decorrentes da Lei n.º 72/2020, de 16 de novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro.

[121] Sobre os poderes do Presidente da Assembleia da República quanto à admissão de inquéritos parlamentares ditos potestativos, v. JOSÉ MATOS CORREIA, A alteração do objeto das comissões…, citado, p. 512 e seguintes.

[122] Realce nosso. Sobre os poderes que decorrem desta função, V. PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 632 e seguintes.

[123] Aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro (cf. Declarações de Retificação n.º 14/2002, de 20 de março, e n.º 18/2002, de 12 de abril), e alterado pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, pela Lei n.º 107-D/2003, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 1/2008, de 14 de janeiro, pela Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, pela Lei n.º 26/2008, de 27 de junho, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 166/2009, de 31 de julho, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, pela Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro, e pelo Decreto-‑Lei n.º 74-B/2023, de 28 de agosto.

[124] A respeito da insusceptibilidade de impugnação administrativa de atos políticos, v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), 2.ª Subsecção, de 23 de janeiro de 1996 (Proc.º 34870), Acórdão STA, 2.ª Subsecção, de 3 de novembro de 1998 (Proc.º 41890), Acórdão STA, 2.ª Subsecção, de 1 de fevereiro de 2000 (Proc.º 45145), Acórdão STA, 2.ª Subsecção, de 20 de junho de 2000 (Proc.º 44314), Acórdão STA, 2.ª Subsecção, de 3 de novembro de 1998 (Proc.º 41890), Acórdão STA, 1.ª Subsecção, de 4 de novembro de 2010 (Proc.º 485/10), Acórdão STA, 1.ª Subsecção, de 25 de novembro de 2010 (Proc.º 762/10), Acórdão STA, 1.ª Subsecção, de 26 de junho de 2014 (Proc.º 1425/13), Acórdão STA, Pleno, de 17 de novembro de 2016 (Proc.º 1357/15), Acórdão STA, 1.ª Secção, de 29 de junho de 2017 (Proc.º 1289/16), Acórdão STA, 1.ª Secção, de 29 de fevereiro de 2024 (Proc.º 0316/21.2 BEVIS). Na doutrina, v. CRISTINA M. QUEIROZ, obra citada, p. 171 e seguintes.

[125] V. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/ PEDRO COSTA GONÇALVES/ J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 1998, p. 148.

[126] V. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28/1/2014 (Pº 228/13.3GHSTC.E1), em cujas conclusões de pode ler: «É clara e legítima a ordem dada por agente de autoridade a condutor de veículo automóvel, para que este se sujeite a exame de pesquisa de álcool em aparelho de análise quantitativa quando o exame efetuado em equipamento qualitativo deu resultado positivo, independentemente de ter sido comunicada a concreta TAS acusada, bastando a informação de que o teste qualitativo revelou a presença de álcool no sangue num limite passível de fazer incorrer em responsabilidade contraordenacional ou penal».

[127] V. Acórdãos da Relação de Guimarães, de 3/3/2014 (Pº 5/12.9PABRG.G1) e de 12/1/2015. No sumário deste último pode ler-se: «1 - Traduzindo-se a desobediência na omissão de um comportamento, só pode praticar o crime p. e p no artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, quem reúna as condições reais de não omitir essa conduta e de cumprir a ordem. 2. Não constando da acusação pública factos ou eventos da vida real que, pelo menos de uma forma implícita, permitam com segurança concluir que o arguido tinha em seu poder ou dispunha do acesso aos documentos que devia entregar, impõe-se a absolvição da recorrente do ilícito em causa.»

[128] Neste sentido, v. Parecer do Conselho Consultivo n.º 4/2015, de 5 de março (inédito).

[129] Aprova o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos, transpondo a Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, e a Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro. A atual redação compreende as alterações introduzidas pela Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, pela Lei n.º 30/2020, de 12 de agosto, e pela Lei n.º 68/2021, de 26 de agosto.

[130] A Proteção da Vida Privada e a Constituição, in Direitos de Personalidade e Direitos Fundamentais (Estudos), Editora Gestlegal, Coimbra, 2018, p. 603.

[131] 2.ª Secção, Proc.º 668/11.

[132] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de junho de 2011 (Pleno, Pº. 1106/09).

[133] Escutas Telefónicas: a mudança de paradigma e os velhos e os novos problemas, in Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal, Separata da Revista do CEJ, n.º 9 (Especial), Editora Almedina, Coimbra, 2008, p. 279.

[134] Três esferas que, nas palavras de ANTONIO ENRIQUE PÉREZ LUÑO, se delimitam, tradicionalmente, pelo seguinte modo: «A Intimsphäre, que corresponde à esfera do segredo e se viola quando se chega ao conhecimento de factos ou notícias que devem permanecer ignoradas, ou quando se comunicam tais factos ou notícias; a Privatsphäre, que equivale à nossa noção de íntimo e protege o âmbito da vida pessoal e familiar que se deseja manter a salvo da ingerência alheia e/ou da publicidade; e, finalmente, a Individualsphäre, que se refere a tudo aquilo que diz respeito à peculiaridade ou individualidade da pessoa (a honra, o bom nome, a imagem, etc.» Derechos Humanos, Estado de derecho y Constitucion, 8.ª edição, Editora Tecnos, Madrid, 2003, p. 328.

[135] PAULO MOTA PINTO, obra citada (p. 608 e seguintes) recenseia, a propósito o Acórdão n.º 128/92, de 1 de abril (2.ª Secção, Proc.º 260/90), o Acórdão n.º 456/93, de 12 de agosto (Plenário, Proc.º 422/93), o Acórdão n.º 263/97, de 19 de março (1.ª Secção, Proc.º 179/95) e o Acórdão n.º 355/97, de 7 de maio (Plenário, Proc.º 182/97).

[136] Local citado.

[137] PAULO MOTA PINTO, local citado, p. 609.

[138] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 607/2003, de 5 de dezembro, e comentário por JOÃO CONDE CORREIA, Questões práticas relativas à utilização de diários íntimos como meio de prova em processo penal, Revista do CEJ, VI, p. 139 e seguintes.

[139] Idem, p. 612.

[140] A atual redação incorpora as modificações sucessivamente introduzidas pela Lei n.º 6/93, de 1 de março, pela Lei n.º 15/2003, de 4 de junho, pela Lei n.º 45/2007, de 24 de agosto, pela Lei n.º 51/2017, de 13 de julho, e pela Lei n.º 63/2020, de 29 de outubro.

