16/2024, de 23.05.2024

Número do Parecer
16/2024, de 23.05.2024
Data do Parecer
23-05-2024
Número de sessões
1
Tipo de Parecer
Parecer
Votação
Maioria
Número de votos vencidos
1
Iniciativa
Governo
Entidade
Ministério da Juventude e Desportos
Relator
Ricardo Lopes Dinis Pedro
Votantes / Tipo de Voto / Declaração

Ricardo Lopes Dinis Pedro

Votou em conformidade


Helena Isabel Ribeiro Carmelo Dias Bolieiro

Votou em conformidade


Maria de Fátima Cortes Pereira Belchior de Sousa

Votou em conformidade


Maria Carolina Durão Pereira

Votou em conformidade


Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou em conformidade


João Conde Correia dos Santos

Votou em conformidade


Carlos Adérito da Silva Teixeira

Votou em conformidade


José Joaquim Arrepia Ferreira

Votou em conformidade


Carlos Alberto Correia de Oliveira

Votou vencido

Descritores
FEDERAÇÃO DESPORTIVA
LIGAS PROFISSIONAIS
ÓRGÃOS ESTATUTÁRIOS
ESTATUTO DE UTILIDADE PÚBLICA DESPORTIVA
ÓRGÃO DE ADMINISTRAÇÃO
ÓRGÃO DE FISCALIZAÇÃO
POLÍTICA DESPORTIVA
REGIME JURÍDICO
REGIME SANCIONATÓRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
IGUALDADE DE TRATAMENTO
QUOTAS DE GÉNERO
 
Conclusões
 
V.
Conclusões
Considerando o que foi exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

                     1.ª     A representação equilibrada de ambos os sexos nos órgãos de entes públicos e privados surge no contexto da tarefa fundamental do Estado de promover a igualdade entre homens e mulheres [artigo 9.º, alínea h), da Constituição da República Portuguesa (CRP)] e de forma mais impositiva em matéria de direitos civis e políticos no artigo 109.º da CRP.
                     2.ª     Apesar da margem de conformação permitida pela Constituição ao legislador ordinário, tais medidas devem ser conformes com os limites impostos pelo artigo 18.º, n.º 2, da CRP, devendo, ainda, a sua adoção ser ponderada com outros valores de relevância constitucional, como a liberdade associativa (artigos 46.º e 79.º, n.º 2, da CRP).
                     3.ª     A imposição de «quotas de género», para além da sua admissão em instrumentos internacionais, surge em vários diplomas nacionais, visando, em regra, órgãos de administração e de fiscalização, quer de entes públicos, quer de entes privados, e revela-se, no contexto da União Europeia, enquanto princípio de ação positiva, mediado por vários critérios jurisprudenciais, de modo a garantir-se a sua conciliação com a igualdade de tratamento.
                     4.ª     No contexto da organização desportiva nacional, depois da sua previsão para as sociedades desportivas, foi estendida a opção normativa, pela Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro, que alterou o Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), de representação equilibrada de ambos os sexos para «cada órgão de administração e de fiscalização da liga profissional» e para «cada órgão de administração e de fiscalização das federações desportivas», respetivamente, nos artigos 27.º, n.º 6, e 32.º, n.º 3, do RJFD.
                     5.ª     O incumprimento do limiar de proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização das federações desportivas e das ligas profissionais (que não pode ser inferior a 33,3 %, como resulta da leitura conjugada dos artigos 27.º, n.ºs 6, e 7, e 32.º, n.ºs 3 e 4, do RJFD) é sancionado com o regime previsto no artigo 6.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto.
                     6.ª     O universo estatutário das ligas profissionais e das federações desportivas revela órgãos com diferentes funções, alguns dotados de funções de pendor de administração e de fiscalização e outros com funções distintas (como acontece com o Conselho de disciplina, o Conselho de justiça e o Conselho de arbitragem, no que tange às federações desportivas e com o Conselho jurisdicional, no que se refere à Liga Portugal), tendo esta diversidade funcional ao nível orgânico provocado a dúvida, fundamento da Consulta, de saber qual o âmbito orgânico a que se reporta a expressão "órgão de administração e fiscalização" do RJFD.
                     7.ª     A determinação do universo dos órgãos que devem cumprir o limiar de proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização das federações desportivas e das ligas profissionais deve resultar de uma operação hermenêutica dos artigos 27.º, n.º 6, e 32.º, n.º 3, do RJFD, estribando-se nos seguintes fatores interpretativos clássicos:
                     (i) no elemento literal, considerando que os normativos em crise se referem expressis verbis a «cada órgão de administração e de fiscalização» da liga profissional e das federações desportivas;
                     (ii) no elemento sistemático, que revela lugares paralelos, em regra, abrangendo apenas órgãos de administração e fiscalização, como acontece, por exemplo, com as sociedades desportivas, o setor empresarial público e as empresas cotadas em bolsa;
                     (iii) no elemento histórico, pelo sentido do pensamento legislativo decorrente da votação e aprovação (da maioria) parlamentar de entre as várias propostas sobre as normas em consideração, em privilégio da opção que se circunscrevia aos órgãos de administração e de fiscalização e em detrimento de fórmulas mais abrangentes;
                     (iv) no elemento racional, que revela uma ação positiva a favor do sexo sub-representado, cujo alcance surge muito próximo do âmbito orgânico previsto para o setor público empresarial e para as empresas cotadas em bolsa em virtude da remissão que o RJFD faz para a Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, que se circunscreve aos órgãos de administração e de fiscalização.
                     8.ª     A ponderação dos diversos elementos interpretativos acima referidos e a sua inter-relação impõe a conclusão de que o sentido prevalente é o que determina que apenas os órgãos de administração e de fiscalização das ligas profissionais e das federações desportivas estão obrigados ao cumprimento dos limiares relativos à representação equilibrada de ambos os sexos.
                     9.ª     O resultado interpretativo a que se chegou nas conclusões anteriores é aquele que melhor reflete que, na fixação do sentido e alcance da lei, o legislador consagrou as soluções que entendeu mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, tal como impõe o disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.
                     10.ª  Concretizando, e sem prejuízo de outros órgãos que possam ser adotados pelas federações desportivas, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, do RJFD, deve entender-se que o artigo 27.º, n.º 6, do RJFD, inclui os seguintes órgãos: a mesa da Assembleia geral, a Direção e o Conselho fiscal. No que toca às ligas profissionais, deve considerar-se que o artigo 32.º, n.º 3, do RJFD, tendo como paradigma a Liga Portugal, abrange a mesa da Assembleia geral, a Direção e o Conselho fiscal.
                     11.ª Em sentido oposto, não estão incluídos o Conselho de disciplina, o Conselho de justiça, Conselho de arbitragem e os delegados representantes na Assembleia geral, no que tange às federações desportivas e o Conselho jurisdicional, no que se refere à Liga Portugal, assim como não estão incluídos os órgãos unipessoais, como acontece com o órgão Presidente.
 
Texto Integral
N.º 16/2024
RP
 
Senhor Secretário de Estado do Desporto,
Excelência:
 
 
Dignou-se o antecessor de Vossa Excelência solicitar a emissão pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de parecer sobre a representação equilibrada entre homens e mulheres na composição dos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais.
Cumpre, assim, emitir parecer, ao abrigo do disposto no artigo 44.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público[1].
 
I.
Consulta
A consulta foi formulada nos termos seguintes:
«A representação equilibrada entre mulheres e homens nas organizações é um fator essencial na promoção da igualdade e que constitui uma das tarefas fundamentais do Estado prevista na Constituição da República Portuguesa. Trata se de um dos pilares em que assenta o nosso estado de direito democrático e um fator de coesão social, para além de se constituir como uma condição para o desenvolvimento sustentável da nossa sociedade.
O desequilíbrio entre o número de homens e de mulheres nos postos de decisão tem uma natureza histórica e estrutural determinada por relações de poder que marcam as estruturas sociais. As estratégias de estímulo e autorregulação com resoluções de caráter não vinculativo ou voluntarista não produziram as mudanças necessárias para quebrar as práticas instaladas que impedem uma representação mais equilibrada na liderança, algo que é unanimemente reconhecido também pelo setor do Desporto.
Assim, entendeu a Assembleia da República que era necessário formular exigências claras quanto aos objetivos a alcançar no que diz respeito à paridade e ao equilíbrio da representação de mulheres e de homens na composição dos órgãos de administração e de fiscalização das federações desportivas e das ligas profissionais fixando metas quantitativas percentuais mínimos aplicáveis a novos mandatos, a alcançar nos próximos anos, de modo progressivo.
A Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro, que estabelece a proporção de pessoas de cada sexo na composição dos órgãos das federações desportivas e da liga profissional e prevê a criação de canais de denúncia de infrações de normas de defesa da ética desportiva, altera o Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro na sua redação atual, que estabelece o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva.
Mais concretamente, os artigos 27.° e 32.° do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, passam a obrigar as ligas profissionais e as federações desportivas a garantirem que a proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização não pode ser inferior a 33,3%.
Refere, ainda, a Lei n.º 23/2024, nos mesmos artigos, que, em caso de incumprimento dos limiares mínimos, aplica-se o regime sancionatório previsto no artigo 6.° da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, que aprova o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor púbico empresarial e das empresas cotadas em bolsa.
Assim, a Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro seguiu o já previsto na Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, estabelecendo que o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens se faz “nos órgãos de administração e de fiscalização”.
Ora, a Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, no seu artigo 3.°, oferece um conjunto de definições, mais concretamente as seguintes;
a) «Órgãos de administração», os conselhos diretivos, os conselhos executivos, os conselhos de gestão, os conselhos de administração ou outros órgãos colegiais com competências análogas;
b) «Órgãos de fiscalização», os conselhos fiscais, os conselhos gerais e de supervisão ou outros órgãos colegiais com competências análogas.
Nos termos do artigo 32.° do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, as federações desportivas devem contemplar na sua estrutura orgânica, pelo menos, os seguintes órgãos:
a) Assembleia geral;
b) Presidente;
c) Direção;
d) Conselho fiscal;
e) Conselho de disciplina;
f) Conselho de justiça;
g) Conselho de arbitragem.
Nos termos do artigo 18.° dos seus Estatutos, são órgãos da Liga Portugal;
a) A Assembleia Geral, sua mesa e o presidente;
b) O Presidente da Liga Portugal;
c) A Direção;
d) O Conselho Fiscal;
e) O Conselho Jurisdicional.
Considerando que não existe uma total harmonia entre órgãos das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa e das federações desportivas e das ligas profissionais, pode-se, de facto, colocar a dúvida sobre quais órgãos destas últimas entidades se devem considerar abrangidos pelo regime da representação equilibrada entre mulheres e homens, definido na Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro.
Assim, venho solicitar a Vossa Excelência que se digne solicitar ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, com a legitimidade que assiste aos membros do Governo, nos termos da alínea a), do artigo 44.°, da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, a emissão de parecer, relativo à aplicação da Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro, que estabelece a proporção de pessoas de cada sexo na composição dos órgãos das federações desportivas e da liga profissional, quanto à seguinte questão:
- Quais são os órgãos abrangidos pela expressão "órgão de administração e fiscalização", presente na nova redação dos artigos 27.°, n.º 6, e 32.°, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, na sua redação atual, que estabelece o regime jurídico das federações desportivas.
Finalmente, e tendo em conta que este ano de 2024 é um ano de eleições nas federações desportivas, solicitava que o referido parecer pudesse ser proferido ponderando tal realidade e para que estas entidades possam dispor de tempo útil para adequarem os seus regulamentos eleitorais à nova realidade jurídica.»
 
II.
Federações desportivas e ligas profissionais
1. A consulta incide sobre a representação equilibrada de pessoas de ambos os sexos nos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais em resultado da última alteração ao Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD)[2], promovida pela Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro.
Para melhor enquadramento, e como referido no Parecer n.º 32/2017, de 19 de janeiro de 2018, este Conselho Consultivo já se ocupou várias vezes da qualificação jurídica das federações desportivas[3]-[4], destacando-se que no Parecer n.º 24/2015, de 8 de julho de 2016, se considerou que «[a]s federações desportivas são associações de direito privado sem fins lucrativos, a que, através da atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, são conferidos poderes de natureza pública» e que «[p]or sua vez, as ligas profissionais são também associações de direito privado sem fins lucrativos, que exercem, por delegação da respetiva federação, competências relativas às competições de natureza profissional, designadamente, em matéria de arbitragem (...)».
Importa ainda, para melhor compreensão do regime jurídico das federações desportivas e dos órgãos que as integram, fazer um breve percurso histórico pelos regimes jurídicos que antecederam o RJFD, seguindo a doutrina deste Conselho Consultivo.
 