[141] V. MANUEL DA COSTA ANDRADE, «Artigo 192.º», in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial (AA VV), Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, p. 1046 e seguintes; PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 6.ª edição, Universidade Católica Portuguesa Editora, Lisboa, 2024, p. 872 e seguintes. Na doutrina deste corpo consultivo, v. Parecer n.º 82/2008, de 16 de janeiro de 2009 (inédito), Parecer n.º 30/2005, de 2 de junho novembro (Diário da República, 2.ª Série, de 1 de setembro de 2005) e Parecer n.º 95/2003, de 6 de novembro (Diário da República, 2.ª Série, de 4 de março de 2004).

[142] «As disposições dos n.ºs 1 e 3 do artigo 1817.º do Código Civil correspondem a uma compressão dos direitos do investigante adequada, necessária e proporcional à proteção do direito à reserva de intimidade da vida privada e familiar dos potenciais investigados e do interesse público na certeza e na estabilidade das relações jurídicas familiares» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de dezembro de 2023, 7.ª Secção, Proc.º 349/20.6T8VPA.G1.S1).

[143] Secção do Contencioso, Proc.º 11/16.4YFLSB.S1.

[144] Refira-se que, nos termos do artigo 104.º, n.º 2, «O pedido de intimação é igualmente aplicável nas situações previstas no n.º 2 do artigo 60.º e pode ser utilizado pelo Ministério Público para o efeito do exercício da ação pública.»

[145] Aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro (Declaração de Retificação n.º 17/2002, de 6 de junho), e alterado pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, pela Lei n.º 59/2008,de 11 de setembro, pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, e pela Lei n.º 56/2021, de 16 de agosto.

[146] De que o n.º 4 representa norma especial, unicamente para isentar os autores da aprovação em comissão parlamentar.

[147] Obra citada, p. 37.

[148] JUAN OCÓN, Derecho a la intimidad y registro de dispositivos informáticos: a propósito del assunto Trabajo Rueda c. España, in Revista Española de Derecho Constitucional, 113 (2018), p. 330.

[149] Realce nosso.

[150] Refira-se, porém que é possível a candidatura a um terceiro mandato, desde que não imediatamente consecutivo nem no quinquénio imediatamente subsequente (artigo 123.º, n.º 1, da Constituição), o que já sucedeu com o ex-Presidente Mário Soares, nas eleições de 22 de janeiro de 2006.

[151] Manual de Direito Constitucional, Editora Quid Juris, Lisboa, 2023, p. 256 e seguinte.

[152] O antigo presidente dos Estados Unidos da América, Bill Clinton, aludindo à desistência de Joe Biden à corrida presidencial, lembrou, em 21-08-2024, na Convenção Nacional do Partido Democrata, que, felizmente George Washington dera o exemplo de o incumbente se encontrar desobrigado para com um tal dever.

[153] Lições de Direito Constitucional, volume II, 3.ª edição, 1.ª Reimpressão, Editora AAFDL, Lisboa, 2021, p. 142.

[154] Obra citada, p. 504 e seguintes.

[155] Idem, p. 499.

[156] Os Poderes do Presidente da República (especialmente em matéria de defesa e política externa), Coimbra Editora,1991, p. 77.

[157] Idem, p. 76, nota 82.

[158] Sobre tal instrumento, v. LUÍS BARBOSA RODRIGUES, O Direito Fundamental de Revogação do Mandato Político (Political Recall), Editora Quid Juris, Lisboa, 2022,

[159] www.publicsenat.fr/actualies/non-classe.

[160] Por maioria absoluta após o terceiro escrutínio inconsequente.

[161] A bibliografia sobre inquéritos parlamentares é abundante e rica na doutrina espanhola. V. ANA GUDE FERNÁNDEZ, Las Comisiones parlamentarias de investigación, Universidad de Santiago de Compostela, 2000; IGNACIO TORRES MURO, Las comissiones parlamentarias de investigación, Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, Cuadernos y Debates, 75, Madrid, 1998, ROSARIO GARCÍA MAHAMUT, Las Comisiones Parlamentarias de Investigación en el Derecho Constitucional Español, Mc Graw Hill, Madrid, 1996; RICARDO MEDINA RUBI, La función constitucional de las Comisiones parlamentarias de investigación, Cuadernos Civitas, Madrid, 1994; ALFONSO AREVALO GUTIERREZ, Las comisiones de investigación de las Cortes Generales y de las asambleas legislativas de las comunidades autónomas, Revista Española de Derecho Constitucional, Ano 15, n.º 43, 1995, p. 113 e seguintes; LUIS GIL y GIL, Las comisiones parlamentarias de investigación, Proyeto Social: Revista de Relaciones Laborales, n.º 8, 2000, p. 147 e seguintes. LUIS GONZÁLEZ DEL CAMPO, El objeto de las comisiones parlamentarias de investigación: delimitación y ultra vires, Anuario de derecho parlamentário, n.º 32, 2019, Cortes Generales, Madrid, p. 109 e seguintes; MANUEL FERNÁNDEZ-FONTECHA TORRES, Legitimidad y organizaciones del estado. El Caso de la Corona, Revista Española de Derecho Constitucional, n.º 116, 2019, p. 367 e seguintes; MARÍA DEL MAR CARRASCO ANDRINO, Tutela penal de las Comisiones Parlamentarias de Investigación y de la actividad de otros órganos constitucionalmente reconocidos, Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, volume LXVII, 2014, p. 155 e seguintes. MIGUEL ÁNGEL GIMENEZ MARTÍNEZ, Las comissiones de investigación en las Cortes Constituyentes (1977-1979), Revista de Derecho Constitucional, n.º 167, Madrid, 2015, p. 133 e seguintes.

[162] Boletín Oficial del Estado, CE-D-2029-202.

[163] Na redação alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro (cf. Declaração de Retificação n.º 4/2002, de 6 de fevereiro, e Declaração de Retificação n.º 9/2002, de 5 de março), pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, e pela Lei n.º 69/2021, de 20 de outubro.

[164]   Na redação alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro.

[165] Com a consequente demissão do Governo vindo de nomear (artigo 195.º, n.º 1, alínea d]).

[166] Do qual constam «as principais orientações políticas e medidas a adotar ou a propor nos diversos domínios da atividade governamental» (artigo 188.º da Constituição).

[167] Assim como em relação a anteriores titulares do cargo, tratando-se de assunto relacionado com o seu exercício de funções.

[168] Neste sentido, v. JORGE REIS NOVAIS, Semipresidencialismo — Teoria geral e sistema português, 3.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2021, p. 334.

[169] Constituição…, volume II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 396.

[170] Neste sentido, J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição…, volume II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 396; VITALINO CANAS, Anotação ao Artigo 178.º, in JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, volume II, p. 123

[171] Neste sentido, J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição…, volume II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 396, conquanto J.J. GOMES CANOTILHO se pronuncie dubitativamente a respeito de «comissões de inquérito relativas a assuntos incluídos no âmbito da administração autónoma».

[172] O Inquérito Parlamentar e os seus Modelos Constitucionais, Editora Almedina, Coimbra, 2004, p. 490.

[173] Diário da República, n.º 238, 2.ª Série, de 11 de dezembro de 2018.

[174] ANDRÉ FOLQUE, A Tutela Administrativa nas Relações entre o Estado e os Municípios, Coimbra Editora, 2004, p. 117 e seguintes.

[175] NUNO PIÇARRA, O Inquérito Parlamentar e os seus Modelos Constitucionais, Editora Almedina, Coimbra, 2004, p. 498. Admite um inquérito que conheça os mesmos limites com que se depara a tutela administrativa exercida pelo Governo, em termos de impedir qualquer controlo do mérito e oportunidade das decisões (p. 499), exceto nos domínios do urbanismo e do ordenamento do território por entender que o artigo 65.º, n.º 4, da Constituição, o consente (p. 500 e seguinte).
 

[176] V. Anotação ao artigo 178.º, in JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Volume II (Organização Económica – Organização do Poder Político – Artigos 80.º a 201.º), 2.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, p. 617 e seguintes.

[177] Os apertados requisitos, segundo observam J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, pretendem «evitar a banalização ou a chicana das propostas de acusação do PR, bem como a sua flagelação gratuita deste por qualquer maioria parlamentar hostil» (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, citado, p. 371).

[178] É por assimilar as competências da comissão especial à das comissões parlamentares de inquérito que VITALINO CANAS admite a investigação de atos do Presidente da República num inquérito parlamentar (cf. Anotação ao artigo 178.º, in JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Volume II (Organização Económica – Organização do Poder Político – Artigos 80.º a 201.º), 2.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, p. 617 e seguintes.

[179] O Inquérito Parlamentar…, p. 487 e seguinte, nota 161.

[180] Obra citada, p. 335.

[181] Em sentido contrário, v. NUNO PIÇARRA, Inquérito Parlamentar, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, 3.º suplemento, Lisboa, 2007, p. 426 e seguintes.

[182] Manual de Direito Administrativo, Volume I, Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 756.

[183] Idem, p. 797.

[184] Sobre tal competência parlamentar, v. CARLOS BLANCO DE MORAIS, obra citada, p. 674.

[185] Constituição …., volume II, p. 317.

[186] Constituição, Tomo II, p. 534.

[187] Acresce a este complexo orgânico um Encarregado de Proteção de Dados, de harmonia com o artigo 37.º do Regulamento (UE) n.º 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 (Regulamento Geral sobre Proteção de Dados).

[188] Os assessores e ajudantes-de-campo são oficiais dos três ramos das Forças Armadas (artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 7/96, de 29 de fevereiro.

[189] Apesar de revogado globalmente pelo Decreto-Lei n.º 11/2012, continua a definir o regime de incompatibilidades e impedimentos aplicável aos titulares de cargos cuja nomeação para a Casa Civil e para o Gabinete, assenta no princípio da livre designação, fundamentada por lei em razão de especial confiança e que exerçam funções de maior responsabilidade, de modo a garantir a inexistência de conflito de interesses (artigo 22.º, n.º 5).

[190] O Regimento do Conselho de Estado, na sua redação originária, foi aprovado em reunião de 7 de novembro de 1984 e encontra-se publicado no Diário da República, Série I, de 10 de novembro de 1984. Conheceu alterações por deliberação do Conselho de Estado reunido em 1 de março de 2001, publicada no Diário da República, I Será A, n.º 97, de 26 de abril de 2001 (Cf. Declaração de Retificação n.º 13/2001, de 10 de maio).

[191] Local citado, p. 912.

[192] «Para efeitos do presente Código considera-se: (…) b) “Autoridade judiciária” o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público, cada um relativamente aos atos processuais que cabem na sua competência».

[193] Itálico nosso.

[194] Itálico nosso.

[195] Itálico nosso.

[196] Que além do artigo 202.º, n.º 2, compreende afloramentos específicos no artigo 113.º, n.º 7 — «O julgamento da regularidade e da validade dos atos de processo eleitoral compete aos tribunais» —, no artigo 211.º, n.º 1 — «Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.» — o artigo 212.º, n.º 3 — «Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.», o artigo 214.º, n.º 1, alínea c), ao cometer a efetivação da responsabilidade por infrações financeiras ao Tribunal de Constas, e o artigo 220.º, n.º 1 — «O Tribunal Constitucional é o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional».

[197] No Acórdão n.º 91/2023, de 16 de março (3.ª Secção, Proc.º 559/2020) e depois no Acórdão n.º 314/2023, de 26 de maio (1.ª Secção, Proc.º 145/21), o Tribunal Constitucional entendeu que o conceito de matéria de processo criminal é apto a cativar matéria do ilícito de mera ordenação social, desde que o bem jurídico protegido se mostre suscetível de ter justificado a incriminação da mesma conduta, fosse essa a opção do legislador. Trata-se, em concreto, das contraordenações graves ou muito graves em matéria de defesa da concorrência. É curioso que, de certo modo, recupera-se o sentido de matéria criminal coevo à norma constitucional (artigo 34.º, n.º 4) e que abarcava as contravenções e as transgressões. No entanto, considerou que a reserva de processo nem sempre dispensa, cumulativamente a reserva de juiz, como sucede em caso de exame, recolha e apreensão de mensagens de correio eletrónico em processo de contraordenação da concorrência.