1.1. A este propósito deve ter-se em conta o referido no Parecer n.º 24/2015, de 8 de julho de 2016:
«2. De acordo com o disposto no artigo 79.º[6][5] da Constituição da República Portuguesa, todos têm direito à cultura física e ao desporto (cfr. n.º 1), incumbindo ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto (cfr. n.º 2).
E, com efeito, a Lei n.º 1/90, de 13 de janeiro[7] – Lei de Bases do Sistema Desportivo – veio estabelecer o quadro geral do sistema desportivo, tendo por objetivo promover e orientar a generalização da atividade desportiva, como fator cultural indispensável na formação plena da pessoa humana e no desenvolvimento da sociedade (cfr. artigo 1.º).
Entre os princípios gerais da ação do Estado, elencam-se o reconhecimento do papel essencial dos clubes e das suas associações e federações e o fomento do associativismo desportivo, bem como a participação das estruturas associativas de enquadramento da atividade desportiva na definição da política desportiva [cfr. alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 2.º].»
O Parecer em citação refere ainda que:
«3. Na sequência da Lei n.º 1/90, o Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril[9], veio estabelecer o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva (cfr. artigo 1.º).
E no seu preâmbulo, sublinhando-se a especificidade do setor profissional, podia ler-se, a dado passo: Definidas como associações de direito privado sem fins lucrativos, as federações dotadas de utilidade pública desportiva exercem em exclusivo poderes de natureza pública inscritos na lei. Desta sorte, garantida a sua independência face ao Estado, o presente diploma assegura a liberdade da sua organização associativa, respeitados os princípios democráticos e de representatividade.
A especificidade do setor profissional no fenómeno desportivo reflete-se na constituição, no seio das federações referentes a modalidades em que se disputam competições desportivas de caráter profissional, do organismo previsto no artigo 24.º da Lei n.º 1/90, de 13 de janeiro, integrado obrigatória e exclusivamente pelos clubes ou sociedades com fins desportivos que tenham específicos vínculos de caráter laboral com os seus praticantes.
A tal organismo, cuja natureza e possibilidade de personalização não foram objeto de regulação expressa, competirá, entre outras funções, organizar e regulamentar as competições profissionais da respetiva modalidade, administrar o sistema de arbitragem e exercer o poder disciplinar em primeiro grau de decisão.»
 
1.2. Posteriormente, releva considerar o Parecer n.º 9/2016, de 12 de maio de 2016, que esclareceu que:
«(...) 2.4. A Lei n.º 19/96, de 25 de junho, veio, entretanto, rever a Lei de Bases do sistema Desportivo (Lei n.º 1/90).
(...) 2.5. O Decreto-Lei n.º 111/97, de 9 de maio, veio seguidamente introduzir diversas alterações no Decreto-Lei n.º 144/93, justificando as mesmas, no respetivo preâmbulo, pelo facto de este diploma ter vindo a revelar algumas lacunas e insuficiências, nomeadamente no que diz respeito às regras de funcionamento das federações desportivas em cujo seio se realizam competições de natureza profissional, com especial incidência no que respeita ao princípio da elegibilidade dos órgãos federativos, ao regime de incompatibilidades no exercício de cargos nos diversos órgãos, ao estabelecimento de um regime orgânico e disciplinar suscetível de garantir uma maior isenção e transparência quanto ao sistema da arbitragem e aos poderes do presidente federativo em relação aos restantes órgãos.
(...) 2.6. Pela Lei n.º 112/99, de 3 de agosto, foi aprovado o regime disciplinar das federações desportivas, tendo sido revogado o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril.
(...) 2.8. A Lei n.º 30/2004, de 21 de julho (Lei de Bases do Desporto), revogou a Lei n.º 1/90, de 13 de janeiro, tendo introduzido múltiplas alterações nas bases gerais do sistema desportivo.»
 
1.3. Nesta sequência de diplomas referentes ao regime das federações desportivas, é ainda de ter em conta que a referida Lei n.º 30/2004, de 21 de julho foi revogada pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro, que aprovou a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto[6].
Posteriormente, foi aprovado o RJFD, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, ou seja, como desenvolvimento legislativo de uma lei de bases; no caso, a Lei n.º 5/2007, revogando o anterior regime do Decreto-Lei n.º 144/93, na redação do Decreto-Lei n.º 111/97. O RJFD veio a sofrer várias alterações, importando ter presente que foi apenas com a última alteração ao RJFD, promovida pela Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro, que foram introduzidas soluções normativas sobre a representação equilibrada de pessoas de ambos os sexos nos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais.
 
1.4. A análise dos diplomas referidos – que surgem no contexto do direito do desporto[7] («ordenamento jurídico desportivo»)[8] que, por várias razões, tem reivindicado «alguma ou absoluta»[9] autonomia face à jurisdição estadual[10], muitas vezes compreendida pelo «vínculo de justiça», ainda que enquadrados no direito administrativo desportivo – permite concluir que a tipologia de órgãos das federações desportivas se manteve, ainda que a denominação de alguns tenha recebido breves ajustamentos terminológicos («Conselho jurisdicional», hoje «Conselho de justiça» e «Conselho disciplinar», hoje «Conselho de disciplina»[11], como se pode recortar do artigo 23.º do (revogado) Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril, que previa:
«Artigo 23.º
Órgãos estatutários
1 - As federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva devem, na sua estrutura orgânica, contemplar os seguintes órgãos:
a) Assembleia geral;
b) Presidente;
c) Direcção;
d) Conselho de arbitragem;
e) Conselho fiscal;
f) Conselho jurisdicional;
g) Conselho disciplinar.»
 
Por outro lado, também as funções dos referidos órgãos estatutários se mantiveram tendencialmente[12], como se pode recortar do (revogado) Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril, que previa, no artigo 29.º, relativo ao Conselho de arbitragem, que «[c]abe ao conselho de arbitragem, sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos, coordenar e administrar a actividade da arbitragem, aprovar as respectivas normas reguladoras, estabelecer os parâmetros de formação dos árbitros e proceder à classificação técnica destes»; no artigo 31.º, n.º 1, referente ao Conselho jurisdicional, que determinava que «[p]ara além de outras competências que lhe sejam cometidas pelos estatutos, cabe ao conselho jurisdicional conhecer dos recursos interpostos das decisões disciplinares em matéria desportiva» e no artigo 32.º, n.º 1, relativo ao Conselho disciplinar, que previa que «[a]o conselho disciplinar cabe, sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos, apreciar e punir, de acordo com a lei e os regulamentos federativos, as infracções disciplinares em matéria desportiva»[13].
 
2. Importa agora – à luz do regime vigente – trazer à colação os órgãos que integram a estrutura orgânica das federações desportivas. A resposta é dada pelo RJFD no Capítulo III (Organização e funcionamento das federações desportivas) e mais em particular na Secção II (Estrutura orgânica) pela previsão dos artigos 32.º a 47.º, que releva transcrever para melhor compreensão.
 
2.1. O artigo 32.º, sob a epígrafe «Órgãos estatutários», vem prever que:
«1 - As federações desportivas devem contemplar na sua estrutura orgânica, pelo menos, os seguintes órgãos:
a) Assembleia geral;
b) Presidente;
c) Direcção;
d) Conselho fiscal;
e) Conselho de disciplina;
f) Conselho de justiça;
g) Conselho de arbitragem.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, as federações desportivas podem adotar outras denominações para os seus órgãos, desde que esteja acautelado o cumprimento das respetivas funções, previstas no presente decreto-lei.
3 - A proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização das federações desportivas não pode ser inferior a 33,3 %.
4 - Ao incumprimento dos limiares mínimos a que se refere o número anterior aplica-se o regime sancionatório previsto no artigo 6.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto.»

 
2.2. O artigo 33.º, sob a epígrafe «Eleições», vem a dispor que:
«1 - Os delegados à assembleia geral da federação desportiva são eleitos ou designados nos termos estabelecidos pelo regulamento eleitoral, o qual igualmente estabelece a duração dos seus mandatos e o procedimento para os substituir em caso de vacatura ou impedimento.
2 - A candidatura a presidente só é admitida se acompanhada de candidatura aos órgãos a que se refere o artigo anterior.
3 - Os órgãos referidos nas alíneas d) a g) do n.º 1 do artigo anterior são eleitos em listas próprias e devem possuir um número ímpar de membros.
4 - Os órgãos referidos nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo anterior são eleitos de acordo com o princípio da representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos.
5 - Os estatutos ou regulamentos das federações desportivas não podem exigir que as listas de candidatura para os diversos órgãos sejam subscritas por mais do que 10 % dos delegados à assembleia geral.»
 
2.3. O artigo 34.º, sob a epígrafe «Assembleia geral», prevê que:

«1 - A assembleia geral é o órgão deliberativo da federação desportiva, cabendo-lhe, designadamente:
a) A eleição ou destituição da mesa da assembleia geral;
b) A eleição e a destituição dos titulares dos órgãos federativos referidos nas alíneas b) e d) a g) do artigo 32.º;
c) A aprovação do relatório, do balanço, do orçamento e dos documentos de prestação de contas;
d) A aprovação e alteração dos estatutos;
e) A ratificação dos regulamentos referidos no n.º 2 do artigo 29.º;
f) A aprovação da proposta de extinção da federação;
g) Quaisquer outras que não caibam na competência específica dos demais órgãos federativos.
2 - Por requerimento subscrito por um mínimo de 20 % dos delegados à assembleia geral pode ser solicitada a apreciação, para efeitos de cessação da sua vigência ou de aprovação de alterações, de todos os regulamentos federativos, com excepção dos referidos na alínea e) do número anterior.
3 - O requerimento referido no número anterior deve ser apresentado no prazo de 30 dias após a publicitação, nos termos do artigo 8.º, da aprovação do regulamento em causa.
4 - A aprovação de alterações a qualquer regulamento federativo só pode produzir efeitos a partir do início da época desportiva seguinte, salvo quando decorrer de imposição legal, judicial ou administrativa.»
 
2.4. O artigo 35.º, sob a epígrafe «Composição da assembleia geral», prevê que:
«1 - A assembleia geral é composta por um mínimo de 30 e um máximo de 120 delegados, nos termos estabelecidos nos estatutos da respectiva federação desportiva de acordo com os princípios constantes do presente decreto-lei.
2 - A assembleia geral é composta por delegados, representantes de clubes, praticantes, treinadores, árbitros e juízes, ou de outros agentes desportivos que sejam membros da federação desportiva.
3 - Nenhum delegado pode representar mais do que uma entidade.
4 - Cada delegado tem direito a um voto.»
 
2.5. O artigo 36.º, sob a epígrafe «Representatividade na assembleia geral», prevê que:
«1 - Nas federações desportivas de modalidades colectivas o número de delegados representantes de clubes e sociedades desportivas não pode ser inferior a 70 %, distribuídos da seguinte forma:
a) 35 % dos delegados representam os clubes e sociedades desportivas que participam nos quadros competitivos de âmbito nacional;
b) 35 % dos delegados representam os clubes que participam nos quadros competitivos de âmbito regional ou distrital.
2 - Nos casos em que na federação em causa existam competições de natureza profissional, a percentagem referida na alínea a) do número anterior é de 25 % para os clubes participantes nas competições profissionais e de 10 % para os restantes clubes participantes nos quadros competitivos nacionais de natureza não profissional.
3 - Os restantes 30 % dos delegados não referidos no n.º 1 são distribuídos da seguinte forma:
a) 15 % dos delegados representam os praticantes desportivos;
b) 7,5 % dos delegados representam os árbitros;
c) 7,5 % dos delegados representam os treinadores.
4 - No caso de federação desportiva em que não existam árbitros e ou treinadores, a respetiva percentagem é repartida proporcionalmente pelos demais representantes referidos no número anterior.
5 - Nas federações desportivas de modalidades individuais o número de delegados representantes de clubes ou das respectivas associações distritais e regionais não pode ser superior a 70 %, cabendo a cada uma dessas entidades idêntico número de delegados, devendo os restantes 30 % ser distribuídos de entre praticantes, treinadores e árbitros ou juízes nos termos do número anterior.
6 - Salvo o disposto no artigo seguinte, os delegados referidos nos números anteriores são eleitos por e de entre os clubes ou os agentes desportivos das respectivas categorias.
7 - As percentagens referidas no presente artigo reportam-se sempre em relação à totalidade dos membros da assembleia geral, devendo, no respectivo cômputo, se o número de delegados exceder o número exacto de unidades, ser arredondado para a unidade imediatamente superior ou inferior consoante atingir ou não as cinco décimas, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior.»
 
2.6. O artigo 37.º, sob a epígrafe «Representação por inerência», prevê que:
«1 - Os estatutos ou regulamentos federativos podem conferir às associações territoriais de clubes ou às ligas profissionais o direito de designar um delegado, por cada entidade, para integrar, por inerência, a representação dos clubes das respectivas competições na assembleia geral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável às associações de clubes não referidas no número anterior, bem como às organizações de classe representativas dos praticantes desportivos, treinadores e árbitros ou juízes, cujos delegados integram a representação dos agentes desportivos das respectivas categorias.
3 - Os delegados designados nos termos dos números anteriores são descontados nas quotas atribuídas a cada um dos respectivos sectores e categorias.»
 
2.7. O artigo 38.º, sob a epígrafe «Representação dos agentes desportivos», prevê que:
«1 - Os delegados que representam as diversas categorias de agentes desportivos são adequadamente distribuídos entre a área profissional e não profissional, entre a área das competições de âmbito nacional e das competições de âmbito regional ou distrital ou entre os de alto rendimento e os restantes, nos termos estabelecidos para cada federação desportiva no respectivo regulamento eleitoral.
2 - Caso os estatutos das federações desportivas pretendam conferir representatividade a outros agentes que intervenham na respectiva modalidade desportiva, o respectivo número de delegados não pode ser superior a 3 %, a descontar proporcionalmente nas diversas categorias de entidades mencionadas no artigo 36.º»
 
2.8. O artigo 39.º, sob a epígrafe «Deliberações sociais», prevê que:
«1 - O exercício do direito de voto na assembleia geral das federações desportivas, ligas profissionais e associações de âmbito territorial é pessoal, sem possibilidade de representação, podendo ser exercido por correspondência apenas no caso de se tratar de assembleia geral eletiva.
2 - Salvo no caso de assembleia geral eletiva, é admitida a utilização de sistemas de videoconferência na assembleia geral.
3 - No âmbito das entidades referidas no n.º 1, as deliberações para a designação dos titulares de órgãos ou que envolvam a apreciação de comportamentos ou das qualidades de qualquer pessoa são tomadas por escrutínio secreto.
4 - As federações desportivas não podem reconhecer quaisquer deliberações tomadas pelas associações e ligas nelas filiadas com desrespeito das regras constantes dos números anteriores.»
 
2.9. O artigo 40.º, sob a epígrafe «Presidente», determina que:
«1 - O presidente representa a federação, assegura o seu regular funcionamento e promove a colaboração entre os seus órgãos.
2 - Compete, em especial, ao presidente:
a) Representar a federação junto da Administração Pública;
b) Representar a federação junto das suas organizações congéneres, nacionais, estrangeiras ou internacionais;
c) Representar a federação desportiva em juízo;
d) Convocar as reuniões da direcção e dirigir os respectivos trabalhos, cabendo-lhe o voto de qualidade quando exista empate nas votações;
e) Solicitar ao presidente da mesa da assembleia geral a convocação de reuniões extraordinárias deste órgão;
f) (Revogada).
g) Assegurar a organização e o bom funcionamento dos serviços;
h) Contratar e gerir o pessoal ao serviço da federação.»
 
2.10. O artigo 41.º, sob a epígrafe «Direcção», prevê que:
«1 - A direção é o órgão colegial de administração da federação desportiva, sendo integrada pelo presidente e pelos membros eleitos nos termos estatutários.
2 - Compete à direcção administrar a federação, incumbindo-lhe, designadamente:
a) Aprovar os regulamentos e publicitá-los, nos termos do artigo 8.º;
b) Organizar as selecções nacionais;
c) Organizar as competições desportivas não profissionais;
d) Garantir a efectivação dos direitos e deveres dos associados;
e) Elaborar anualmente o plano de actividades;
f) Elaborar anualmente e submeter a parecer do conselho fiscal o orçamento, o balanço e os documentos de prestação de contas;
g) Administrar os negócios da federação em matérias que não sejam especialmente atribuídas a outros órgãos;
h) Zelar pelo cumprimento dos estatutos e das deliberações dos órgãos da federação.
3 - O presidente da liga profissional, quando houver, é, por inerência, vice-presidente da federação e integra a direcção.
4 - O órgão de administração da liga profissional integra um membro da direção da federação desportiva, indicado por esta.
5 - Em caso de vacatura do cargo de um dos membros da direção e inexistindo suplentes na lista eleita, a direção deve propor à Assembleia Geral um substituto, que é por esta eleito.»
 
2.11. O artigo 42.º, sob a epígrafe «Conselho fiscal», determina que:
«1 - O conselho fiscal fiscaliza os actos de administração financeira da federação desportiva.
2 - Compete, em especial, ao conselho fiscal:
a) Emitir parecer sobre o orçamento, o balanço e os documentos de prestação de contas;
b) Verificar a regularidade dos livros, registos contabilísticos e documentos que lhes servem de suporte;
c) Acompanhar o funcionamento da federação, participando aos órgãos competentes as irregularidades financeiras de que tenha conhecimento.
3 - Quando um dos membros do conselho fiscal não tenha tal qualidade, as contas das federações desportivas são, obrigatoriamente, certificadas por um revisor oficial de contas antes da sua aprovação em assembleia geral.
4 - As competências do conselho fiscal podem ser exercidas por um fiscal único, o qual é, necessariamente, um revisor oficial de contas ou uma sociedade revisora de contas, sendo designado nos termos estabelecidos nos estatutos.»
 
2.12. O artigo 43.º, sob a epígrafe «Conselho de disciplina», prevê que:
«1 - Ao conselho de disciplina cabe, de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva.
2 - Nas federações desportivas no âmbito das quais se disputem competições de natureza profissional, o conselho de disciplina deve possuir secções especializadas conforme a natureza da competição.
3 - Nas federações desportivas no âmbito das quais se disputem competições de natureza profissional, os membros do conselho de disciplina são licenciados em Direito e, nas restantes, a maioria dos membros do conselho de disciplina são licenciados em Direito, incluindo o presidente.
4 - As decisões do conselho de disciplina devem ser proferidas no prazo de 45 dias ou, em situações fundamentadas de complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo.»
 
2.13. O artigo 44.º, sob a epígrafe «Conselho de justiça», determina que:
«1 - Para além de outras competências que lhe sejam atribuídas pelos estatutos, cabe ao conselho de justiça conhecer dos recursos das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.
2 - Ao conselho de justiça não pode ser atribuída competência consultiva.
3 - O conselho de justiça pode funcionar em secções especializadas.
4 - Nas federações desportivas no âmbito das quais se disputem competições de natureza profissional, os membros do conselho de justiça são licenciados em Direito e, nas restantes, a maioria dos membros do conselho de justiça são licenciados em Direito, incluindo o presidente.
5 - As decisões do conselho de justiça devem ser proferidas no prazo de 45 dias ou, em situações fundamentadas de complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo.»
 
2.14. O artigo 45.º, sob a epígrafe «Conselho de arbitragem», prevê que:
«1 - Cabe ao conselho de arbitragem, sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos, coordenar e administrar a actividade da arbitragem, estabelecer os parâmetros de formação dos árbitros e proceder à classificação técnica destes.
2 - Nas federações desportivas em que se disputem competições de natureza profissional, o conselho de arbitragem deve estar organizado em secções especializadas, conforme a natureza da competição.
3 - Nas federações desportivas em que se disputem competições de natureza profissional, os relatórios dos árbitros devem ser publicitados, nos termos do disposto no artigo 8.º, sem prejuízo da omissão da identificação pessoal nos casos passíveis de participação criminal, de acordo com o regime legal de proteção de dados pessoais.
4 - Nas federações desportivas referidas no número anterior a função de classificação dos árbitros deve ser cometida a uma secção diversa da que procede à nomeação dos mesmos.
5 - Todos os atos de classificação, bem como os fundamentos que a determinaram, devem ser publicitados, nos termos do artigo 8.º, em estrita observância do regime legal de proteção de dados pessoais.»
 
2.15. O artigo 46.º, sob a epígrafe «Funcionamento dos órgãos colegiais», determina que:
«No âmbito das federações desportivas há sempre recurso para os órgãos colegiais em relação aos actos administrativos praticados por qualquer dos respectivos membros, salvo quanto aos actos praticados pelo presidente da federação no uso da sua competência própria.»
 
2.16. O artigo 47.º, sob a epígrafe «Actas», determina que:
«Das reuniões de qualquer órgão colegial das federações desportivas é sempre lavrada acta que, depois de aprovada, deve ser assinada pelo presidente e pelo secretário ou, no caso da assembleia geral, pelos membros da respectiva mesa.»
 
3. Importa ainda ter presente o principal regime jurídico relativo às ligas profissionais.
 
3.1. Assim, de acordo com o previsto no RJFD, desde logo, no artigo 27.º, sob a epígrafe «Liga profissional», determina-se que:

«1 - A liga profissional exerce, por delegação da respectiva federação, as competências relativas às competições de natureza profissional, nomeadamente:
a) Organizar e regulamentar as competições de natureza profissional, respeitando as regras técnicas definidas pelos competentes órgãos federativos nacionais e internacionais;
b) Exercer as competências em matéria de organização, direção, disciplina e arbitragem, nos termos da lei;
c) Exercer relativamente aos seus associados as funções de controlo e supervisão que sejam estabelecidas na lei ou nos estatutos e regulamentos;
d) Definir os pressupostos desportivos, financeiros e de organização de acesso às competições profissionais, bem como fiscalizar a sua execução pelas entidades nelas participantes.
2 - No caso de uma liga profissional persistir, depois de expressamente notificada, no não cumprimento, por ato ou omissão, de obrigação que implique ou possa implicar, nos termos do artigo 21.º, a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva da respetiva federação, deve esta comunicar tal facto ao membro do Governo responsável pela área do desporto, o qual pode, ouvido o Conselho Nacional do Desporto, determinar a cessação da delegação de competências referida no número anterior e a devolução, transitória, do seu exercício à federação desportiva.
3 - A cessação da delegação de competências pode, ouvido o Conselho Nacional do Desporto, ser levantada com base no desaparecimento das circunstâncias que constituíram o seu fundamento.
4 - A liga profissional é integrada, obrigatoriamente, pelas sociedades desportivas que disputem as competições profissionais.
5 - A liga profissional pode, ainda, nos termos definidos nos seus estatutos, integrar representantes de outros agentes desportivos.
6 - A proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização da liga profissional não pode ser inferior a 33,3 %.
7 - Ao incumprimento dos limiares mínimos a que se refere o número anterior aplica-se o regime sancionatório previsto no artigo 6.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, que aprova o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa.»

 
3.2. Já o artigo 28.º, sob a epígrafe «Relações da federação desportiva com a liga profissional», prevê que:
«1 - O relacionamento entre a federação desportiva e a respectiva liga profissional é regulado por contrato, válido para quatro épocas desportivas, a celebrar entre essas entidades.
2 - No contrato mencionado no número anterior deve acordar-se, entre outras matérias, o número de clubes que participam na competição desportiva profissional, o regime de acesso entre as competições desportivas não profissionais e profissionais, a organização da actividade das selecções nacionais e o apoio à actividade desportiva não profissional.
3 - Os quadros competitivos geridos pela liga profissional constituem o nível mais elevado das competições desportivas desenvolvidas no âmbito da respectiva federação.
4 - Com excepção do apoio à actividade desportiva não profissional, na falta de acordo entre a federação desportiva e a respectiva liga profissional para a celebração ou renovação do contrato a que se refere o n.º 1, compete ao Conselho Nacional do Desporto regular, provisoriamente e até que seja obtido consenso entre as partes, as matérias referidas no n.º 2.
5 - O incumprimento da deliberação do Conselho Nacional do Desporto a que se refere o número anterior constitui fundamento para a suspensão do estatuto da utilidade pública desportiva.»
 
3.3. Por fim, o artigo 29.º, sob a epígrafe «Regulamentação das competições desportivas profissionais», determina que:
«1 - Compete à liga profissional elaborar e aprovar o respectivo regulamento das competições.
2 - A liga profissional elabora e aprova igualmente os respectivos regulamentos de arbitragem e disciplina, que submete a ratificação da assembleia geral da federação desportiva na qual se insere.
3 - O regulamento disciplinar da liga profissional obedece ao disposto no artigo 52.º e seguintes.
4 - A liga profissional cria um canal de denúncia interna destinado a factos suscetíveis de configurarem infração de normas de defesa da ética desportiva, nos termos e para os efeitos da Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, que estabelece o regime geral de proteção de denunciantes de infrações.»
 
4. A identificação dos órgãos integrantes das ligas profissionais vem a resultar dos respetivos estatutos. Aliás, a título de exemplo, a Consulta refere-se aos órgãos integrantes da Liga Portugal, referindo o artigo 18.º dos Estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional que[14]:
«1. São órgãos da Liga Portugal:
a) A Assembleia Geral, sua mesa e o presidente;
b) O Presidente da Liga Portugal;
c) A Direção;
d) O Conselho Fiscal;
e) O Conselho Jurisdicional.
2. A Direção pode criar Comissões Permanentes, composta por membros indicados pelas Sociedades Desportivas, sempre que se justifique.»
 
III.
Representação equilibrada entre homens e mulheres nos órgãos de “administração” e de “fiscalização” das federações desportivas e das ligas profissionais e outros regimes próximos
 
III.1. Breve enquadramento
  1. Aproximando-nos da resposta à questão colocada na Consulta, importa relembrar que esta incide sobre a representação equilibrada de pessoas de ambos os sexos nos órgãos de “administração” e de “fiscalização” das federações desportivas e das ligas profissionais, tal como previsto, respetivamente, nos artigos 27.º, n.º 6, e 32.º, n.º 3, do RJFD. Em particular, questiona-se sobre quais os órgãos que deverão cumprir os limiares de representação de género ali previstos. Este regime, por sua vez, no que tange às consequências do incumprimento dos limiares previstos naqueles normativos, remete, respetivamente, nos artigos 27.º, n.º 7, e 32.º, n.º 4, do RJFD, para o regime sancionatório previsto pelo artigo 6.º da Lei n.° 62/2017, de 1 de agosto, que aprova o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa. Importa, assim, ter em conta este regime.
Para melhor contextualização[15], releva ter em conta que os regimes jurídicos relativos à representação equilibrada de ambos os sexos nos órgãos de entes públicos e privados – de que são exemplos os referidos na Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro, e na Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto[16] – surgem, desde logo, ao abrigo da “norma-tarefa”[17] – norma programática[18] - prevista no artigo 9.º, alínea h), da Constituição da República Portuguesa (CRP), que prevê, como tarefas fundamentais do Estado, a promoção da igualdade entre homens e mulheres e que encontra como uma das principais medidas da sua promoção a criação de “quotas de género”[19], e que encontra uma concretização (mais impositiva)[20] no domínio dos direitos cívicos e políticos no artigo 109.º da CRP[21]-[22]. No entanto, tal tarefa “que não se trata de favorecer unilateralmente um dos sexos[23]” deve ser ponderada com a prossecução de outros valores[24], nomeadamente, com a liberdade associativa (artigos 46.º e 79.º, n.º 2 da CRP)[25]. Para além de se dever destacar o carácter temporário ou transitório variável de tais medidas de ação positiva[26]. Acresce que, apesar da margem de conformação permitida pela Constituição ao legislador, tais medidas devem ser conformes com os limites impostos pelo artigo 18.º, n.º 2, da CRP, sob pena de inconstitucionalidade, ou seja, o legislador ordinário deve assegurar a justa medida[27] das medidas de ação positiva, o que pode revelar especial acuidade quando estão em causa medidas, in casu, “quotas de género” que incidam sobre realidades associativas que podem variar em função da relevância que é reconhecida a determinada modalidade desportiva e da dimensão quantitativa das associações.
É ainda, neste âmbito, que melhor se compreendem também a Lei Orgânica n.º 3/2006, de 21 de agosto, que aprova a Lei da Paridade nos Órgãos Colegiais Representativos do Poder Político[28], que estabelece “quotas legislativas”[29] e a Lei n.º 26/2019, de 28 de março, que aprova o regime da representação equilibrada entre homens e mulheres no pessoal dirigente e nos órgãos da Administração Pública.
 