[198] Relativamente a um princípio geral de autotutela executiva que subsiste no artigo 149.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de janeiro, ex vi dos artigos 6.º e 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro. Para uma retrospetiva do privilégio da execução prévia e para uma sua visão no direito comparado, v. DIOGO FREITAS DO AMARAL, MARIA DA GLÓRIA GARCIA/ MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO/RAVI AFONSO PEREIRA/ MARIA AMÉLIA CARLOS/ ANA SOFIA CARVALHO/ JOÃO LAMY DA FONTOURA/ ANA RITA GIL, O Poder de Execução Coerciva das Decisões Administrativas (nos sistemas de tipo francês e inglês e em Portugal), coordenação de Diogo Freitas do Amaral, Ed. Almedina, Coimbra, 2011. Numa perspetiva crítica, V. RUI CHANCERELLE DE MACHETE, A execução do ato administrativo, in Direito e Justiça, 6, 1992, p. 65 e seguintes; RUI GUERRA FONSECA, O fundamento da autotutela executiva da administração pública: contributo para a sua compreensão como problema jurídico-político, Editora Almedina, Coimbra, 2012; Direito da Execução Administrativa — A autotutela executiva da Administração Pública no contexto de um direito administrativo em globalização, Ed. AAFDL, Lisboa, 2023.

[199] A título principal, v. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 7/87, de 9 de janeiro de 1987 (Diário da República, 1.ª Série, n.º 33 (Suplemento), de 9 de fevereiro de 1987), n.º 23/90, de 31 de janeiro (1.ª Secção, Pº. 180/90), n.º 517/96, de 7 de março (1.ª Secção, Pº.204/96), e n.º 694/96, de 21 de maio (2.ª Secção, Pº.461/95).

[200] De resto, há razões ponderosas de ordem histórica para considerar que o legislador constituinte se quis referir no artigo 32.º, n.º 4, apenas à instrução, em sentido próprio, e não ao inquérito, pois ao tempo vigorava já o Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de novembro, o qual consagrava o inquérito policial nos seus artigos 1.º a 6.º. Neste sentido, v. JORGE FIGUEIREDO DIAS, Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal, in AA VV, Jornadas de Direito Processual Penal — o novo Código de Processo Penal, Centro de Estudos Judiciários, Liv. Almedina, Coimbra, 1989, p. 22 e seguintes; PAULO DE SOUSA MENDES, Lições de Direito Processual Penal, Editora Almedina, Coimbra, 2015, p. 38 e seguintes.

[201] Aquilo que os constituintes teriam em vista era impedir ao inquérito policial e mesmo a investigações anteriores valerem-se de meios lesivos dos direitos, liberdades e garantias pessoais. Assim, interrogando-se acerca do cumprimento do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição, pelo direito ordinário em vigor, escreviam RUI PINHEIRO/ARTUR MAURÍCIO o seguinte: «Desde logo os preceitos constitucionais sobre prisão preventiva não podem entrar em conflito com a disciplina jurídica do inquérito. Este é bem explícito ao determinar o seu âmbito de aplicação: acaba justamente onde começam as restrições à liberdade dos cidadãos e de modo algum pode usar-se na investigação de crimes puníveis com pena maior (artigos 1.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 605/76 e 27.º e 28.º da Constituição. (…) o inquérito policial era incompatível com os princípios basilares que nos norteiam» (A Constituição e o Processo Penal, Reimpressão da 1.ª edição (1976), Clássicos Jurídicos, Coimbra Editora, 2007, p. 41).

[202] Sem embargo da crescente atenção prestada pela doutrina à obtenção de meios de prova, v. EDUARDO CORREIA, La prison, les mesures non-institutionelles et le project du côde pénal portugais de 1963, Supl. 16, do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Estudos «In Memoriam» do Prof. Doutor José Beleza dos Santos, 1, 1966, p. 229-314; MANUEL DA COSTA ANDRADE, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992; JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, Reimpressão, 2004, p. 59.

[203] V. MARIA DE FÁTIMA MATA-MOUROS, Juiz das Liberdades, Editora Almedina, Coimbra, 2011, p. 32 e seguintes.

[204] Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 397.

[205] Artigo 1.º, n.º 3, da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.

[206] Curiosamente, uma das razões atendíveis para a instituição de reservas de juiz, segundo MARIA DE FÁTIMA MATA-MOUROS: «compensar a ausência de contraditório na efetivação de medidas restritivas de direitos assentes em juízos de oportunidade» (Juiz das Liberdades…, citado, p. 94.).

[207] Local citado, p. 911.

[208] Ibidem.

[209] Artigo 10-2, da Lei Fundamental de Bona. V. ASCENSION ELVIRA PERALES, Comisiones de investigación en el “Bundestag”. Un estudio de jurisprudencia, in Revista Española de Derecho Constitucional, Ano 7, n.º 19, 1987, p. 271.

[210] Aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, na redação da Lei n.º 31/2008, de 17 de julho.

[211] O procedimento entre a eficiência e a garantia dos particulares (algumas considerações), Studia Iuridica, 13, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1995, p. 201 e seguintes.

[212] Idem, p. 51.

[213] Acerca da prova obtida contra o disposto no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo, v. VÂNIA COSTA RAMOS, Novos problemas em matéria de proibições de prova — a dimensão internacional — regras de exclusão da prova obtida em violação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Manuel da Costa Andrade, organizadores José de Faria Costa [et al.], volume II, Universidade de Coimbra, 2017, p. 748 e seguintes.

[214] Inquérito Parlamentar, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, citado, p. 449.

[215] As Comissões Parlamentares de Inquérito…, p. 903.

(X) WERNER RICHTER, Privatpersonen im Parlamentarischen Untersuchungsausschuβ, München, 1990, p. 52.

(XX) US Code,II, sec. 192.

[216] Local citado, p. 906.

[217] Sobre este conceito, v. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 403/2015, de 27 de agosto, e n.º 464/2019, de 19 de setembro, e JOSÉ MANUEL SANTOS PAIS, E agora, quo vadis? — Reflexões sobre a evolução da jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa a metadados, Revista Portuguesa de Direito Constitucional, 1 (2021), p. 17 e seguintes.

[218] «Na inspeção de operações urbanísticas sujeitas a fiscalização nos termos do presente diploma é necessária a obtenção de prévio mandado judicial para a entrada no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento», pode ler-se no artigo 95.º, n.º 3, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação (Decreto-Lei n.º 43/2024, de 2 de julho). Por seu turno, dispõe-se no n.º 4 o seguinte: «O mandado previsto no número anterior é requerido pelo presidente da câmara municipal junto dos tribunais administrativos e segue os termos previstos no código do processo nos tribunais administrativos para os processos urgentes». A respeito da reserva de juiz e do privilégio da execução prévia para executar atos de polícia urbanística com entrada no domicílio não consentida, na doutrina deste corpo consultivo, v. Parecer n.º 95/98, de 8 de julho de 1999 (inédito).

[219] Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume I, 5.ª edição, Universidade Católica Portuguesa Editora, Lisboa, 2023, p. 740.

[220] Comisiones de investigación en el ‘Bundestag’. Un estúdio de jurisprudencia, in Revista Española de Derecho Constitucional, Ano 7, n.º 19, 1987, p. 277.

[221] Artigo 44 (4), da Lei Fundamental de Bona.

[222] Aproximação aos conceitos de segredo, sigilo, confidencialidade, privacidade e reserva, in Os Segredos no Direito (Carla Amado Gomes, Ana F. Neves, Pedro Lomba), Editora AAFDL, Lisboa, 2019, p. 16 e seguinte.

[223] Idem, p. 21.

[224] Idem, p. 20.            

[225] Aludindo ao paralelismo histórico na matriz liberal da sua proteção, PAULO MOTA PINTO, local citado, p. 621. A respeito da eficácia geral, afirmou- se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/95, de 5 de abril (2.ª Secção, Proc.º 313/94) que «independentemente do preciso significado que deva atribuir-se em geral, ou no âmbito de outros direitos fundamentais, à extensão da vinculatividade de tais direitos também às entidades privadas, o que é dizer, às relações jurídico-privadas (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição), afigura-se indiscutível que o direito ao sigilo da correspondência é um daqueles que, por sua natureza, não pode deixar de ter um alcance erga omnes, impondo-se não apenas ao poder público e aos seus agentes, mas igualmente no domínio das relações entre privados».

[226] Prova por Privados: Da admissibilidade em Processo Penal de meios de prova obtidos por particulares, Editora Almedina, Coimbra, 2024, p. 29.

[227] Acerca da proteção da vida privada nas comunicações eletrónicas e digitais pela jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, V. ALEXANDRE DIAS PEREIRA, Direito ao respeito pela vida privada digital, in Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e Protocolos Adicionais (organização de Paulo Pinto de Albuquerque), volume II, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2019, p. 1451 e seguintes.

[228] NUNO PIÇARRA, O novo regime jurídico dos inquéritos parlamentares, local citado, p. 584. «A fórmula integralmente remissiva para a lei processual penal de diversos aspetos cruciais da disciplina do inquérito parlamentar não é, de modo nenhum, a mais adequada, desde logo em termos de certeza e de segurança jurídicas (-).

[229] «Do artigo 178.º, n.º 5, decorre ainda que a lei ordinária não deve limitar-se a disciplinar os poderes de investigação das CPI por mera remissão para a lei processual penal, dadas as profundas diferenças entre o inquérito parlamentar e o processo penal. Tal diretriz constitucional vale, em especial, para a previsão legal das hipóteses de recusa de prestação de depoimento e de transmissão de documentos com fundamento em segredo (profissional, fiscal, de Estado, de justiça, etc.), por um lado, e para as hipóteses de quebra desse segredo perante uma CPI» (Idem, p. 590).

[230] «A fórmula integralmente remissiva para a lei processual penal de diversos aspetos cruciais da disciplina do inquérito parlamentar não é, de modo nenhum, a mais adequada, desde logo em termos de certeza e de segurança jurídicas (-)» (p. 584).

[231] «As testemunhas não podem ser inquiridas sobre factos que constituam segredo de Estado». Por seu turno, dispõe-se no n.º 3: «A invocação de segredo de Estado por parte da testemunha é regulada nos termos da lei que aprova o regime do segredo de Estado e da Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa».

[232] O novo regime jurídico…, local citado, p. 591.

[233] JÓNATAS MACHADO/SÉRGIO MOTA, local citado, p. 902.

(X) MICHAIL QUUAS/ RÜDIGER ZUCK, Ausgewählte Probleme zum Recht des Parlamentarische Untersuchungaussuchen, in Neue Juristische Wochenschrift, 31, 1999, p. 1875 e seguinte.

(X) Publicado in Pareceres da Comissão Constitucional, 2.º Volume, Lisboa, 1977, p. 58 e seguintes.

(XX) Cf. OSÓRIO SOBRINHO, A Constituição Federal vista pelo STF, S. Paulo, 2001, p. 627.

[234] O novo regime …, p. 592.

[235] NUNO PIÇARRA, O Inquérito Parlamentar e os Seus Modelos Constitucionais, Ed. Almedina, Coimbra, 2004, p. 700 e seguinte.

[236] Direção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, Coimbra Editora, 2003, p.24.

[237] «Compete ao juiz de instrução proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos prescritos neste Código.»

[238] V. Contra, segundo uma teoria funcional, MARIA DE FÁTIMA MATA-MOUROS, Juiz das Liberdades: desconstrução de um mito do processo penal, Editora Almedina, Coimbra, 2011, p. 65 e seguintes.

[239] Idem, p. 102.

[240] Acerca dos tipos criminais relacionados com a atividade das comissões parlamentares de inquérito, v. MARÍA DEL MAR CARRASCO ANDRINO, Tutela penal de las Comisiones Parlamentarias de Investigación y de la actividad de otros órganos constitucionalmente reconocidos, in Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, vol. LXVII, 2014, p. 155 e seguintes.

[241] O Novo Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, local citado, p. 589.

[242] As Comissões Parlamentares de Inquérito…, citado, p. 901.