2. A este propósito, no contexto internacional, é de destacar a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), adotada em 1979 pela Assembleia Geral das Nações Unidas e ratificada por Portugal em 1980[30] e a Recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa, de 12 de março de 2003, sobre participação equilibrada de mulheres e homens na tomada de decisão política e pública [REC (2003) 3 (Conselho da Europa, 2003)][31].
Já no contexto europeu (União Europeia), destaca-se o disposto no artigo 8.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) que prevê que «[n]a realização de todas as suas ações, a União terá por objetivo eliminar as desigualdades e promover a igualdade entre homens e mulheres» e ainda o disposto no artigo 23.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ao determinar que «[d]eve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração» e que «[o] princípio da igualdade não obsta a que se mantenham ou adotem medidas que prevejam regalias específicas a favor do sexo sub-representado». Este princípio de ação positiva é igualmente reconhecido no artigo 157.º, n.º 4, do TFUE. É, aliás, neste contexto que surgiu a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à melhoria do equilíbrio entre homens e mulheres no cargo de administrador não-executivo das empresas cotadas em bolsa e a outras medidas conexas[32], que, para além da seu alcance assumidamente modesto[33], não veio a ser aprovada por falta de consenso dos Estados-Membros. É ainda de destacar que esta proposta previa que as imposições de privilegiar o sexo sub-representado deveriam assentar numa base de análise comparativa das qualificações de cada candidato, em função de critérios pré-estabelecidos, claros, neutros e inequívocos. Assim, de modo a conciliar a igualdade formal de tratamento e a ação positiva, devem estar verificados vários critérios, como tem sido exigido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, a fim de introduzir uma igualdade de facto, a saber: (i) as medidas devem dizer respeito a um setor em que as mulheres se encontrem sub-representadas; (ii) só pode ser dada prioridade às mulheres com qualificações equivalentes às dos candidatos masculinos; (iii) não pode ser atribuída uma prioridade automática e incondicional aos candidatos igualmente qualificados, devendo prever-se uma «cláusula de salvaguarda» que contemple a possibilidade de se conceder derrogações em casos justificados, que tenham em conta a situação concreta, nomeadamente a situação pessoal de cada candidato[34].
 
3. No âmbito da organização administrativa nacional são também de destacar alguns diplomas com a inclusão de normas específicas sobre a promoção da paridade de género, como acontece com o previsto pela Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, que aprova a Lei-quadro das entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo[35], que determina no n.º 8 do artigo 17.º que “[o] provimento do presidente do conselho de administração deve garantir a alternância de género e o provimento dos vogais deve assegurar a representação mínima de 33% de cada género» e pelo Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, que aprovou o regime do Setor Público Empresarial[36], que, no n.º 6 do artigo 31.º, prevê que «[c]ada um dos órgãos de administração e de fiscalização das empresas públicas deve ter por objetivo a presença plural de homens e mulheres na sua composição» e cujo artigo 50.º, n.º 2, determina que: «[a]s empresas públicas adotam planos de igualdade tendentes a alcançar uma efetiva igualdade de tratamento e de oportunidades entre homens e mulheres, a eliminar discriminações e a permitir a conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional».
Ainda no contexto público, mas agora da perspetiva da atividade administrativa e, em particular, no âmbito da administração dos fundos europeus, previa o Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de outubro, que estabelece as regras gerais de aplicação dos programas operacionais e dos programas de desenvolvimento rural financiados pelos fundos europeus estruturais e de investimento, para o período de programação 2014-2020[37], no n.º 3 do artigo 17.º, a propósito das candidaturas a fundos europeus estruturais e de investimento que «[a] maior representatividade de mulheres nos órgãos de direção, de administração e de gestão e a maior igualdade salarial entre mulheres e homens que desempenham as mesmas ou idênticas funções, na entidade candidata, são ponderadas para efeitos de desempate entre candidaturas aos fundos da política de coesão, quando aplicável».
 
4. No âmbito privado, destaca-se o Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro[38] que, no artigo 30.º, n.º 6, determina para os órgãos de administração e fiscalização das instituições de crédito e das sociedades financeiras que «[a] política interna de seleção e avaliação dos membros dos órgãos de administração e fiscalização deve promover a diversidade de qualificações e competências necessárias para o exercício da função, fixando objetivos para a representação de homens e mulheres e concebendo uma política destinada a aumentar o número de pessoas do género sub-representado com vista a atingir os referidos objetivos».
No artigo 115.º-B, n.º 2, alínea b), prevê que «[s]ão competências do comité de nomeações relativamente aos órgãos de administração e fiscalização: b) Fixar um objetivo para a representação de homens e mulheres naqueles órgãos e conceber uma política destinada a aumentar o número de pessoas do género sub-representado com vista a atingir os referidos objetivos» e no número 5 do mesmo artigo determina que «[o] objetivo e a política para a representação do género sub-representado referidos na alínea b) do n.º 2 do artigo 435.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, bem como a respetiva aplicação, são publicados nos termos da alínea c) do n.º 2 desse mesmo artigo».
 
5. No contexto desportivo, é de ter em conta o disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 5, e 48.º da Lei n.º 39/2023, de 4 de agosto, que estabelece o regime jurídico das sociedades desportivas e revoga o Decreto-Lei n.º 10/2013, de 25 de janeiro.
 
5.1. O artigo 20.º, sob a epígrafe «Regime de paridade de sexo», prevê que:
«1 - A proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização de sociedade desportiva não pode ser inferior a 33,3 %.
2 - Os limiares referidos no número anterior devem ser cumpridos relativamente à totalidade dos membros, executivos e não executivos, que integrem os órgãos de administração.
3 - Os limiares definidos no n.º 1 não se aplicam aos mandatos em curso, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4 - A renovação e a substituição no mandato obedecem aos limiares definidos no n.º 1.
5 - Ao incumprimento dos limiares mínimos a que se refere o presente artigo aplica-se o regime sancionatório previsto no artigo 6.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, que aprova o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa.
6 - O presente artigo não se aplica às sociedades desportivas cotadas em bolsa já abrangidas pela Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto.»
 
5.2. Por fim, o artigo 48.º, sob a epígrafe «Norma transitória», determina que:
«A proporção de pessoas de cada sexo a designar para cada órgão de administração e de fiscalização de cada sociedade desportiva não pode ser inferior a 20 %, a partir da primeira assembleia geral eletiva após a entrada em vigor da presente lei, e a 33,3 %, a partir da primeira assembleia geral eletiva após 1 de janeiro de 2025.»
 
6. A nível institucional assume relevância a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género que, nos termos do Decreto-Regulamentar n.º 1/2012, de 6 de janeiro, que estabeleceu a sua orgânica, se prevê que tem por missão garantir a execução das políticas públicas no âmbito da cidadania e da promoção e defesa da igualdade de género (artigo 2.º, n.º 1).
Este serviço central da administração direta do Estado, de acordo com o disposto no artigo 8.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, é responsável pelo acompanhamento do regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa.
 
III.2. O regime sancionatório previsto pela Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto
Os artigos 27.º, n.º 7, e 32.º, n.º 4, do RJFD preveem a aplicação do regime sancionatório previsto pela Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto. Importa, assim, centrar a atenção no regime previsto pela Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, que aprova o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa.
 
1. O artigo 3.º, sob a epígrafe «Definições», determina que:
«Para efeitos da presente lei, considera-se:
a) «Órgãos de administração», os conselhos diretivos, os conselhos executivos, os conselhos de gestão, os conselhos de administração ou outros órgãos colegiais com competências análogas;
b) «Órgãos de fiscalização», os conselhos fiscais, os conselhos gerais e de supervisão ou outros órgãos colegiais com competências análogas;
c) «Setor público empresarial», as entidades previstas nos artigos 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, alterado pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro, e pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, e no artigo 2.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, alterada pelas Leis n.ºs 53/2014, de 25 de agosto, 69/2015, de 16 de julho, 7-A/2016, de 30 de março, e 42/2016, de 28 de dezembro;
d) «Empresas cotadas em bolsa», as empresas com ações admitidas à negociação em mercado regulamentado.»
 
2. O artigo 6.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, sob a epígrafe «Incumprimento», prevê que:
«1 - O incumprimento dos limiares mínimos determina:
a) A nulidade do ato de designação para os órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial, devendo os membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pelo respetivo setor de atividade, quando aplicável, apresentar novas propostas que cumpram o limiar definido no n.º 1 do artigo 4.º, no prazo de 90 dias;
b) A declaração, pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, do incumprimento e do caráter provisório do ato de designação, no caso de empresas cotadas em bolsa, as quais dispõem do prazo de 90 dias para procederem à respetiva regularização.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, deve ser convocada assembleia geral eletiva para sanar o incumprimento, devendo os proponentes das listas para os órgãos de administração em causa apresentar uma declaração de cumprimento dos limiares de representação equilibrada.
3 - A manutenção do incumprimento no termo do prazo indicado no n.º 1 determina a aplicação de uma repreensão registada ao infrator e a publicitação integral da mesma num registo público, disponibilizado para o efeito nos sítios na Internet da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, a regulamentar por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da economia e da igualdade de género.
4 - Em caso de manutenção do incumprimento por empresa cotada em bolsa, por período superior a 360 dias a contar da data da repreensão, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários aplica uma sanção pecuniária compulsória, em montante não superior ao total de um mês de remunerações do respetivo órgão de administração ou de fiscalização, por cada semestre de incumprimento.
5 - A aplicação da sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior é precedida da audiência prévia da empresa visada, nos termos a fixar em regulamento da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
6 - As receitas provenientes da aplicação da sanção pecuniária compulsória são distribuídas da seguinte forma: a) 40 /prct. para a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género; b) 40 /prct. para a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários; c) 20 /prct. para a receita geral do Estado.
7 - O disposto na alínea a) do n.º 1 não prejudica a adoção dos procedimentos legais para o preenchimento, a título provisório, do cargo a que a nulidade respeita, desde que observados os limiares previstos no artigo 4.º»

 
3. O referido regime veio a ser regulamentado pela Portaria n.º 174/2019, de 6 de junho, que regula os termos da repreensão registada prevista na Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto e pelo Despacho Normativo n.º 18/2019, de 21 de junho, que determina os procedimentos para a realização das comunicações a que estão obrigadas as entidades do setor público empresarial e as empresas cotadas em bolsa, os termos da articulação de competências entre a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, e a produção de um guião para efeito de elaboração dos planos para a igualdade anuais, nos termos previstos nos artigos 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto.
 
4. Por fim, importa ter presente que o universo orgânico das federações desportivas e das ligas profissionais (infra IV.2.) não coincide com o universo orgânico das entidades do setor empresarial do Estado e das empresas cotadas em bolsa.
Assim acontece porque estes se circunscrevem às funções de administração e de fiscalização como se reflete no artigo 30.º, n.º 1 do Regime do Setor Público Empresarial ao impor que «[a]s empresas públicas assumem um modelo de governo societário que assegure a efetiva separação entre as funções de administração executiva e as funções de fiscalização» e mais desenvolvidamente no artigo 31.º, relativo à estrutura de administração e de fiscalização, no artigo 32.º, referente ao órgão de administração e no artigo 33.º, que regula o órgão de fiscalização.
Também no que tange às empresas cotadas em bolsa, isto é, as empresas com ações admitidas à negociação em mercado regulamentado, como fica expresso pelo disposto na Lei n.° 62/2017, de 1 de agosto, o universo orgânico se limita aos órgãos de administração, ou seja, os conselhos diretivos, os conselhos executivos, os conselhos de gestão, os conselhos de administração ou outros órgãos colegiais com competências análogas e aos órgãos de fiscalização, isto é, os conselhos fiscais, os conselhos gerais e de supervisão ou outros órgãos colegiais com competências análogas, consoante o modelo de governação (organização e regras de funcionamento[39]) - de administração e fiscalização - que a empresa adote, desde logo, nos termos do previsto nos artigos 390.º a 394.º do Código das Sociedades Comerciais[40].
 

IV.

Interpretação jurídica dos artigos 27.º, n.º 6, e 32.º, n.º 3, do RJFD

1. Como já sinalizado, o RJFD foi alterado pela Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro, que veio a dar a seguinte redação aos artigos 27.º, n.ºs 6 e 7, e 32.º, n.ºs 3 e 4 e que de imediato se replica.
Os números 6 e 7 do artigo 27.º preveem que:
«6 - A proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização da liga profissional não pode ser inferior 33,3 %.
7 - Ao incumprimento dos limiares mínimos a que se refere o número anterior aplica-se o regime sancionatório previsto no artigo 6.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, que aprova o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa.»
Por sua vez, os números 3 e 4 do artigo 32.º do RJFD preveem, de forma análoga, que:
«3 - A proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização das federações desportivas não pode ser inferior a 33,3 %.
4 - Ao incumprimento dos limiares mínimos a que se refere o número anterior aplica-se o regime sancionatório previsto no artigo 6.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto.»
 