[243] A respeito da injunção prevista no artigo 14.º da Lei do Cibercrime, v. ALEXANDRE AU-YONG OLIVEIRA, Prelúdios a uma revisitação da Lei do Cibercrime no âmbito da prova digital, in Corrupção em Portugal (organização de Paulo Pinto de Albuquerque, Rui Cardoso, Sónia Moura), Universidade Católica Portuguesa Editora, Lisboa, 2021, p. 541 e seguintes; DUARTE RODRIGUES NUNES, O Problema da Admissibilidade dos Métodos “Ocultos” de Investigação Criminal como Instrumento de Resposta à Criminalidade Organizada, Ed. Gestlegal, Coimbra, 2019, p. 385 e seguintes; Curso de Direito Processual Penal, Volume 1 (Noções Gerais. Elementos do Processo Penal), Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2023; Os Meios de Obtenção de Prova Previstos na Lei do Cibercrime, 2.ª edição, Ed. Gestlegal, 2021, p. 105 e seguintes; DAVID SILVA RAMALHO, Métodos ocultos de investigação criminal em ambiente digital, Editora Almedina, Coimbra, 2017, p. 132 e seguintes; PEDRO DIAS VENÂNCIO, Lei do Cibercrime — Anotada e Comentada, Coimbra Editora (grupo Wolters Kluwer), Coimbra, 2011, p. 106 e seguintes; Lições de Direito do Cibercrime (E da tutela penal de dados pessoais), Editora D’Ideias, Coimbra, 2022, p. 174 e seguintes; PEDRO VERDELHO, A obtenção de prova no ambiente digital, Revista do Ministério Público, Ano 25, n.º 99, 2004, p. 129 e seguinte; RUI CARDOSO, Apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante — artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15.IX, in Revista do Ministério Público, n.º 153, 2018, p. 167 e seguintes;

[244] Aprovou a denominada Lei do Cibercrime, que transpôs para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adaptou o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa, adotada em Budapeste, em 23 de novembro de 2001, aprovada pela Resolução da Assembleia da Republica n.º 88/2009, de 15 de setembro, e ratificada com o Decreto do Presidente da República n.º 91/2009, de 15 de setembro, A atual redação conta com as alterações introduzidas pela Lei n.º 79/2021, de 24 de novembro.

[245] O Problema da Admissibilidade dos Métodos “Ocultos” de Investigação Criminal …, p. 386;

[246] Faz notar ALEXANDRE AU-YONG OLIVEIRA que se trata da adaptação do artigo 18.º da Convenção de Budapeste, embora em termos que podem comprometer a sua aplicação. Assim, a intenção das Partes Contratantes terá sido a de incluir dados de tráfego e dados de conteúdo, sem o que a injunção perderia grande parte da sua utilidade (local citado, p. 542 e seguinte).

[247] Teria, pois, ocorrido uma revogação tácita parcial do artigo 189.º, n.º 1. V. PAULO DÁ MESQUITA, Prolegómeno sobre prova eletrónica e interceção de comunicações no direito processual português — o Código e a Lei do Cibercrime, in Processo Penal, Prova e Sistema Judiciário, Coimbra Editora, 2010, p. 117, nota 2; JOÃO CONDE CORREIA, Prova digital: as leis que temos e a lei que devíamos ter, in Revista do Ministério Público, n.º 139, 2014, p. 36, nota 2.

[248] V. DUARTE RODRIGUES NUNES, O Problema da Admissibilidade dos Métodos “Ocultos” de Investigação Criminal …, p. 387.

[249] Acerca desta garantia, V. MANUEL DA COSTA ANDRADE, “Nemo tenetur se ipsum accusare” e direito tributário, in Boletim de Ciências Económicas, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, LVII (1), 2014, p. 385 e seguintes; PAULO DÁ MESQUITA, As raízes do reconhecimento do valor supralegal à prerrogativa contra a autoincriminação compelida, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Manuel da Costa Andrade, organizadores José de Faria Costa [et al.], volume II, Universidade de Coimbra, 2017, p. 613 e seguintes. Sobre tal garantia na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, v. VÂNIA COSTA RAMOS, Novos problemas em matéria de proibições de prova — a dimensão internacional — regras de exclusão da prova obtida em violação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Manuel da Costa Andrade, organizadores José de Faria Costa [et al.], volume II, Universidade de Coimbra, 2017, p. 748 e seguintes.

[250] Acerca da distinção entre prova digital e prova eletrónica, v. DAVID SILVA RAMALHO, Métodos…, p. 98 e seguintes. Sugere o Autor «que o termo prova eletrónica é um termo generativo, em vez de um termo específico, na medida em que engloba todas as formas de dados, quer sejam produzidos por um dispositivo analógico, ou em forma digital (p. 99). Neste sentido, também as gravações em fita vídeo e áudio ou as fotografias em rolo, podem constituir prova eletrónica. Sendo, todavia, suscetíveis de digitalização, não têm a sua origem em formato digital (p. 100).

[251] Sobre este conceito na jurisprudência e na doutrina, v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021, de 30 de agosto (in Diário da República, 1.ª Série, n.º 185, de 22 de setembro de 2021), e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 91/2023, de 16 de março, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 314/2023, de 26 de maio (ww.tribunalconstitucional.pt); v. NUNO BRANDÃO, Apreensão de Webmail em Processo Contraordenacional e Reserva de Processo Criminal — Contraponto a uma Nova Jurisprudência Constitucional Duplamente Equivocada, in Revista Portuguesa de Direito Constitucional, n.º 3 (2023), em especial, p. 229 e seguintes.

[252] Diário da República, n.º 218, 1.ª Série, de 10 de novembro de 2023. Igual critério — de irrelevância da abertura da mensagem — foi adotado, a título de uniformização jurisprudencial, para os processos de contraordenação por práticas restritivas da concorrência por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de junho de 2024 (Proc.º 28999/18.T8LSB-.L1-A.S1).

[253] São-no ou podem sê-lo as reproduções previstas no artigo 167.º do CPP.

[254] Curso de Direito Processual Penal, 1, citado, p. 724.

(X) Que terá de assentar em factos objetivos ou objetiváveis e não em meras conjeturas, suposições ou boatos (cf. DUARTE RODRIGUES NUNES, O problema da admissibilidade dos métodos “ocultos” de investigação criminal como instrumento de resposta à criminalidade organizada, p. 473).

(XX) Que terá de se basear numa fundamentação plausível alicerçada em indícios objetivos (que terão de assentar nas regras da lógica e da experiência comum e nos contributos da Criminologia), mas jamais podendo ser entendida como sinónimo de indícios suficientes ou de fortes indícios (cf. DUARTE RODRIGUES NUNES, O problema da admissibilidade dos métodos “ocultos” de investigação criminal como instrumento de resposta à criminalidade organizada, pp. 472-473).

(XXX) Acerca da necessidade de uma ponderação adicional quando estejam em causa elementos de prova cujo conteúdo seja subsumível à esfera íntima tal como delimitada pela teoria das três esferas, vide DUARTE RODRIGUES NUNES, O problema da admissibilidade dos métodos “ocultos” de investigação criminal como instrumento de resposta à criminalidade organizada, pp. 214 e 483 e seguintes).

[255]  Referimo-nos ao Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho (cf. Declaração de Retificação n.º 36/2013, de 12 de agosto), na redação dada pelas alterações introduzidas, sucessivamente pela Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, pela Lei n.º 8/2017, de 3 de março, pela Lei n.º 68/2017, de 16 de junho, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, pela Lei n.º 27/2019, de 26 de julho, pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, pela Lei n.º 12/2022, de 27 de junho, e pela Lei n.º 3/2023, de 16 de janeiro.

[256] Ao dispor no n.º 2 o seguinte: «Quando se trate de atos praticados por pessoa que não for sujeito processual penal e estejam em causa condutas que entorpeçam o andamento do processo ou impliquem a disposição substancial de tempo e meios, pode o juiz condenar o visado ao pagamento de uma taxa fixada entre 1 UC e 3 UC.»

[257] Proc.º 22/21.8GBCVL-A.C1.

[258] V. JOÃO CONDE CORREIA, Qual o significado de abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações (artigo 32.º, n.º 8, 2.ª parte da C.R.P.) ?, in Revista do Ministério Público, Ano 20.º, 79, 1999, p. 45 e seguintes.

[259] Quanto à sua aplicação jurisprudencial, v. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES/ PAULO PIMENTA/ LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol., I, 3.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2022, 529 e seguintes; JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 4.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2018, p. 221 e seguintes; FERNANDO PEREIRA RODRIGUES, Os Meios de Prova em Processo Civil, 3.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2017, p. 240 e seguintes.

[260] Acerca da extensão do conceito de correspondência, estando em causa comunicações eletrónicas ou digitais, v. JOÃO CONDE CORREIA, «Artigo 179.º», in (AA VV), Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, 4.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2024, p. 696 e seguinte; ANTÓNIO BRITO NEVES, Prova por Privados…, p. 525, em especial, nota 869; SÓNIA FIDALGO, A apreensão de correio eletrónico e a utilização noutro processo, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 29, n.º 1, 2019, p. 69; RUI CARDOSO, A apreensão de correio eletrónico após o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021: do juiz das liberdades ao juiz purificador investigador? Revista Portuguesa de Direito Constitucional, n.º 1, 2021; Apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante – artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15.IX, in Revista do Ministério Público, Ano 39, n.º 153, 2018, p. 167 e seguintes; PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário ao Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2011, p. 159; MANUEL COSTA ANDRADE, “Bruscamente no verão passado”, a reforma do Código de Processo Penal — Observações críticas sobre uma lei que podia e devia ser diferente, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 137, n.º 3951, p. 337 e seguintes; RITA CASTANHEIRA NEVES, As Ingerências nas Comunicações Eletrónicas em Processo Penal (Natureza e respetivo regime jurídico do correio eletrónico enquanto meio de obtenção de prova), Coimbra Editora, 2011, p. 137 e seguintes; PEDRO VERDELHO, A nova Lei do Cibercrime, in Scientia Iuridica, tomo 58, n.º 320, 2009, p. 717 e seguintes; VÂNIA COSTA RAMOS, Âmbito e extensão do segredo das telecomunicações (Acórdão do Segundo Senado do tribunal Constitucional Federal Alemão, de 2 de março de 2006, in Revista do Ministério Público, n.º 112, 2007. P. 144 e seguintes.

[261] «Na fase de inquérito, compete ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova, nos termos do artigo 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime)» (in Diário da República, 1.ª Série, n.º 218, de 10 de novembro de 2023)

[262] Decide, com referência ao Decreto n.º 167/XIV, da Assembleia da República, de 29 de julho pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes do seu artigo 5.º, na parte em que altera o artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime) in Diário da República, 1.ª Série, n.º 185, de 22 de setembro.

[263] Acerca do conceito funcional de correspondência, na doutrina do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, v. Parecer n.º Parecer n.º 127/2004, de 17 de março de 2005 (inédito), em cujas conclusões pode ler-se «A proteção penal da correspondência esgota-se na proteção da privacidade em sentido formal, estando restringida à abertura não consentida de encomendas, cartas ou outro escrito fechados, ou à divulgação do seu conteúdo (artigo 194.º, n.os 1 e 3, do Código Penal)»; Parecer n.º 64/98, de 15 de fevereiro de 2001 (inédito); Parecer n.º 15/95, de 25 de maio (inédito), Parecer n.º 16/94, de 7 de julho, em cujas conclusões de assinalou: «As entidades requisitantes devem comunicar às empresas de telecomunicações a informação que as habilite a formular um juízo de ponderação dos valores e interesses em presença».



JOÃO CONDE CORREIA DOS SANTOS)
 
DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO

  

Discordo parcialmente do Parecer, nomeadamente das conclusões 14.º, 30.º, 31,32.º, 37.º, 38.º e 39.º e da respetiva fundamentação, no essencial, pelas seguintes razões.
 
1. Depois de especificar que as Comissões Parlamentares de Inquérito gozam dos poderes de investigação das autoridades judiciais que a estas não estejam constitucionalmente reservados (art. 13.º, n.º 1, da Lei n.º 5/93, de 1 de março), o legislador determina que elas podem «solicitar por escrito ao Governo, às autoridades judiciárias, aos órgãos e serviços da administração, demais entidades públicas, incluindo as entidades reguladoras independentes ou a entidades privadas as informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito» (art. 13.º, n.º 3).
 
Para além disso, o referido regime legal consagra regras relativas à quebra de segredo (art. 13.º-A) e da confidencialidade (art. 13.º-B), determina que a prestação dessas informações tem prioridade sobre quaisquer outros serviços e que a sua violação injustificada consubstancia a prática de um crime de desobediência (art. 3.º, n.º 5).
 
De modo que, ao contrário de outras situações, dificilmente se poderá dizer que neste caso o regime legal das Comissões Parlamentares de Inquérito é deficitário ou omissivo.
 
A cominação com o crime de desobediência, semelhante a tantas outras existentes na ordem jurídica nacional[1], onde também não há qualquer garantia prévia (surgindo essas garantias apenas depois) é uma escolha político-criminal do legislador[2], que poderá ser questionada, em especial quando esteja em causa o Presidente da República ou os Tribunais, mas que está prevista na lei.
 