2. Importa ainda recuperar o universo dos órgãos das federações desportivas e da Liga Profissional, sendo de sublinhar que deste universo – no caso das federações desportivas: Assembleia geral; Presidente; Direção; Conselho fiscal; Conselho de disciplina; Conselho de justiça; Conselho de arbitragem – só uma parte destes órgãos revela uma dimensão funcional própria dos órgãos de administração e de fiscalização, já em relação a outros assim não parece ser. Destarte, no que tange às federações desportivas, fora do âmbito funcional de administração e fiscalização da pessoa coletiva encontram-se o: (i) Conselho de disciplina que, à luz do disposto no artigo 43.º, n.º 1, do RJFD, cabe, de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva; o (ii) Conselho de justiça que, de acordo com o disposto no 44.º, n.º 1, para além de outras competências que lhe sejam atribuídas pelos estatutos, cabe conhecer dos recursos das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva; e o (iii) Conselho de arbitragem que, de acordo com o disposto no artigo 45.º, n.º 1, cabe, sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos, coordenar e administrar a atividade da arbitragem, estabelecer os parâmetros de formação dos árbitros e proceder à classificação técnica destes. A distinção ontológica da atividade do conselho de justiça e do conselho de disciplina é ainda marcada, conforme tem sido entendimento da doutrina, pelo seu cariz para-jurisdicional ou quase-jurisdicional[41].
No que tange à Liga Portugal, que integra os órgãos: Assembleia geral, sua mesa e o presidente, Presidente da Liga Portugal, Direção, Conselho fiscal, e o Conselho jurisdicional, a mesma distinção deve ter lugar no que se refere ao Conselho jurisdicional por comparação com os restantes órgãos da Liga e a sua natureza deve ser assumida por analogia com o Conselho de justiça das federações desportivas.
 
3. Aqui chegados, torna-se necessário proceder à interpretação jurídica[42] dos artigos 27.º, n.º 6 e 32.º, n.º 3, do RJFD, de modo a determinar quais os órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais que devem cumprir os limiares de representação de género previstos pelo RJFD, assim se respondendo à pergunta da Consulta.
 
3.1. Como se afirma no Parecer n.º 5/1992, de 28 de maio de 1992, por referência ao previsto no artigo 9.º do Código Civil[43]:

«2. O limite da interpretação é a letra, o texto da norma (11)
A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, mas nenhuma interpretação fica assim completa; será sempre necessária "uma tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal" (12).
Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, doutrinalmente considerados de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (13).
O elemento sistemático "compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o 'lugar sistemático' que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento Jurídico (14).
O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito - a evolução do instituto e do tratamento normativo - material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar (15).
Segundo a doutrina, o intérprete, laborando com os elementos interpretativos enunciados, chegará a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, extensiva, restritiva, revogatória e enunciativa.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo (16).
Há, assim, interpretação declarativa quando o sentido da norma cabe dentro da sua letra, quando o intérprete fixa à norma, como seu verdadeiro sentido, o sentido ou um dos sentidos literais, nada mais fazendo do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensamento legislativo (17).
A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, conforme toma em sentido limitado em ou sentido amplo as expressões que têm vários significados; tal distinção, porém, não deve confundir-se com o de interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à mens legis (18).
Na interpretação restritiva, por seu lado, reconhece-se que o legislador, posto se tenha exprimido em forma genérica e ampla, quis referir-se a uma classe especial de relações, havendo lugar a esta modalidade de interpretação quando o texto, entendido no modo geral como está redigido, viria a contradizer outro texto da lei, quando a lei contém em si mesma uma contradição íntima ou quando o princípio, aplicado sem restrições, ultrapassa o fim para que foi ordenado (19).
Nestes termos, quando chegar à conclusão que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, por dizer mais do que aquilo que pretendia dizer, o intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir o sentido deste em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo. Na interpretação restritiva, o intérprete limita a norma aparente por entender que o texto vai além do sentido (20)».
 
3.2. Importa agora aplicar a teoria geral da interpretação jurídica à situação concreta que nos ocupa, isto é, proceder à determinação do sentido a dar à norma prevista nos artigos 27.º, n.º 6, e 32.º, n.º 3, do RJFD.
No que se refere ao elemento literal - e na medida em que «a interpretação deve reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo», estabelecendo uma função negativa ao afirmar que o intérprete não pode considerar aquele pensamento «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal» (n.º 2) e reconhecendo uma função positiva, quando determina que o intérprete presumirá que o legislador «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3)[44] -, constata-se que as normas previstas nos artigos 27.º, n.º 6, e 32.º, n.º 3, do RJFD surgem literalmente no sentido de apenas serem aplicadas aos órgãos de administração e aos órgãos de fiscalização, uma vez que se referem expressis verbis a «cada órgão de administração e de fiscalização da liga profissional» - artigo 27.º, n.º 6, e a «cada órgão de administração e de fiscalização das federações desportivas» - artigo 32.º, n.º 3.
Por sua vez, no que se refere ao elemento sistemático - que compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos)[45] -, assume especial relevância o diploma para que o RJFD remete, para efeitos de determinação do regime sancionatório, isto é, a Lei n.° 62/2017, de 1 de agosto, que se refere, no artigo 6.º, a «órgãos de administração e a órgãos de fiscalização». Mas também de outros regimes se pode recortar uma concordância material[46], desde logo, no contexto desportivo, como acontece com a Lei n.º 39/2023, de 4 de agosto, relativa às sociedades desportivas, que se refere ao cumprimento de quotas de género pelos «órgãos de administração e órgãos de fiscalização». Também no contexto da União Europeia, a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à melhoria do equilíbrio entre homens e mulheres no cargo de administrador não-executivo das empresas cotadas em bolsa, se destaca um âmbito (ainda) mais reduzido, uma vez que apenas se aplicaria ao cargo de «administrador não-executivo» das empresas cotadas em bolsa. Na mesma linhagem jurídica, também o Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de outubro, no n.º 3 do artigo 17.º, a propósito das candidaturas a fundos europeus estruturais e de investimento, determinava como critério de desempate na apreciação das candidaturas «[a] maior representatividade de mulheres nos órgãos de direção, de administração e de gestão» e ainda, em coerência axiológica, o Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro, que, no artigo 30.º, n.º 6, determina a previsão de uma política interna para «os órgãos de administração e fiscalização das instituições de crédito e das sociedades financeiras» na fixação de objetivos em matéria de representação de género.
No que se refere ao elemento histórico – que abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios –, é de destacar que apenas na última alteração ao RJFD foi prevista a preocupação da representação de género nos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, pelo que se devem perscrutar os trabalhos preparatórios da Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro, merecendo destaque o documento disponível no sítio da Assembleia da República denominado «Quadro comparativo do projeto de lei n.º 942/XV/2.ª, com a votação»[47]-[48] que apresenta uma comparação das propostas dos partidos políticos que apresentaram iniciativas de redação de normas sobre este tema[49], revelando a sua intenção reguladora[50]. Assim, da leitura do referido documento pode retirar-se que, por referência ao número 6, do artigo 27.º, do RJFD, a redação do “Projeto de Lei 942/XV/2.º” do Partido PAN - Pessoas - Animais - Natureza era a seguinte: «6 – Os estatutos da liga profissional preveem um regime de representação equilibrada entre mulheres e homens nos seus órgãos estatutários[51], que assegura que a proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão estatutário[52] não possa ser inferior a 33,3/prct., arredondado, sempre que necessário, à unidade mais próxima.»; já a proposta de alteração do Partido Social Democrata era a seguinte: «6 – Os estatutos da liga profissional, na composição de cada órgão estatutário[53], com funções executivas ou não executivas, asseguram que a proporção de pessoas de cada sexo, não pode ser inferior a 33,3%»; e, por fim, a proposta do Partido Socialista era a seguinte: «6 – A proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização[54] da liga profissional não pode ser inferior a 33,3 %.», tendo sido aprovada esta última proposta. Por sua vez, no que se refere à proposta de número 3, do artigo 32.º, do RJFD, a proposta do Partido PAN - Pessoas - Animais - Natureza era a seguinte: «3 – Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, os estatutos das federações desportivas deverão prever um regime de representação equilibrada entre mulheres e homens nos seus órgãos estatutários[55].»; já a proposta de alteração do Partido Social Democrata era a seguinte: «3 – A proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização[56] de federações desportivas, com funções executivas ou não executivas, não pode ser inferior a 33,3%.»; e, por fim, a proposta do Partido Socialista era a seguinte: «3 – A proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização[57] de federações desportivas não pode ser inferior a 33,3%.», tendo sido aprovada esta última proposta. Apesar das diferentes intervenções dos partidos políticos com propostas nesta matéria, a maioria parlamentar votou uma proposta que, desde logo, por comparação com outras, limita de forma expressa aos «órgãos de administração e de fiscalização» o cumprimento dos limiares de representação de género, no contexto do universo «dos órgãos estatutários» das ligas profissionais e das associações desportivas, afastando outras propostas que abrangeriam outros órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais (e.g. «nos seus órgãos estatutários» ou «cada órgão estatutário») – fórmulas estas que se devem ter por afastadas pelo facto de o legislador parlamentar não ter aderido a tais propostas.
Por fim, no que se refere ao elemento teleológico – que consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar – está em causa uma ação positiva a favor do sexo sub-representado, não resultando claro o seu âmbito orgânico; em qualquer dos casos surge muito próximo do âmbito orgânico previsto para o setor público empresarial e para as empresas cotadas em bolsa em virtude da remissão que o RJFD faz para a Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto e que se limita aos órgãos de administração e de fiscalização.
Em suma, a ponderação dos vários elementos interpretativos conduziu à conclusão de que a norma prevista nos artigos 27.º, n.º 6, e 32.º, n.º 3, do RJFD, que determina que a proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização da liga profissional e das federações desportivas não pode ser inferior a 33,3 %, se circunscreve aos órgãos com funções de administração e de fiscalização da pessoa coletiva em causa e sempre que se trate de órgãos cuja natureza colegial o permita, isto é, só os órgãos colegiais, e já não os órgãos unipessoais (como acontece com a figura do Presidente – cuja obrigatoriedade de género não é regulado pela lei). Destarte, estão sujeitos aos limiares de representação de género, os «órgãos de direção e de fiscalização», ou seja, no que tange às federações desportivas a mesa da Assembleia geral, a Direção e o Conselho fiscal. Já no que toca às ligas profissionais, tendo como paradigma a Liga Portugal, estão sujeitos aos limiares de representação de género, os «órgãos de direção e de fiscalização», isto é, a mesa da Assembleia geral, a Direção e o Conselho fiscal. Já não estão incluídos o Conselho de disciplina, o Conselho de justiça, o Conselho de arbitragem e os delegados representantes na Assembleia geral, no que tange às federações desportivas e o Conselho jurisdicional, no que se refere à Liga Portugal, assim como não estão incluídos os órgãos unipessoais, como o órgão Presidente.
Importa ainda destacar que a Assembleia geral, enquanto órgão deliberativo das federações desportivas, é o «órgão soberano que evidencia e detém a plenitude do poder de uma federação desportiva diretamente representativo da vontade dos associados»[58]. Esta surge como responsável, desde logo, pela eleição ou destituição da mesa da Assembleia geral [artigo 34.º, n.º 1, alínea a) do RJFD] e, por sua vez, os delegados surgem como os representantes das várias entidades integrantes da Assembleia geral. Se quanto à mesa da Assembleia geral parece possível cumprir os limiares de género nos casos em que a eleição seja feita por listas, o mesmo pode já não acontecer com os delegados da Assembleia geral. Ainda que teoricamente se pudesse equacionar a aplicabilidade das regras de paridade às quotas de representatividade previstas no artigo 36.º do RJFD, uma vez analisadas as regras de designação, eleição ou representação dos delegados pode não ser possível cumprir as referidas regras de paridade. Com efeito, o legislador veio prever, no artigo 37.º do RJFD, sob a epígrafe «Representação por inerência», que: «1 - Os estatutos ou regulamentos federativos podem conferir às associações territoriais de clubes ou às ligas profissionais o direito de designar um delegado, por cada entidade, para integrar, por inerência, a representação dos clubes das respectivas competições na assembleia geral. 2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável às associações de clubes não referidas no número anterior, bem como às organizações de classe representativas dos praticantes desportivos, treinadores e árbitros ou juízes, cujos delegados integram a representação dos agentes desportivos das respectivas categorias. 3 - Os delegados designados nos termos dos números anteriores são descontados nas quotas atribuídas a cada um dos respectivos sectores e categorias.» Assim, o exercício da liberdade de as federações poderem conferir às associações territoriais e às ligas profissionais, tal como previsto no artigo 37.º, n.º 1, e da sua extensão às entidades previstas no artigo 37.º, n.º 2, o direito de exercício de representação por inerência da qualidade de delegados, ou seja, sem que estes tenham sido necessariamente eleitos ou designados para exercer essa representação, torna impraticável assegurar a representação de género em relação à totalidade dos delegados. Podendo até criar situações de desigualdade de tratamento formal em relação às eventuais associações que não disponham da faculdade de representação por inerência. Acresce que nos casos em que as associações apenas podem designar um único delegado se antevê a impossibilidade de cumprimentos dos limiares de género por parte destas entidades[59].
A finalizar, a interpretação a que se chegou foi imposta, desde logo, pela literalidade da lei, pela unidade do sistema jurídico, e, sobretudo, pelo sentido do pensamento legislativo que se recolhe da votação (da maioria) parlamentar das várias propostas sobre as normas em consideração, pois, apesar das propostas que envolviam os órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, ou seja, que não restringiam o universo orgânico, uma vez que não faziam qualquer distinção dos órgãos em causa, a verdade é que estas propostas, apesar de conhecidas e em discussão no Parlamento, não foram as aprovadas pelo legislador parlamentar, sendo, antes, as que circunscrevem tais órgãos aos de administração e de fiscalização. À falta de outros elementos em sentido oposto, assume-se, assim, por imposição do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, que na fixação do sentido e alcance da lei, o legislador consagrou as soluções que entendeu mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
 
V.
Conclusões
Considerando o que foi exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

                     1.ª     A representação equilibrada de ambos os sexos nos órgãos de entes públicos e privados surge no contexto da tarefa fundamental do Estado de promover a igualdade entre homens e mulheres [artigo 9.º, alínea h), da Constituição da República Portuguesa (CRP)] e de forma mais impositiva em matéria de direitos civis e políticos no artigo 109.º da CRP.
                     2.ª     Apesar da margem de conformação permitida pela Constituição ao legislador ordinário, tais medidas devem ser conformes com os limites impostos pelo artigo 18.º, n.º 2, da CRP, devendo, ainda, a sua adoção ser ponderada com outros valores de relevância constitucional, como a liberdade associativa (artigos 46.º e 79.º, n.º 2, da CRP).
                     3.ª     A imposição de «quotas de género», para além da sua admissão em instrumentos internacionais, surge em vários diplomas nacionais, visando, em regra, órgãos de administração e de fiscalização, quer de entes públicos, quer de entes privados, e revela-se, no contexto da União Europeia, enquanto princípio de ação positiva, mediado por vários critérios jurisprudenciais, de modo a garantir-se a sua conciliação com a igualdade de tratamento.
                     4.ª     No contexto da organização desportiva nacional, depois da sua previsão para as sociedades desportivas, foi estendida a opção normativa, pela Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro, que alterou o Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), de representação equilibrada de ambos os sexos para «cada órgão de administração e de fiscalização da liga profissional» e para «cada órgão de administração e de fiscalização das federações desportivas», respetivamente, nos artigos 27.º, n.º 6, e 32.º, n.º 3, do RJFD.
                     5.ª     O incumprimento do limiar de proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização das federações desportivas e das ligas profissionais (que não pode ser inferior a 33,3 %, como resulta da leitura conjugada dos artigos 27.º, n.ºs 6, e 7, e 32.º, n.ºs 3 e 4, do RJFD) é sancionado com o regime previsto no artigo 6.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto.
                     6.ª     O universo estatutário das ligas profissionais e das federações desportivas revela órgãos com diferentes funções, alguns dotados de funções de pendor de administração e de fiscalização e outros com funções distintas (como acontece com o Conselho de disciplina, o Conselho de justiça e o Conselho de arbitragem, no que tange às federações desportivas e com o Conselho jurisdicional, no que se refere à Liga Portugal), tendo esta diversidade funcional ao nível orgânico provocado a dúvida, fundamento da Consulta, de saber qual o âmbito orgânico a que se reporta a expressão "órgão de administração e fiscalização" do RJFD.
                     7.ª     A determinação do universo dos órgãos que devem cumprir o limiar de proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização das federações desportivas e das ligas profissionais deve resultar de uma operação hermenêutica dos artigos 27.º, n.º 6, e 32.º, n.º 3, do RJFD, estribando-se nos seguintes fatores interpretativos clássicos:
                     (i) no elemento literal, considerando que os normativos em crise se referem expressis verbis a «cada órgão de administração e de fiscalização» da liga profissional e das federações desportivas;
                     (ii) no elemento sistemático, que revela lugares paralelos, em regra, abrangendo apenas órgãos de administração e fiscalização, como acontece, por exemplo, com as sociedades desportivas, o setor empresarial público e as empresas cotadas em bolsa;
                     (iii) no elemento histórico, pelo sentido do pensamento legislativo decorrente da votação e aprovação (da maioria) parlamentar de entre as várias propostas sobre as normas em consideração, em privilégio da opção que se circunscrevia aos órgãos de administração e de fiscalização e em detrimento de fórmulas mais abrangentes;
                     (iv) no elemento racional, que revela uma ação positiva a favor do sexo sub-representado, cujo alcance surge muito próximo do âmbito orgânico previsto para o setor público empresarial e para as empresas cotadas em bolsa em virtude da remissão que o RJFD faz para a Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, que se circunscreve aos órgãos de administração e de fiscalização.
                     8.ª     A ponderação dos diversos elementos interpretativos acima referidos e a sua inter-relação impõe a conclusão de que o sentido prevalente é o que determina que apenas os órgãos de administração e de fiscalização das ligas profissionais e das federações desportivas estão obrigados ao cumprimento dos limiares relativos à representação equilibrada de ambos os sexos.
                     9.ª     O resultado interpretativo a que se chegou nas conclusões anteriores é aquele que melhor reflete que, na fixação do sentido e alcance da lei, o legislador consagrou as soluções que entendeu mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, tal como impõe o disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.
                     10.ª  Concretizando, e sem prejuízo de outros órgãos que possam ser adotados pelas federações desportivas, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, do RJFD, deve entender-se que o artigo 27.º, n.º 6, do RJFD, inclui os seguintes órgãos: a mesa da Assembleia geral, a Direção e o Conselho fiscal. No que toca às ligas profissionais, deve considerar-se que o artigo 32.º, n.º 3, do RJFD, tendo como paradigma a Liga Portugal, abrange a mesa da Assembleia geral, a Direção e o Conselho fiscal.
                     11.ª Em sentido oposto, não estão incluídos o Conselho de disciplina, o Conselho de justiça, Conselho de arbitragem e os delegados representantes na Assembleia geral, no que tange às federações desportivas e o Conselho jurisdicional, no que se refere à Liga Portugal, assim como não estão incluídos os órgãos unipessoais, como acontece com o órgão Presidente.
 
[1] Aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto e, entretanto, alterado pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março.

[2] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, alterado: pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei; pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, que estabelece o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva; pela Lei n.º 101/2017, de 28 de agosto, que estabelece o regime de defesa da transparência e da integridade nas competições desportivas; pela Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro, que estabelece a proporção de pessoas de cada sexo na composição dos órgãos das federações desportivas e da liga profissional e prevê a criação de canais de denúncia de infrações de normas de defesa da ética desportiva, alterando o Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro. De destacar ainda a interpretação adotada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26 de maio de 2022, no Processo n.º 96/21.1BCLSB-A, Pleno da 1.ª Secção, que uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos: «O limite à renovação de mandatos imposto no n.º 2 do artigo 50.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31/12, não se aplica aos titulares de órgãos das associações territoriais de clubes filiadas nas federações desportivas».

[3] Assim, no contraponto entre federação desportiva e liga, v. Parecer n.º 114/2004, de 3 de março de 2005 (Diário da República, II Série, n.º 72, de 7 de março de 2007). No sentido de os poderes públicos serem atribuídos pelo Estado, e não originários das federações, v. Parecer n.º 7/2001, de 18 de abril de 2001 (Diário da República, II Série, n.º 139, de 18 de junho de 2001). Acerca do cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva e de incompatibilidades dos titulares de um órgão, v. Parecer n.º 46/2004, de 25 de novembro de 2004 (Diário da República, II Série, n.º 49, de 10 de março de 2005). Sobre o reforço dos poderes disciplinares das federações, no cotejo com as ligas de clubes, v. Parecer n.º 9/2016, de 12 de maio de 2016 (Diário da República, II Série, n.º 136, de 18 de julho de 2016). A favor da qualificação de federação desportiva como administração autónoma, v. Parecer n.º 101/98, de 9 de fevereiro de 1989 (Diário da República, II Série, n.º 131, de 8 de junho de 1989). A respeito da qualificação de decisões e deliberações de federação desportiva como atos administrativos, v. Parecer n.º 114/85, de 30 de janeiro de 1986 (Diário da República, II Série, n.º 173, de 30 de julho de 1986). A respeito da configuração legal de elementos estatutários essenciais, v. Parecer n.º 65/88, de 12 de abril de 1989 (Diário da República, II Série, n.º 200, de 31 de agosto de 1989). Mais recentemente, v. Parecer n.º 24/2015, de 8 de julho de 2016 (Diário da República, Série II, n.º 147, de 2 de fevereiro de 2016) e Parecer n.º 32/2017, de 19 de janeiro de 2018 (Diário da República, Série II, n.º 76, 18 de abril de 2018).

[4] Sobre o tema na doutrina académica, entre muitos, v. Alexandra Pessanha, As Federações Desportivas – Contributo para o Estudo do Ordenamento Jurídico Desportivo, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, pp. 95 e ss; José Manuel Meirim, A Federação Desportiva como sujeito público do sistema desportivo, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, passim; Pedro Gonçalves, «A «soberania limitada» das federações desportivas», in Caderno de Justiça Administrativa, n.º 59 (2006), pp. 41 a 61; Miguel Nogueira de Brito, «O Novo Regime das Federações Desportivas», in Desporto & Direito, Ano VII, n.º 19 (2010), pp. 9 a 47.

[5] Para melhor compreensão textual, não se inclui o texto das notas de rodapé dos pareceres citados, mantendo-se a numeração dessas notas.

[6] Alterada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que criou o Tribunal Arbitral do Desporto, tendo revogado o artigo 18.º da Lei n.º 5/2007, relativo à “Justiça desportiva”.

[7] V., por todos, J. J. Gomes Canotilho, “Internormatividade desportiva e homo sportivus”, in Direito do desporto profissional: contributos de um curso de pós-graduação, coordenação de João Leal Amado, Ricardo Costa, Coimbra, Almedina, 2011, pp. 7-25; João Zenha Martins, “A natureza jurídica de algum direito do desporto: reflexões sobre a diversidade de fontes e o sistema português”, Themis. Revista da Faculdade de Direito da UNL, Coimbra, a.16 n.28-29 (2015), pp. 73-123.

[8] Referem a este propósito alguns autores: “(…) um ordenamento jurídico próprio, assente numa burocracia específica, numa orgânica de raiz associativa sem intervenção pública, numa capacidade de produção normativa (…)”. V. AA. VV., Lei do Tribunal Arbitral do Desporto: introdução, referências e notas, coordenação de José Manuel Meirim, Coimbra, Almedina, 2017, pp. 12 e 13.

[9] V., entre outros, João Leal Amado, Vinculação versus liberdade: o processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 148.

[10] O debate é muito extenso e com muitos contributos. Para uma síntese da referida evolução, veja-se, no contexto nacional e por todos, João Leal Amado, Vinculação versus liberdade: o processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 148; Pedro Gonçalves, “A «soberania limitada» das federações desportivas: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1ª Secção) de 7.6.2006, P.262/06, Cadernos de Justiça Administrativa, Braga, n.59 (Set.-Out.2006), pp. 41-61; Carlos Ferreira de Almeida, “Os sistemas normativos do desporto”, in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, comissão organizadora: Jorge Miranda, et al., Coimbra, Almedina, 2012, 1.V., pp. 285-306; AA. VV., Lei do Tribunal Arbitral do Desporto: introdução, referências e notas, coordenação de José Manuel Meirim; Coimbra, Almedina, 2017, pp. 13 e ss; Artur Flamínio da Silva, A resolução de conflitos desportivos em Portugal: entre o direito público e o direito privado, Coimbra, Almedina, 2017, pp. 43 e ss.

[11] V. infra II.2.

[12] Ainda que com a aprovação da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto o Conselho de justiça tenha visto reduzida em parte a sua atividade a favor do Tribunal Arbitral do Desporto. Sobre o tema, v. Lúcio Miguel Correia/Luís Paulo Relógio, O novo regime jurídico das federações desportivas anotado e comentado, 3.ª ed., Lisboa, Vida Económica, 2023, p. 148. De notar ainda que com o Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho foram retiradas as competências consultivas ao Conselho de justiça.

[13] V. infra II.2.

[14] Disponíveis em https://www.ligaportugal.pt/pt/paginas/conteudos/estatutos-e-regulamentos/. Consultados em 8 de abril de 2024.

[15] Sem prejuízo de a expressão de género não se esgotar no binómio homem/mulher, convocando outras dimensões. Sobre o tema, cf. Daniel Roque Vitolo, "Paridad de género en la administración de las personas jurídicas privadas. De lo binario a lo diverso. De las recomendaciones y acciones positivas a la imperatividad", in La Ley, n.° 132, Tomo 2021-D, pp. 8-12. No contexto nacional, assume relevância a Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/2018, de 21 de maio, que aprova a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação — Portugal + Igual (ENIND) e Plano de ação para o combate à discriminação em razão da orientação sexual, identidade e expressão de género, e características sexuais.

[16] A promoção da representação equilibrada de ambos os sexos nos órgãos das empresas já se poderia recortar de iniciativas anteriores, com destaque para a Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/2007, de 28 de março, que aprova os princípios de bom governo das empresas do sector empresarial do Estado; a Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2007, de 22 de junho, que aprova o III Plano Nacional para a Igualdade - Cidadania e género (2007-2010); a Resolução do Conselho de Ministros n.º 70/2008, de 22 de abril, que aprova as orientações estratégicas do Estado destinadas à globalidade do sector empresarial do Estado; a Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2012, de 8 de março, que determina a adoção de medidas de promoção da igualdade de género em cargos de administração e de fiscalização das empresas; a Resolução do Conselho de Ministros n.º 103/2013, de 31 de dezembro, que aprova o V Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e Não-discriminação 2014-2017; a Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-A/2015, de 6 de março, que promove um maior equilíbrio na representação de mulheres e homens nos órgãos de decisão das empresas e institui mecanismos de promoção da igualdade salarial.

[17] Expressão colhida em J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º volume, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 281.

[18] Sobre esta, cf. Vera Lúcia Carapeto Raposo, O poder de Eva - o princípio da igualdade no âmbito dos direitos políticos - problemas suscitados pela discriminação positiva, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 427 e ss.