Não podemos, aliás, esquecer que, ao contrário de outras situações em que a ordem é emitida por um simples funcionário ou em que nem sequer existe uma disposição legal a cominar a desobediência (art. 348.º, n.º 1, al.ª b, do Código Penal), a ordem é emitida pela Comissão Parlamentar de Inquérito e, eventualmente, até escrutinada pelo Presidente da Assembleia da República oferecendo garantias de legitimidade (artigo 348.º, n.º 1, do Código Penal), que muitas outras não oferecem.
 
Fazer tábua rasa deste regime é, no fundo, esvaziar os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito. Tanto mais que, ao contrário do processo penal, pelas razões invocadas no parecer, as Comissões Parlamentares de Inquérito não têm outros meios coercivos ao seu dispor para obter as mesmas informações.
 
2. A solução preconizada pelo Parecer logra um resultado semelhante ao previsto nestas normas (em vez da eventual prática de um crime de desobediência, ameaça com o pagamento de uma soma pecuniária) demonstrando que, afinal, do ponto de vista jurídico-constitucional há espaço para o sancionamento deste tipo de incumprimento. Todavia acaba por gerar um grave problema: a condenação do incumpridor. Sendo esse um ato reservado ao juiz, mesmo apelando à sua colaboração, não estão previstos os mecanismos processuais necessários para o efeito.
 
3. A notificação para a entrega de determinados documentos sob a cominação de desobediência não significa, como é evidente, que o visado fique inelutavelmente obrigado a obedecer, sendo a sua recusa legítima e devendo ser respeitada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (ao contrário dos casos de segredos que podem ser sempre quebrados nos termos do art. 13.º-A). Na verdade, nos termos gerais, «o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade», nomeadamente, quando o desobediente estar a agir «no exercício de um direito» (art. 31.º do Código Penal), neste caso no exercício do seu direito à reserva da vida privada. O que, no fundo, acautela todas as situações previstas no artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
 
4. A conclusão 14.º é em parte contraditória com a possibilidade de recurso ao artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
 
[1] No Código de Processo Penal, vejam-se os artigos 88.º, n.ºs 2 e 3, 221.º, n.º 1 e 223.º, n.º 4, al.ª c) e no Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de dezembro, que aprova o novo regime de júri em processo penal, vejam-se os artigos 9.º, n.º 3 e 16.º, n.ºs 1 e 2; na jurisprudência cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2014, de 21 de outubro, que fixou a seguinte jurisprudência: «Os arguidos que se recusarem à prestação de autógrafos, para posterior exame e perícia, ordenados pelo Exm.º Magistrado do M.º P.º, em sede de inquérito, incorrem na prática de um crime desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1 b), do Código Penal, depois de expressamente advertidos, nesse sentido, por aquela autoridade judiciária.»

[2] Neste sentdido, cfr. Francisco Borges, O crime de desobediência à luz da Constituição, Coimbra, Almedina, 2011, p. 64 e ss.; sobre este crime, ver ainda Cristina Libano Monteiro, in AA.VV, Comentário Coninbricense do Código Penal, III, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, 349 e ss.
 
Legislação
CRP 76 ART18; ART32 N4; ART35; ART34 N4; ART117; ART120; ART121; ART129; ART132; ART130; ART147; ART156; ART162; ART178; ART190; ART182; ART192; ART199; ART223; L 5/93 DE 1993/03/01; L 30/2024 DE 2024/06/06; RAR 58/2024 DE 2024/07/18; CPCIVIL 2013 ART417; CPPENAL82 ART134, ART137; ART164; ART182, ART417 N 3; CPENAL ART192; ART348; L 109/2009 DE 2009/09/15 ART14; REGIMENTO DA AR N 1/2020 DE 2020/08/31 ART 121; ART126; ART252; L 77/88 de 1988/07/01; L 24/2021 de 2021/05/10; L CONSTIT 1/97 de 1997/09/20; L 43/77 DE 1977/06/18; L 5/93 DE 1993/03/01; L 34/1987 DE 1987/07/16; L 94/2021 DE 2021/12/21; L 52/2029 DE 2019/07/31; L 26/2024 DE 2024/02/06; L CONST 1/82 DE 1982/09/30; CPTA2002 ART104; CPCIVIL2013 ART417; ART418; ART436; L 169/99 DE 1999/09/18; L 27/1996 DE 1996/08/01; L 7/96 DE 1996/02/29; DL 28-A/1996 DE 19996/04/04; DL 47/1988 DE 1988/02/12; DL 196/33 DE 1933/05/27; REGIMENTO CONS ESTADO IN DR I S DE 1984/11/10; DELIB CONSELHO ESTADO IN DR I S DE 2001/04/26; L 29/2019 DE 2019/04/23 ART13.  
Jurisprudência
AC TRIB JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA DE 2024/01/16.
AC. TRIB. CONST N 195/94
AC. TRIB CONST N 687/2021 IN DR I S DE 2021/09/22
AC TRIB. CONST. 1 /97 DE 1997/01/08
AC TRIB. CONST. 355/1997 DE 1997/05/07;  
AC TRIB CONST 10/2023 DE 2023/10/11;
AC TRIB CONST 91/2023 DE 2022/03/16;
AC TRIB CONST 314/2023 DE 2023/05/26;
AC TRIB CONST 403/2015 DE 27 AGOSTO
AC TRIB CONST 198/1995 DE 1995/04/05;
AC. STJ DE 2023/06/26;
AC STJ N 10/2023 IN DR I S DE 2023/11/10;
AC DO STJ DE 20167/05/25;
AC. TRIB RELAÇÃO GUIMARÃES DE 2014/03/03;
AC REL COIMBRA DE 2023/02/08;
 

 
 
Referências Complementares
DIR PROC PENAL/ DIR PENAL
INQUÉRITO PARLAMENTAR 4/XVI/1.ª
REGULAMENTO GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS- REGULAM (UE) 2016/679 DO PE E CONSELHO DE 27 DE ABRIL DE 2016
LEI CONST FEDERAL 1920 DA ÁUSTRIA
CONSTITUIÇÃO FRANCESA 1958 ART60 ART67
CONSTITUIÇÃO ESPANHOLA 1978
LEI FUNDAMENTAL DE BONA ART10-2

 
CAPTCHA
9 + 5 =
Resolva este simples problema de matemática e introduza o resultado. Por exemplo para 1+3, digite 4.