[19] J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º volume, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 281. Sobre os argumentos a favor e contra este instrumento de execução de medidas de ação positiva de promoção da igualdade de género, cf., Vera Lúcia Raposo “Quotas de género os prós e os contras de uma solução polémica”, in Direitos humanos das mulheres, Anabela Miranda Rodrigues, et al. (Coord.), Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pp. 111-126, e de forma mais abrangente por via da comparação, nomeadamente, entre o ordenamento estadunidense e o alemão no que tange à admissão de medidas de ação positiva de promoção do género feminino a nível constitucional, cf. Anne Peters, Women, quotas and constitutions a comparative study of affirmative action for women under American, German, EC and international law, Kluwer Law International, The Hague-London-Boston, 1999.

[20] Enquanto o primeiro normativo constitucional referido visa uma igualdade de oportunidades, já o segundo impõem uma igualdade de resultados, cf. Moreira Vital, “A IV revisão constitucional e igualdade de homens e mulheres no exercício de direitos cívicos e políticos notas sobre o artigo 109.º da CRP”, Boletim da Faculdade de Direito, v.74 (1998), p. 414.

[21] Este artigo, sob a epígrafe «Participação política dos cidadãos» prevê que: «A participação direta e ativa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos.»

[22] De destacar também que o artigo 13.º da CRP (princípio da igualdade) não habilita de per se medidas de ação positiva, exigindo a Constituição uma norma que expressamente as autorize. Assim, a relação entre o artigo 13.º e o artigo 109.º é uma relação de especialidade deste em relação àquele.

[23] J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º volume, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 281.

[24] Idem, ibidem.

[25] Insistindo nesta dimensão, entre muitos, v. Miguel Nogueira de Brito, «O Novo Regime das Federações Desportivas», in Direito & Desporto, Ano VII, n.º 19 (2010), p. 12; José Manuel Meirim, “Contributo para uma reforma do regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade, 2.v., Almedina, Coimbra, 2023, pp. 781 e ss, e doutrina aí citada.

[26] Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.º volume, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 246.

[27] Pois formas extremas de ações positivas podem criar fenómenos de “discriminação reversa”, cf. Anne Peters, Women, quotas and constitutions a comparative study of affirmative action for women under American, German, EC and international law, Kluwer Law International, The Hague-London-Boston, 1999, p. 2.

[28] Alterada pela Declaração de Retificação n.º 71/2006, de 4 de outubro; pela Lei Orgânica n.º 1/2017, de 2 de maio, que procede à sexta alteração à Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto (lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais); pela Lei Orgânica n.º 1/2019, de 29 de março, que procede à segunda alteração à lei da paridade nos órgãos do poder político, aprovada pela Lei Orgânica n.º 3/2006, de 21 de agosto.

[29] Cf. Rosa Monteiro, “A política de quotas em Portugal o papel dos partidos políticos e do feminismo do Estado”, Revista Crítica de Ciências Sociais, n.92 (Mar. 2011), p. 37.

[30] Ratificada e aprovada pela Lei n.º 23/80, de 26 de julho.

[31] Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://rm.coe.int/CoERMPublicCommonSearchServices/DisplayDCTMContent?documentId=0900001680591601 Acesso em 8 de abril de 2024.

[32] Sobre esta proposta de Diretiva, entre nós, v. Sofia Leite Borges, “Designação obrigatória de administradores e diversidade do género: algumas reflexões sobre a proposta de diretiva relativa a melhoria do equilíbrio entre homens e mulheres no cargo de administrador não executivo das empresas cotadas em bolsa e a outras medidas conexas", in A designação de administradores, Paulo Câmara, et al. (Coord.), Coimbra, Almedina, 2015, pp. 170 e ss; Catarina Serra, “Diversidade de género nos conselhos de administração das sociedades: uma primeira abordagem”, in Direito das Sociedades em Revista, a.13 v.26 (Out. 2021), pp. 49 e ss.

[33] Catarina Serra, “Diversidade de género nos conselhos de administração das sociedades: uma primeira abordagem”, in Direito das Sociedades em Revista, a.13 v.26 (Out. 2021), p. 55.

[34] V. processo C-450/93, Kalanke (Coletânea 1995, p. I-3051); processo C-409/95, Marschall (Coletânea 1997, p. I-6363); processo C-158/97, Badeck (Coletânea 2000, p. I-1875); processo C-407/98, Abrahamsson (Coletânea 2000, p. I-5539).

[35] Alterada pela Lei n.º 12/2017, de 2 de maio, que procede à primeira alteração à lei-quadro das entidades reguladoras e à Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, que a aprova; pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2019; pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2021.

[36] Alterado pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro, que procede à segunda alteração à Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), à quinta alteração à Lei n.º 108/91, de 17 de agosto, e ao Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro, à quarta alteração à Lei n.º 28/2012, de 31 de julho, e à primeira alteração aos Decretos-Leis n.ºs 133/2013, de 3 de outubro, 26-A/2014, de 17 de fevereiro, e 165-A/2013, de 23 de dezembro, alterando ainda o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, o Código dos Impostos Especiais de Consumo, o Estatuto dos Benefícios Fiscais e o Regime Geral das Infrações Tributárias; pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprova orçamento do Estado para 2017.

[37] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 215/2015, de 6 de outubro, que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de outubro, que estabelece as regras gerais de aplicação dos programas operacionais e dos programas de desenvolvimento rural financiados pelos fundos europeus estruturais e de investimento, para o período de programação 2014-2020; pelo Decreto-Lei n.º 88/2018, de 6 de novembro, que revê as condições de elegibilidade dos pagamentos em numerário em candidaturas aos fundos europeus estruturais e de investimento; pelo Decreto-Lei n.º 127/2019, de 29 de agosto, que altera o modelo de governação e as regras gerais de aplicação dos fundos europeus estruturais e de investimento; pelo Decreto-Lei n.º 10-L/2020, de 26 de março, que altera as regras gerais de aplicação dos fundos europeus estruturais e de investimento, de forma a permitir a antecipação dos pedidos de pagamento; pelo Decreto-Lei n.º 109/2023, de 24 de novembro, que prorroga diversos prazos de regimes jurídicos temporários.

[38] Que no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 46/2014, de 28 de julho, transpõe a Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e procede à alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, ao Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, às Leis n.ºs 25/2008, de 5 de junho, e 28/2009, de 19 de junho, e aos Decretos-Leis n.ºs 260/94, de 22 de outubro, 72/95, de 15 de abril, 171/95, de 18 de julho, 211/98, de 16 de julho, 357-B/2007 e 357-C/2007, de 31 de outubro, 317/2009, de 30 de outubro, e 40/2014, de 18 de março.

[39] Sobre a governação das sociedades, por todos, v. António Menezes Cordeiro, Manual de direito das sociedades, I, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2007, pp. 842 e ss.

[40] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, sujeito a múltiplas alterações, tendo a última sido produzida pelo Decreto-Lei n.º 114-D/2023, de 5 de dezembro.

[41] V. Pedro Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, Coimbra, Almedina, 2005, p. 863 e Ana Raquel Moniz, A Recusa de Aplicação de Regulamentos pela Administração com Fundamento em Invalidade, Coimbra, Almedina, 2012, p. 793. Sobre a atividade parajurisdional, v. Rui Guerra da Fonseca, O Fundamento da Autotutela Executiva da Administração Pública, Coimbra, Almedina, 2012, p. 540.

[42] Acerca da questão de interpretação da lei, matéria que tem sido objeto de frequente atenção deste Conselho Consultivo, v., entre muitos, os Pareceres nos 10/91, de 21 de março de 1991 (Diário da República, II Série, n.º 172, de 28 de julho de 1992), 61/91, de 14 de maio de 1992 (Diário da República, II Série, n.º 274, de 26 de novembro de 1992), 5/92, de 28 de maio de 1992 (Diário da República, II Série, n.º 278, de 10 de julho de 1992), 51/92, de 28 de maio de 1992 (Diário da República, II Série, n.º 278, de 2 de dezembro de 1992), 72/92, de 1 de abril de 1993, 60/95, de 23 de janeiro de 1997, 66/95, de 20 de março de 1996, 43/96, de 6 de fevereiro de 1997, 50/96, de 16 de dezembro de 1997 (Diário da República, II Série, n.º 166, de 21 de julho de 1998), 26/98, de 24 de setembro de 1998 (Diário da República, II Série, n.º 279, de 3 de dezembro de 1998), 70/99, de 27 de janeiro de 2000 (Diário da República, II Série, n.º 115, de 18 de maio de 2000), 1/2003, de 13 de fevereiro de 2003 (Diário da República, II Série, n.º 132, de 7 de junho de 2003), 154/2004, de 3 de fevereiro de 2005 (Diário da República, II Série, n.º 89, de 9 de maio de 2005) e 31/2005, de 30 de junho de 2005 (Diário da República, II Série, n.º 228, de 28 de novembro de 2005).

[43] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, objeto de múltiplas alterações, tendo a última sido produzida pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro. O artigo 9.º prevê que: «1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»

[44] V. Marcelo Rebelo de Sousa/Sofia Galvão, Introdução ao Estudo de Direito, Lisboa, Lex, 2000, p. 68.

[45] V. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 16.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2007, p. 183.

[46] V. Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 7.ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1991, p. 462.

[47] V. https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=253367 Acesso em 15 de maio de 2024.

[48] Este documento surge como Anexo I ao Relatório de discussão e votação na especialidade da Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto referente ao Projeto de Lei n.º 942/XV/2.ª (PAN), que consagra o assédio como infração disciplinar no âmbito do regime jurídico das federações desportivas e prevê a criação de canais de denúncia de infrações de normas de defesa da ética desportiva. Para melhor compreensão do iter legislativo em causa, sublinha-se que: (i) este projeto foi discutido e aprovado na generalidade em 20 de outubro de 2023, tendo baixado nesse mesmo dia à Comissão de Cultura, Comunicação Juventude e Desporto para apreciação na especialidade; (ii) no dia 4 de janeiro de 2024 foi apresentado um texto de substituição pela Senhora Deputada Inês Sousa Real (PAN); (iii) posteriormente os Grupos Parlamentares do Partido Socialista e do Partido Social Democrata apresentaram propostas de alteração; (iv) a discussão e votação na especialidade desta iniciativa e das respetivas propostas de alteração teve lugar na reunião da Comissão do dia 9 de janeiro de 2024; (v) em 18 de janeiro de 2024 o Projeto foi enviado à Comissão para fixação da Redação final; (vi) em 30 de janeiro 2024 foi publicado em Decreto da Assembleia da República; (vii) por fim, em 15 de fevereiro de 2024, foi publicada no Diário da República a Lei 23/2024, que estabelece a proporção de pessoas de cada sexo na composição dos órgãos das federações desportivas e da liga profissional e prevê a criação de canais de denúncia de infrações de normas de defesa da ética desporto, alterando o Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro – que está na base da Consulta ao presente Parecer.

[49] Em termos mais generalistas, é de ter em conta que, de acordo com a votação final global este projeto foi aprovado com os votos favoráveis do Partido Socialista, do Partido Social Democrata, do Chega, da Iniciativa Liberal, do Bloco de Esquerda, do PAN, do Livre e a abstenção do Partido Comunista Português [Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 39, de 12 de janeiro de 2024, da 2.ª SL da XV Leg, p. 78, relativa à votação em 11 de janeiro de 2024, na Reunião Plenária n.º 39, do texto final apresentado pela Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto relativo ao Projeto de Lei n.º 942/XV/2.ª apesentado pelo (PAN)]. V. https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=253367 Acesso em 15 de maio de 2024.

[50] V. Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 7.ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1991, p. 466.

[51] Destaque aditado.

[52] Destaque aditado.

[53] Destaque aditado.

[54] Destaque aditado.

[55] Destaque aditado.

[56] Destaque aditado.

[57] Destaque aditado.

[58] Neste sentido e para outros desenvolvimentos, v. Lúcio Miguel Correia/Luís Paulo Relógio, O novo regime jurídico das federações desportivas anotado e comentado, 3.ª ed., Lisboa, Vida Económica, 2023, p. 117.

[59] Também neste contexto se deve ter em conta a realidade espelhada no Parecer do Instituto Português do Desporto e Juventude, I.P., que referia, nomeadamente, o seguinte: «Em todo o caso, deixa-se um alerta de que atualmente, sendo o dirigismo desportivo maioritariamente assente num regime de voluntariado, há uma perceção empírica de dificuldade em atrair elementos para os órgãos sociais das federações, sobretudo aquelas com menor dimensão. Daqui poderá derivar a dificuldade de cumprimento de quotas previstas (por falta de interessados/as), podendo colocar em causa a atribuição/manutenção do estatuto de utilidade pública desportiva.» V. https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=253367 Acesso em 15 de abril de 2024.

 
 
VOTO DE VENCIDO
 
 
 
(Carlos Alberto Correia de Oliveira)
 
 
 
 
Não acompanho as conclusões 10.ª e 11.ª na parte em que considera estar incluída a “mesa da assembleia geral” na obrigação de cumprimento dos limiares relativos à representação equilibrada de ambos os sexos estabelecida para as federações desportivas e para as ligas profissionais pelo artigo 2.º da Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro, que alterou os artigos 27.º, 29.º, 32.º e 53.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, que aprova o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva.
 
O processo legislativo que antecedeu a redação final da Lei n.º 23/2024 vai no sentido de uma delimitação dos órgãos da pessoa coletiva sobre os quais incidem as exigências de proporção de pessoas de cada sexo.
 

Partiu-se – em projeto de lei apresentado pela Deputada do PAN-Pessoas-Animais-Natureza, Inês de Sousa Real[1] – de uma redação que previa apenas a introdução nos estatutos das federações desportivas de um regime de representação equilibrada entre mulheres e homens nos seus órgãos estatutários, tout court, com a faculdade de cada federação fazer a adaptação à sua realidade em 180 dias após a entrada em vigor da lei, sem métrica na representação e sem qualquer cominação para o seu incumprimento, para a uma redação final – correspondente à proposta de alteração apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS[2] – em que se alarga o âmbito, também às ligas profissionais, se concretiza em que órgãos («em cada órgão de administração e de fiscalização») se deve observar a proporção de género e a sua métrica e se prevê a consequência para o incumprimento do limiar mínimo de proporção, com remissão para o regime sancionatório previsto no artigo 6.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto[3].
 
Nesta última disposição legal prevê-se e sanciona-se o incumprimento dos limiares mínimos para a composição dos órgãos de administração e de fiscalização das “entidades do setor público empresarial” e das “empresas cotadas em bolsa”. O sentido ali considerado não poderá ser alheio àquele que o legislador definiu no artigo 3.º, sob a epígrafe “Definições”, do mesmo diploma. Entendeu-se que são «órgãos de administração» os conselhos diretivos, os conselhos executivos, os conselhos de gestão, os conselhos de administração ou outros órgãos colegiais com competências análogas (al. a)).

 
A assembleia geral, além de não se equiparar a nenhum daqueles conselhos, não tem competências análogas a tais órgãos. Tão pouco do regime subsidiário aplicável às federações desportivas com estatuto de utilidade pública desportiva[4] – o regime jurídico das associações de direito privado (artigos 157.º e seg.s do Código Civil) por via do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro – se pode retirar outro enquadramento.
 
A assembleia geral das federações desportivas é um órgão deliberativo, com a competência definida no artigo 34.º[5] do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro. É composta por delegados, representantes de clubes, de praticantes, de treinadores, de árbitros, de juízes ou de outros agentes desportivos que sejam membros da federação desportiva, sendo a sua representatividade estabelecida em conformidade com o âmbito da geográfico da competição e sua profissionalidade, bem como com a categoria de agentes desportivos e, ainda, por inerência (artigos 35.º a 38.º do mesmo diploma).
 
Os delegados à assembleia geral da federação desportiva são eleitos ou designados nos termos estabelecidos pelo regulamento eleitoral, o qual igualmente estabelece a duração dos seus mandatos e o procedimento para os substituir em caso de vacatura ou impedimento (n.º 1 do artigo 33.º, do mesmo diploma).
 
A assembleia geral, quer pelas suas competências, quer pela sua composição, não reúne os pressupostos para ser considerada “órgão de administração”.
 
“Órgão de administração” no domínio da federação desportiva, com o sentido conferido pelo legislador na Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, é tão só a direção, órgão colegial de administração, sendo integrada pelo presidente e pelos membros eleitos nos termos estatutários, com a competência definida legalmente (artigo 41.º[6] do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro).
 
No contexto do ordenamento jurídico desportivo, o legislador havia consagrado, menos de um ano antes, para as sociedades desportivas, por via da Lei n.º 39/2023, de 4 de agosto, igual regime de paridade de sexo para os seus órgãos de administração e de fiscalização, com a mesma métrica e igual regime de incumprimento (artigo 20.º[7]) ao ora em apreço. Também ali se não incluiu a assembleia geral.
 
As ligas profissionais, que são integradas obrigatoriamente pelas sociedades desportivas que disputem as competições profissionais (n.º 4 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro), já estavam, por via indireta, sujeitas ao regime de paridade de sexo, sem prejuízo de, nos termos dos seus estatutos, poderem integrar representantes de outros agentes desportivos (n.º 5, da mesma norma e diploma).
 
Interpretar o n.º 6 do artigo 27.º e o n.º 3 do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, no sentido de inclusão da “mesa da assembleia geral” no regime de quotas de género, salvo o devido respeito, não tem na letra da lei – seja na Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro, seja na lei (regime sancionatório) para a qual esta remete, a Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto – o mínimo de correspondência verbal, como exigem as regras de interpretação (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil).
 
“Mesa da assembleia geral” tem significado diferente de “órgão de administração” e se fosse essa a intenção do legislador tê-lo-ia referido expressamente, quanto mais não seja para a destacar, clarificando, do órgão assembleia geral em que se integra, excluindo este, o que não fez na Lei n.º 23/2024, de 15 de fevereiro, nem tão pouco em todos os demais diplomas legais conexos.
 
A mesa da assembleia geral tem por atribuição conduzir e manter a ordem dos trabalhos da assembleia geral, onde se integra, decidir sobre questões que os membros da assembleia lhe apresentem e velar para que as deliberações sejam tomadas com respeito pelos estatutos e pela lei. É um órgão intermitente, que reúne quando se realiza a assembleia geral.
 
 
A mesa é um órgão administrativo tão só da assembleia geral e não da associação em que se integra[8].
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
[1] Projeto de Lei N.º 942/XV/2.ª consagra o assédio como infração disciplinar no âmbito do regime jurídico das federações desportivas e prevê a criação de canais de denúncia de infrações de normas de defesa da ética desportiva, publicado no DAR, II série A, N.º 15/XV/2, 2023-10-09 (pág. 10-13).

[2] Propostas de alteração ao Projeto de Lei N.º 942/XV/ 2.ª (PAN).

[3] Aprova o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa.

[4] Nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31/12, «as federações desportivas são as pessoas coletivas constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos que, englobando clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial, ligas profissionais, se as houver, praticantes, técnicos, juízes e árbitros, e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da respetiva modalidade, preencham, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) Se proponham, nos termos dos respetivos estatutos, prosseguir, entre outros, os seguintes objetivos gerais:
i) Promover, regulamentar e dirigir a nível nacional a prática de uma modalidade desportiva ou de um conjunto de modalidades afins ou associadas;
ii) Representar perante a Administração Pública os interesses dos seus filiados;
iii) Representar a sua modalidade desportiva, ou conjunto de modalidades afins ou associadas, junto das organizações desportivas internacionais, bem como assegurar a participação competitiva das seleções nacionais;
b) Obtenham o estatuto de pessoa coletiva de utilidade pública desportiva».

[5] «1 - A assembleia geral é o órgão deliberativo da federação desportiva, cabendo-lhe, designadamente:
a) A eleição ou destituição da mesa da assembleia geral;
b) A eleição e a destituição dos titulares dos órgãos federativos referidos nas alíneas b) e d) a g) do artigo 32.º;
c) A aprovação do relatório, do balanço, do orçamento e dos documentos de prestação de contas;
d) A aprovação e alteração dos estatutos;
e) A ratificação dos regulamentos referidos no n.º 2 do artigo 29.º;
f) A aprovação da proposta de extinção da federação;
g) Quaisquer outras que não caibam na competência específica dos demais órgãos federativos.
2 - Por requerimento subscrito por um mínimo de 20 % dos delegados à assembleia geral pode ser solicitada a apreciação, para efeitos de cessação da sua vigência ou de aprovação de alterações, de todos os regulamentos federativos, com exceção dos referidos na alínea e) do número anterior.
(…)».

[6] Dispõe no seu n.º 2, «Compete à direcção administrar a federação, incumbindo-lhe, designadamente:
a) Aprovar os regulamentos e publicitá-los, nos termos do artigo 8.º;
b) Organizar as selecções nacionais;
c) Organizar as competições desportivas não profissionais;
d) Garantir a efectivação dos direitos e deveres dos associados;
e) Elaborar anualmente o plano de actividades;
f) Elaborar anualmente e submeter a parecer do conselho fiscal o orçamento, o balanço e os documentos de prestação de contas;
g) Administrar os negócios da federação em matérias que não sejam especialmente atribuídas a outros órgãos;
h) Zelar pelo cumprimento dos estatutos e das deliberações dos órgãos da federação.»

[7] «Artigo 20.º
Regime de paridade de sexo.
1 - A proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização de sociedade desportiva não pode ser inferior a 33,3 %.
2 - Os limiares referidos no número anterior devem ser cumpridos relativamente à totalidade dos membros, executivos e não executivos, que integrem os órgãos de administração.
3 - Os limiares definidos no n.º 1 não se aplicam aos mandatos em curso, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4 - A renovação e a substituição no mandato obedecem aos limiares definidos no n.º 1.
5 - Ao incumprimento dos limiares mínimos a que se refere o presente artigo aplica-se o regime sancionatório previsto no artigo 6.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, que aprova o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa.
6 - O presente artigo não se aplica às sociedades desportivas cotadas em bolsa já abrangidas pela Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto».
Em sede disposições finais e transitórias, complementa no artigo 48.º, «A proporção de pessoas de cada sexo a designar para cada órgão de administração e de fiscalização de cada sociedade desportiva não pode ser inferior a 20 %, a partir da primeira assembleia geral eletiva após a entrada em vigor da presente lei, e a 33,3 %, a partir da primeira assembleia geral eletiva após 1 de janeiro de 2025.»

[8] Neste sentido, M. Roque Laia, Guia das Assembleias Gerais, 9.ª edição, Elcla Editora, Porto, 1995, pg.116, «a Assembleia Geral necessita, ainda, que esse órgão seja, dentro da orgânica e da atividade da colectividade, não só, o delegado permanente da sua vontade, autoridade e soberania, mas, também, o fiscal máximo que a ponha no conhecimento de toda a actuação que possa prejudicar o fim social que ela tem vista.
Esse órgão é a «Mesa» da Assembleia Geral, a qual é, simultaneamente, o «órgão» de movimento, o «órgão executivo» e o «órgão administrativo» dela própria, Assembleia Geral.
É a essa Mesa que compete fazer, e organizar, o expediente da Assembleia; arquivar os documentos que foram endereçados à Assembleia, à Mesa, ou apresentados durante as sessões; lavrar os termos de posse, e outros; tomar bom cuidado com os livros a seu cargo, e arquivá-los; lavrar o registo das reuniões da Assembleia; fixar, em documento, as conclusões a que chegou para formação da vontade colectiva; apontar os votos recebidos nas votações.
Além destas funções, ainda cabe à «Mesa» da Assembleia Geral Praticar todas as demais funções inerentes à sua qualidade de seu órgão de movimento, de execução, e de fiscalização.
Quando digo que a Mesa da Assembleia Geral é o órgão administrativo desta, não quero dizer que ela tenha funções da «administração» na colectividade.
Não!
Ela é «órgão administrativo» da Assembleia, na medida em que, no exercício dessas funções, lhe compete providenciar para que a Assembleia seja colocada em condições de livre, e de, plenamente, poder exercer a sua atividade, e prover quanto seja necessário para esse exercício.
É, ainda, no desempenho dessa função de «órgão administrativo» da Assembleia que lhe compete requisitar ao órgão de gerência da coletividade – direcção, conselho de administração, secretariado-geral, ou de qualquer outra designação – tudo quanto seja necessário adquirir para o funcionamento da Assembleia.
Mas, a Mesa da Assembleia Geral não faz, por si própria, compras, nem aquisições.
Requisita à gerência o que necessário se torne – ficheiros, papel, livros de expediente, o mobiliário preciso, e, ainda, a sua reparação, a execução de quaisquer obras, ou modificações, na sala das sessões, etc.
Ela não tem um fundo monetário para «administrar», e do qual tenha de dar contas.
O próprio expediente – correio, telegramas, etc. - é entregue à gerência, para que o faça seguir, sendo esta a responsável, perante a Mesa da Assembleia, e perante a própria Assembleia Geral, pela boa execução desses serviços.»
 
Legislação
CONST76; L 23/24 DE 15/02/2024; DL 24-B/08 DE 31/12/2008; L 1/90 DE 13/01/1990; L 112/99 DE 03/08/1999; L 20/04 DE 21/07/2004; L 74/13 DE 06/09/2013; DL 93/14 DE 23/06/2014; LO 3/16 DE 21/08/2006; DL 159/14 DE 27/10/2014; L 62/17 DE 1/08/2017; DL 157/14 DE 24/10/2014; L 39/23 DE 04/08/2023; L 5/07 DE 16/01//2007; L 67/13 DE 28/08/2013; DRGU 1/12 DE 06/01/2012
Jurisprudência
AC STA de 07/06/2006
Referências Complementares
CONVENÇÃO PARA A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS MULHERES (CEDAW) RATIFICADA E APROVADA PELA L 23/80 DE 26/07/19870;
 
RECOMENDAÇÃO DO COMITÉ DE MINISTROS DO CONSELHO DA EUROPA DE 12/093/2003, SOBRE PARTICIPAÇÃO EQUILIBRADA DE MULHERES E HOMENS NA TOMADA DE DECISÃO POLÍTICA E PÚBLICA REC (2003) E (CONSELHO DA EUROPA 2003);

TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUIROPEIA  (TFUE);

CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA;

RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS Nº 61/18 DE 21/0572018 QUE APROVA A ESTRATÉGIA NACIONAL PARA A IGUALDADE E A NÃO DISCRIMINAÇÃO - PORTUGAL + IGUAL (ENIND) E PLANO DE AÇÃO PARA O COMBATE À DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL, IDENTIDADE E EXPRESSÃO DE GÉNERO E CARACTERÍSTICAS SEXUAIS;
RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINIOSTROS Nº 49/07, DE 28/03/2007 QUE APROVA OS PRINCÍPIOS DE BOM GOVERNO DAS EMPRESAS DO SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO;
RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS Nº 82/07 DE 22/06/2007 QUE APROVA O III PLANO NACIONAL PARA A IGUALDADE - CIDADANIA E GÉNERO (2007-2010);

RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS Nº 11-A/15 DE 06/03/2015, QUE PROMOVE UM MAIOR EQUILÍBRIO NA REPRESENTAÇÃO DE MULHERES E HOMENS NOS ÓRGÃOS DE DECISÃO DAS EMPRESAS E INSTITUI MECANISMOS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE SALARIAL



 
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